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União Europeia

Etanol ou biodiesel? Europa não consegue se decidir sobre o impacto indireto


BiodieselBR.com - 06 set 2012 - 12:39
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Por muitos anos, num esforço para cortar emissões de dióxido de carbono, a Europa incentivou os motoristas a usarem diesel em vez de gasolina. Agora, com o foco mudando para os combustíveis renováveis, está se provando bem mais fácil produzir bioetanol limpo para substituir a gasolina do que biodiesel limpo, o que está fazendo com que as metas europeias para combustíveis renováveis pareçam vulneráveis.

Quando contabilizadas todas as emissões de carbono, as matérias-primas para combustíveis automotivos líquidos “renováveis” estão longe de ser iguais. Segundo alguns pesquisadores, o biodiesel de palma e de algumas outras plantas libera mais carbono nas etapas de produção e consumo do que o petróleo. Enquanto isso, o milho e a cana-de-açúcar, usados como fonte de etanol para substituir a gasolina, parecem proporcionar reduções genuínas de carbono.

Tais cálculos são cruciais para a Europa. Diferentemente dos Estados Unidos, que o fazem também por questões de segurança energética, a justificativa da Europa para incentivar o uso de biocombustíveis é puramente ambiental, afirma Marlene Holzner, porta-voz para assuntos de energia da Comissão Europeia. Não há “considerações quanto à autossuficiência energética” nessa política, diz ela. Assim, ao colocar todo o peso nas emissões de carbono, a Europa pode acabar minando sua atual política para biocombustíveis.

O consumo de diesel continua a crescer em relação à gasolina na Europa. A Agência Internacional de Energia (IEA) espera que a participação do diesel na demanda por derivados de petróleo cresça de 42% em 2011 para 44% em 2016. Na Europa, a expectativa é que o biodiesel responda por dois terços do consumo de biocombustíveis até 2020. Empresas como Neste, Cargill, Sofiprotéol e Abengoa investiram cerca de 13 bilhões de euros em capacidade produtiva de biodiesel no continente, quase o suficiente para atender às metas da União Europeia (UE) para 2020. Mas se todo o biodiesel feito de matérias-primas com alta pegada de carbono for excluído das metas da UE, muito desse investimento será desperdiçado, e mesmo um aumento na produção e na importação de bioetanol dificilmente conseguiriam compensar a diferença.

No momento, a Europa trabalha para implementar novas regras, que quantifiquem integralmente as emissões dos biocombustíveis, substituindo estimativas baseadas unicamente nas emissões de carbono da matéria-prima – e passando a considerar fatores como o combustível usado para o plantio, o uso de fertilizantes à base de nitrogênio etc. Para desenvolver essas regulamentações, a Comissão Europeia está tentando quantificar as emissões por “mudança indireta no uso da terra” (Iluc), que leva em conta o impacto de carbono gerado pelo deslocamento de plantios tradicionais para dar lugar à produção de matérias-primas.

Embora o fator Iluc esteja se provando uma questão “muito complicada” – “sem plano” e “sem data” para ser implementado –, Holzner nega que tenha havido desacordo entre os departamentos de clima e de energia da UE quanto a princípios fundamentais, conforme amplamente divulgado. O departamento de energia recebera ordens de se opor à adoção do fator Iluc porque os biocombustíveis estavam dando uma contribuição importante para a segurança energética e para a oferta de energia na Europa. Já o departamento de meio ambiente estava mais preocupado com o impacto ambiental gerado pelos biocombustíveis.

Isaac Valero-Ladrón, porta-voz para assuntos climáticos da UE, também afirmou que há “um forte consenso quanto à necessidade de agir e abordar a questão do Iluc”. Mas as novas regras precisarão acomodar não apenas considerações sobre energia, como também as preocupações do departamento de agricultura com o biodiesel europeu e as do departamento de comércio com a importação de biodiesel. A Comissão Europeia agora prepara uma proposta legislativa para o Iluc, que será acompanhada por uma análise de impacto identificando os biocombustíveis que mais emitem carbono, segundo Valero-Ladrón.

O atual programa europeu exclui biocombustíveis que reduzam em menos de 35% as emissões de carbono em relação a seus equivalentes derivados do petróleo. Acredita-se que a contabilização das estimativas de Iluc empurrará várias matérias-primas fundamentais do biodiesel para muito abaixo desse patamar. Atualmente, a produção de biodiesel na Europa é dominada pelos óleos de palma, soja e colza. Mas tais matérias-primas, embora sejam as mais baratas de produzir, são também as de menor eficiência energética. A colza é a principal matéria-prima europeia, concentrada principalmente na França e na Alemanha.

Segundo Holzner, há três abordagens alternativas sendo consideradas. A primeira excluiria o fator Iluc, mas obrigaria todos os biocombustíveis a reduzir em 60% as emissões até 2016, o que provavelmente permitiria à Europa continuar produzindo biodiesel de colza e outros biocombustíveis, mas talvez barrasse as importações de soja e palma. A segunda opção seria incluir as estimativas de Iluc, o que, temem a indústria e os produtores de biocombustível, seria muito danoso para o setor. A terceira opção é uma combinação das outras duas e favoreceria a produção do etanol. Mas a ampla utilização de diesel na Europa talvez impeça a sua adoção.

O óleo de palma, muito frequentemente, já não é admitido na Europa para a conversão em biodiesel por não atender aos critérios de sustentabilidade de leis promulgadas entre 2009 e 2011, segundo Holzner. Para ser admitida, uma matéria-prima precisa comprovadamente ter sido plantada em terras agrícolas, e não em terras recém-desmatadas. Mas como o fator Iluc é uma avaliação bem mais sutil e complexa dos impactos secundários (como plantios deslocados), é bastante difícil quantificá-lo e aplicá-lo consensualmente, diz a porta-voz.

As novas regras também teriam de ser “compatíveis com a OMC”, acrescentou Holzner. John Weekes, ex-embaixador do Canadá na Organização Mundial do Comércio (OMC), já disse que há grandes chances de a União Europeia ser interpelada na OMC por discriminação de fontes de energia estrangeiras. Ele descreve essas jogadas como uma barreira comercial criada para impedir a entrada de matérias-primas concorrentes na Europa. Brasil, Indonésia, Malásia e Estados Unidos já expressaram preocupação na OMC quanto às regras comerciais da UE para importação de biocombustíveis. Mas Holzner descreve as críticas dos parceiros da OMC como prematuras, uma vez que “não há nada tabelado ainda”.

O desafio das metas
Para Holzner, nenhuma alteração que venha a ser feita colocaria em risco as metas para combustíveis renováveis da Europa: “Se olharmos para a matriz de biocombustíveis em 2020, a estimativa de cortes nas emissões de gases estufa é de 21%. Este é o caso mesmo que nenhuma ação seja tomada para mitigar os impactos por Iluc”, declarou por e-mail a porta-voz. “O impacto total dos biocombustíveis é reduzir as emissões de carbono.” Qualquer mudança na matriz não irá alterar os objetivos fundamentais, segundo ela.

Mas Daniel Kluge, da Federação Alemã de Renováveis (BEE), afirma que as análises de Iluc podem ameaçar as metas de redução de carbono dos combustíveis renováveis na UE. O Comitê Europeu de Biodiesel (EBB) alega que o Iluc não é comprovado cientificamente e que as emissões por Iluc são bastante superestimadas. Para os produtores, a incerteza quanto aos pressupostos utilizados no modelo de emissões por Iluc não permite justificar a adoção de ações imediatas. Portanto, regras específicas deveriam ser postergadas, em prol de uma abordagem indireta. “A metodologia do Iluc não tem solidez”, diz Kluge.

Acadêmicos também contestaram os cálculos de emissões realizados pela UE para o óleo de palma e outras oleaginosas. Gernot Pehnelt, da Universidade Friedrich Schiller de Jena, na Alemanha, publicou uma pesquisa recentemente, mostrando as diferenças sistêmicas entre as estimativas feitas pela UE e as de outros estudos científicos.

Para o BEE, as questões de Iluc devem ser tratadas como “problema local, associado principalmente a regras para utilização da terra”, diz Kluge. Segundo ele, os produtores de biocombustíveis foram “deixados no limbo” pela inabilidade dos legisladores da União Europeia em alcançar qualquer progresso em um encontro realizado em maio. Depois de mais de um ano de embates internos dentro da Comissão Europeia, esperava-se que os 27 comissários do bloco optassem por uma das três opções principais de política no encontro, mas eles não o fizeram.

Enquanto isso, em defesa daquilo que consideram combustíveis verdes mais limpos, os produtores de bioetanol europeus pediram à UE a criação de metas de Iluc para que o mercado possa fazer a distinção entre “rotas de produção de biocombustível boas e ruins”. Isso causaria uma reformulação completa na indústria, com vistas a produzir bioetanol ou biodiesel avançado, afirmam os produtores. Os biocombustíveis avançados ou de segunda geração, derivados de materiais celulósicos “lenhosos” como cascas de árvore e folhas – que não competem com a produção de alimentos e, portanto, causam menos impacto por Iluc –, ainda estão engatinhando e são bastante caros, mas podem estar prestes a dar um passo adiante.

Os biocombustíveis foram fortemente promovidos na União Europeia como sendo o caminho mais simples para reduzir emissões de gases estufa no setor de transportes. A Diretiva de Renováveis da Europa requer que os países tenham uma participação de 10% de energias renováveis no transporte rodoviário até 2020, recorrendo principalmente a biocombustíveis, e obtenham uma redução de 6% no teor de carbono dos combustíveis de transporte até a mesma data. Segundo ambientalistas, os biocombustíveis custam aos contribuintes europeus 18 bilhões de euros por ano, que seriam mais bem gastos na promoção de veículos elétricos e transporte público. Mas outras tecnologias inovadoras estão perto de causar um grande impacto. E os biocombustíveis são também perfeitamente compatíveis com os motores a combustão e com a infraestrutura existente de combustíveis.

Investidores improtantes, como a British Petroleum (BP), acreditam que a infraestrutura existente dará aos biocombustíveis uma vantagem sobre veículos elétricos e combustíveis gasosos. A BP investiu bilhões de dólares no desenvolvimento de biocombustíveis – principalmente no etanol de cana-de-açúcar na América do Sul, embora esteja pronta para construir sua primeira usina de biocombustíveis celulósicos. A BP é a única entre as grandes companhias de petróleo a apoiar a nova norma para combustíveis renováveis dos Estados Unidos, o Renewable Fuels Standard 2 (RFS2). Há não muito tempo, Philip New, chefe da seção de biocombustíveis da BP, contrastou a política para combustíveis renováveis dos Estados Unidos à da União Europeia, com sua “situação confusa de incentivo regulatório”.

Alguns grupos de interesse ligados a energia e comércio também defendem que os biocombustíveis sejam promovidos na Europa por motivos estratégicos e de segurança. A União Europeia é extremamente dependente da importação de petróleo e gás natural, e essa dependência deve aumentar. A variedade e a distribuição das matérias-primas para biocombustíveis as torna bem menos vulneráveis a sobressaltos no fornecimento do que os derivados do petróleo. Mais do que isso, os preços dos biocombustíveis não estão intimamente vinculados às cotações do petróleo, voláteis e altamente imprevisíveis.

Um elemento faltante no debate entre legisladores de ambos os lados do Atlântico é o impacto dos biocombustíveis nos consumidores e nos preços dos alimentos. Ambientalistas alegam que a produção de combustíveis renováveis ajudou a pressionar o preço de várias commodities agrícolas, já que a expansão de matérias-primas como a colza e o milho achatou o mercado de outras culturas com a competição por terras. Especialmente nos Estados Unidos, porém, a expectativa é que a alta dos preços cause rapidamente um aumento na oferta de alimentos, ainda que existam receios em relação à segurança energética e aos preços da energia, que também afetam os preços da comida.

Mercado americano pressiona
O presidente Obama tem como objetivo uma política energética de “todas as alternativas anteriores”, ou seja, de diversificação da oferta – incluindo a de biocombustíveis – para reduzir choques energéticos e a volatilidade dos preços, assim como as emissões de gás carbônico. A gasolina domina o mercado de automóveis americano, e o etanol de milho (um substituto do petróleo com uma pegada de carbono relativamente pequena) responde pela maior parte do biocombustível produzido nos Estados Unidos. Os regulamentadores americanos já excluíram o biodiesel de óleo de palma do programa de combustíveis renováveis do país.

Em 2011, a produção de etanol consumiu 40% da safra de milho norte-americana, ultrapassando pela primeira vez o consumo dos rebanhos de gado e aves. Antes do RFS entrar em vigor, em 2005, 53,4% da produção de milho era destinada a fazendas de gado e granjas, e apenas 12,5% ao etanol.

A norma para combustíveis renováveis (RFS) garantirá aos biocombustíveis uma fatia de 57 bilhões de litros do mercado de combustíveis automotores em 2012, cifra que deve alcançar 68 bilhões de litros até 2015. Os Estados Unidos taxam o etanol importado – na maior parte, álcool de cana-de-açúcar brasileiro – e subsidiam a própria produção. Pretende-se que o etanol celulósico responda por 3% da produção, mas até agora ele não passou de 0,1%. As empresas são obrigadas a comprar créditos caso não consigam obter etanol celulósico em quantidade suficiente, mesmo que o combustível não esteja disponível. A não ser que a produção de biocombustíveis avançados cresça, esse déficit tende a aumentar. Por força de uma lei promulgada em 2007, os Estados Unidos precisam utilizar 167 bilhões de litros de combustíveis renováveis por ano até 2022, resultando em 73 bilhões de litros de biocombustível celulósico. Contudo, um relatório da Academia Nacional de Ciências publicado em 2011 concluiu que essa meta não pode ser cumprida sem o concurso de novas tecnologias inovadoras, “que aprimorem, de alguma forma inesperada, o processo de produção de biocombustíveis celulósicos”.

Incentivos governamentais colossais ainda podem tornar isso possível, e há sinais de que a maré está mudando. Diversas usinas de biocombustível celulósico estão prestes a entrar em operação nos Estados Unidos. A empresa Honeywell diz ter desenvolvido uma tecnologia de Processo Térmico Rápido (RTP) que está pronta para ser aplicada e que pode produzir combustível em escala considerável a um custo equivalente ao do petróleo bruto, de US$ 45 por barril.

Conforme notou a BP, o uso da infraestrutura existente proporciona uma vantagem de custo fundamental. Se as usinas conseguirem produzir biocombustíveis avançados com os equipamentos que já possuem, será possível viabilizar projetos na escala de bilhões de litros, em sinergia operacional com a infraestrutura existente da indústria de petróleo. Especialistas sugerem que tais tecnologias podem vir a ser operacionalizadas até 2015 ou 2016, à medida que as misturas obrigatórias de biocombustíveis celulósicos comecem a se expandir radicalmente.

Enquanto isso, os responsáveis por tomar as decisões na Europa parecem presos a uma luta complexa e frustrante para estabelecer medidas de Iluc que satisfaçam ambientalistas, evitem disputas comerciais internacionais, agradem agricultores e protejam os investimentos já realizados na indústria de biodiesel.

Jeremy Bowden, de Londres
Tradução: BiodieselBR.com