Sebo de ouro
Que tal chegar a um posto, entregar as chaves do carro ao frentista e pedir a ele que encha o tanque com biodiesel de sebo? Num primeiro momento, a proposta pode parecer muito estranha, mas, no Brasil, e também no mundo, a produção do chamado combustível ecologicamente correto à base da substância consistente, que se encontra nas vísceras abdominais de alguns animais, é real. Em entrevista exclusiva à Gazeta, o empresário do segmento de biodiesel, Eduardo Herling, disse que enquanto muitas nações fecham as portas para a produção do combustível fabricado a partir de matérias-primas alimentares, como a canola, a soja, entre outras, sob a justificativa de que a utilização poderia comprometer a subsistência das pessoas, os caminhos estão bastante abertos para o sebo, não indicado para o consumo humano. Em Piracicaba, todo o material, separado pelos frigoríficos, não fica na cidade. "Pelo contrário. O sebo local é comercializado para outros Estados brasileiros, que acabam ficando com recursos e vantagens que poderiam ser usufruídos aqui", lamenta. A 'exportação' ocorre para a produção de biodiesel. Não há uma estatística que revela quanto Piracicaba produz em sebo, mas já é possível identificar o quanto a cidade perde por não trabalhar o negócio com maior competência. "Se fosse aproveitado tudo o que sobra, em apenas um estabelecimento, sem contar todos os frigoríficos locais, seríamos capazes de produzir, diariamente, de 40 mil a 50 mil litros de biodiesel", conta Herling.
Para o município, a fabricação representaria um círculo virtuoso. Isso porque poderiam ser gerados milhões de reais em divisas, que atualmente circulam em outras cidades, além de centenas de empregos diretos e indiretos, criados em vários departamentos. Logística, extração de material e armazenamento receberiam o maior número de empregados. "Mexeria, positivamente, inclusive, na balança comercial, alavancando ainda mais o ranking de vendas ao Exterior. Hoje, infelizmente, temos uma riqueza desperdiçada pela ausência de cabeças pensantes na cidade", afirma. Herling dá o exemplo do lucro projetado com o sebo. "Imagine 50 mil litros de biodiesel, vendidos a R$ 1,70, o litro, em postos. Faturaríamos R$ 85 mil por dia, R$ 2,5 milhões e R$ 28 milhões ao ano. É dinheiro!", destaca o especialista. Para cada litro de biodiesel, é usado um litro de sebo.
Subsídio ao biodiesel
Eduardo Herling comenta que, atualmente, não é vantajoso manter o sebo na cidade. "Um litro de sebo sai por até R$ 2,30, enquanto que o litro do biodiesel não ultrapassa os R$ 1,87, segundo cotação recente da Agência Nacional de Petróleo (ANP)", lembra. Na prática, o empresário perde por comprar um material mais caro, mas ganha, conforme ressalta Herling, em termos de mercado. "Quem tem muito dinheiro e pode pagar os R$ 2,30 aposta na idéia até para 'engolir' os pequenos produtores. A procura é bem maior que a oferta", afirma.
Para haver uma reversão do quadro, o consultor argumenta que os governos (municipal, estadual e federal) deveriam lutar em prol do subsídio ao biodiesel, assim como ocorre com o diesel, bem mais barato, justamente por contar com a chamada proteção tarifária. "Sem a luta por um valor melhor, o sebo vai continuar sendo vendido inadequadamente", enfatiza.
LUCIANA CARNEVALE