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O quebra-cabeça da mamona


O Povo - CE - 30 set 2007 - 13:12 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Por uma série de razões e dúvidas que sua execução tem suscitado, considero um dever social avaliar e apresentar um parecer sobre o programa do biodiesel da mamona (ricinus communis) no semi-árido. Com base em análise econômica e agronômica, além do bom senso, pode deduzir-se que se trata de uma iniciativa bem intencionada, mas pouco realista e com objetivos por demais ambiciosos: acabar com a pobreza na zona rural do Nordeste, estabilizar a produção agrícola no semi-árido, eliminar a importação de óleo diesel do Brasil e reduzir e emissão de gás carbônico no mundo.

O referido programa é viável? Não conheço nenhum estudo isento de emotividade que responda a este questionamento. Como veremos, trata-se de um programa anti-econômico (necessita de subsídios na produção agrícola, na industrial e no consumo final). Pode prejudicar o meio ambiente de rios e subsolo (lixo industrial) e de alto risco para os animais e até para a vida humana se os resíduos não forem bem acondicionados. O uso da folhagem como alimento animal também é tóxico, especialmente a torta que é veneno (não há tecnologia rentável e segura para purificá-la).

Até a década de 70, o Ceará chegou a produzir, em média, mais ou menos 20 mil toneladas de bagas em media por ano, com preço atualizado de mais ou menos R$ 1,30/kg. A produção de óleo bruto era para exportação. Em 2007, a produção foi de 6 mil toneladas e a produtividade de 700 kg/ha, em comparação com uma meta de 40 mil ha e produtividade de 1.500 kg/ha. Mamona é uma cultura extrativista, com muitas exigências de solos, e clima tropical (trópicos de Câncer e Capricórnio) para se desenvolver adequadamente: terras altas, climas amenos e excelente distribuição de chuvas. Tem sido cultivado no semi-árido cearense (equatorial), mas com péssimo desempenho produtivo, com raras exceções.

A geração de renda em um hectare dessa oleaginosa é baixíssima, altos custos de produção (colheita manual), preços irrisórios (previsão de R$ 0,70/kg), além da falta de garantia da comercialização, como os agricultores têm denunciado. O valor da produção bruta é de R$ 400/ha por ano e mais um pouco de feijão para auto-consumo. Nessas condições, as famílias que aderirem a esse programa vão continuar abaixo da linha de pobreza ou indigência.

O maior problema da produção de óleo de mamona, no entanto, não tem sido até hoje devidamente ressaltado. A mamona é altamente tóxica e o rícino extraído do óleo é um veneno mortal, sendo utilizado até como arma biológica.(www.bt.cdc/agent/ricin). O balanço do impacto da redução do gás carbônico no efeito estufa, com 2% de mistura do biodiesel do Ceará, é uma fração insignificante. Sem falar da contaminação da queima das hastes da própria planta para o replantio anual e a utilização de energia de combustíveis minerais nos estágios produtivos.

Quanto aos benefícios para os dois milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza na zona rural do Ceará, mesmo que a meta de produção de mamona no Ceará (150 mil t) fosse cumprida, o impacto sobre a renda e o emprego na agricultura seria de menos de 1% (um). Como reduzir ou acabar com a pobreza de milhões de pessoas com essa iniciativa, cultivando um ou dois hectares como prevê o programa? Há estudos que provam inexistir terras novas nas áreas de zoneamento "correto" para cultivo da mamona.

Por falta de alternativa, o agricultor terá de substituir o milho por mamona, com aumento da ameaça de mais fome das famílias pobres. Enquanto isso, outra falácia é quanto ao compromisso que o governo está assumindo de gerar estabilização da produção no semi-árido com a produção de um por cento com essa oleaginosa! A variação da produção de mamona e milho em relação às chuvas é, além disso, praticamente a mesma. Em resumo, o que fazer para reverter essa política em favor dos agricultores pobres?

Pedro Sisnando foi secretário estadual de Agricultura