Pesquisador português quer transformar glicerina em aditivos para gasolina
António Portugal, investigador da Universidade de Coimbra, quer transformar a glicerina, que existe em excesso no mercado internacional e portanto está cada vez mais barata, em aditivos para aumentar a qualidade da gasolina, explicou o próprio à Lusa.
A glicerina, ou glicerol, é um subproduto do processo de obtenção do biodiesel e a sua produção mundial tende a aumentar com a crescente aposta neste biocombustível, cuja produção visa diminuir a dependência dos combustíveis fósseis.
Com a disseminação da produção de biodiesel, particularmente no Brasil, e o consequente aumento do volume de glicerina no mercado, este produto tem sofrido uma acentuada diminuição do preço, o que lança um desafio aos investigadores: encontrar alternativas de utilização, além das aplicações convencionais, nomeadamente na indústria de cosméticos.
Na Universidade de Coimbra (UC), no Departamento de Engenharia Química, o investigador António Portugal, que antes se ocupara da transformação dos óleos alimentares em biodiesel, vai iniciar este mês um projecto de continuidade, desta vez para transformar glicerina em aditivos para a gasolina, para lhe aumentar o teor de octanas.
Na sequência de resultados preliminares considerados promissores, o projecto foi apresentado em 2006 à Fundação para a Ciência e Tecnologia, que o contemplou com um financiamento da ordem dos 100 mil euros, para três anos.
Investigação inovadora
{sidebar id=1}A investigação foi considerada inovadora pela instituição, quer do ponto de vista científico, quer na aplicação prática, numa área onde apenas são conhecidos trabalhos preliminares de uma equipa da Universidade de Dortmund (Alemanha)."Pensámos que, sendo possível transformar a glicerina, o processo de produção de biodiesel a partir de óleos alimentares ficava de certo modo fechado. Aproveitava-se a parte do biodiesel e podia-se transformar a glicerina em compostos que seriam utilizados como aditivos da gasolina", explicou à agência Lusa o investigador e docente no Departamento de Engenharia Química da UC.
O processo pelo qual optaram os investigadores da Universidade de Coimbra "é o da eterificação", a transformação química do glicerol em éter. "Pensamos que a eterificação é um bom desafio, porque permite produzir éteres, compostos que se podem adicionar directamente na gasolina, para lhe aumentar as octanas", explicou.
Além do aproveitamento económico de um produto com reduzido interesse comercial, o aditivo conseguido a partir do glicerol apresenta vantagens ambientais por ser menos solúvel em água. O aditivo comum, o MTBE (éter metil-butil-terciário), tem vindo a ser contestado, nomeadamente nos EUA, por ser cancerígeno, de grande solubilidade e ter elevado risco de contaminação de lençóis freáticos.
Um ciclo que se encerra
Para António Portugal, com esta investigação "encerra-se o ciclo de transformação dos óleos" alimentares usados, com os compostos aditivos a partir da glicerina, depois da obtenção do biodiesel. Em termos de massa, dos óleos alimentares usados "praticamente tudo é aproveitado". Esta investigação de três anos deverá iniciar-se este mês, estando o seu arranque dependente da aquisição de um reactor quando for disponibilizado o financiamento atribuído pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.Segundo António Portugal, ao longo dos três anos serão ajustadas as condições experimentais, de temperatura, de tempo de reacção, de caracterização e de optimização do processo, e ainda realizados testes com as misturas de gasolina e aditivos conseguidos a partir da glicerina.
Este trabalho de investigação dá sequência a um outro no Departamento de Engenharia Química da UC coordenado igualmente por António Portugal, em torno da produção de biodiesel a partir de óleos alimentares usados.
Em consequência dos bons resultados obtidos, em 2005, o Departamento, os Serviços de Acção Social da UC e a Câmara Municipal de Coimbra criaram um consórcio para a criação de uma unidade piloto de produção de biodiesel, e candidataram o projecto à Agência de Inovação, que apesar de reconhecer o seu interesse, não o apoiou.
Recolher óleos alimentares
A intenção era recolher óleos alimentares em depósitos a colocar em vários pontos da cidade, nas cantinas universitárias e nos Hospitais da Universidade. Só nas cantinas universitárias são servidas diariamente cerca de 10 mil refeições.Tinham também sido desenvolvidos contactos com a Agência Regional de Energia e Ambiente do Centro (AREAC), para expandir a recolha aos municípios da região. Na altura a Câmara de Coimbra já utilizava experimentalmente biodiesel em três viaturas.
Os custos de produção do biodiesel, tendo em conta a duração do projecto, de dois anos (até 2007), e o investimento nos equipamentos necessários, apontavam para um valor de 50 cêntimos por litro, muito aquém do preço dos combustíveis convencionais, que estão hoje entre 1,1 e 1,5 euros por litro.