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Mais biodiesel, pouca inclusão social no campo


O Globo - 02 mar 2009 - 07:15 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:08

Após abandonar o objetivo inicial de vincular 200 mil agricultores familiares ao programa brasileiro de biodiesel, o governo federal constatou que também não chegará perto de cumprir sua meta revisada de abranger 100 mil pequenos produtores este ano — serão 82 mil famílias, cerca de 20% a menos que o previsto. O golpe ocorre no momento em que o Ministério de Minas e Energia (MME) estuda aumentar a adição de biodiesel ao diesel dos atuais 3% (B3) para 4% (B4) já em 2009, o que significará um oferta adicional de 400 milhões de litros do combustível anualmente.

O programa de biodiesel foi criado em 2005 com foco na inclusão social. Pequenos agricultores plantariam oleaginosas (como mamona, pinhão-manso, girassol e nabo) para as usinas, gerando emprego e renda no campo. Mas as culturas não se mostraram viáveis até aqui. Entre os motivos, o alto custo para criação de cooperativas agrícolas, preço final pouco competitivo e questões técnicas, como no caso da mamona, considerada viscosa para motores.

— Com isso, o biodiesel está sendo produzido com soja e sebo animal de grandes empresas, que utilizam tecnologia e pouco aproveitam a agricultura familiar — explica o professor Miguel Dabdoub, especialista em biodiesel da USP.

Usinas trocam mamona e pinhão por óleo de soja Segundo dados do MME, 97% do biodiesel consumido no país (1,2 bilhão de litros por ano) são produzidos a partir de óleo de soja e sebo animal. São gigantes como ADM, Granol, Caramuru e Biocapital. Já oleaginosas como mamona, pinhão-manso e girassol não chegam, somadas, a 1% do total. O biodiesel é todo comprado pela Petrobras em leilões da Agência Nacional de Petróleo (ANP), a preços subsidiados.

Desde o início do programa, foram adquiridos 2,26 bilhões de litros. A estatal pagou R$ 4,8 bilhões pelo volume, preço médio de R$ 2,13 por litro.

Para especialistas, o programa foi bem sucedido em atender às metas de produção, mas permanece distante da “revolução no campo” propagada em seu lançamento. Um novo ingrediente foi a queda do preço da soja no mercado mundial, efeito da crise econômica global, o que tornou a commodity mais atraente à produção do combustível.

— Não vejo mudança desse cenário no médio prazo. No governo, estão agora apostando no pinhão-manso. Mas também não existe domínio tecnológico do pinhão — afirma Dabdoub.

Até empresas que investiram na produção de biodiesel a partir da agricultura familiar tomaram outros rumos. É o caso da Brasil Ecodiesel, que construiu quatro usinas no Nordeste para produzir o combustível a partir de mamona e pinhão-manso.

E chegou a criar cooperativas de agricultores, como em Juazeiro (BA), onde cem famílias plantaram mamona para abastecer a unidade de Iraquara, na Bahia. Hoje, as usinas produzem o biodiesel a partir da soja comprada no CentroOeste. O projeto da mamona e pinhão-manso foi suspenso.

Jório Dauster, presidente do Conselho de Administração da empresa, diz que, além das questões de qualidade e custo, o cultivo não decolou por falta de mobilização do governo: — Os agricultores da região têm pouco conhecimento do cultivo, não têm acesso à conta corrente, ao crédito. Criamos cooperativas, mas isso tem um custo alto para uma empresa.

Ficou claro que precisávamos do apoio do governo, o que infelizmente não aconteceu.

O problema não se resumiu ao Nordeste. No município de Barbacena (MG), a 169 km de Belo Horizonte, a empresa Fusermann inaugurou em 2007 uma usina para produzir biodiesel a partir do nabo forrageiro. Centenas de agricultores locais entraram na empreitada, mas os custos se revelaram inviáveis. A safra não foi comprada e virou ração de gado, conta Márcio da Silva, diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Barbacena.

— Quando o projeto surgiu, foi um boom por aqui. Teve datashow e tudo. Mas a Fusermann nunca vendeu um litro de biodiesel — diz Silva.

A usina esmaga hoje amendoim e algodão para exportação.

Luciano Piovesan, diretorgeral da Fusermann, explica que o biodiesel seria rentável só com soja. Ele lembra que o leilão da ANP chegou a pagar R$ 2,39 por litro em 2008, mas o preço final do produto a partir da oleaginosa fica em R$ 2,65.

— As grandes empresas que trabalham com soja têm custo muito baixo — diz Piovesan, que criticou incentivos fiscais às grandes produtoras por meio do Selo Combustível Social, concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Ministério reconhece que programa tem problemas As usinas que produzem biodiesel com um percentual mínimo pré-estabelecido de matériaprima da agricultura familiar tem direito ao selo. Mas sua fiscalização é frequentemente colocada em dúvida.

— Pelo volume de biodiesel vendido e o número de pequenos agricultores no programa, fica difícil acreditar no selo — diz Braz Albertini, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de São Paulo.

O MDA foi procurado, mas nenhum porta-voz foi localizado para comentar a declaração. O diretor de Combustíveis Renováveis do MME, Ricardo Dornelles, reconheceu que o programa “não está perfeito” e que os “rumos estão sempre sendo corrigidos”. Segundo ele, pode haver problemas de fiscalização no Selo Combustível Social, que estaria sendo revisto pela pasta do Desenvolvimento Agrário para para abranger mais agricultores familiares.

Bruno Villas Bôas - Jornal O Globo