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Entrevista Wang Ching: aumento na mistura beneficia cadeia produtiva


Agência Sebrae - 30 jun 2008 - 10:56 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:06

A partir desta terça-feira (1°), passa a ser obrigatória a mistura de 3% de biodiesel ao óleo diesel. A decisão desse aumento, de 2% para 3%, tomada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), significa passar de 800 milhões para 1,2 bilhão de litros de biodiesel ao ano. Os números animadores levam ao questionamento sobre como os pequenos produtores de oleaginosas conseguirão ocupar esse mercado, e ainda se não serão esmagados pelos grandes.

A coordenadora nacional de projetos de agroenergia do Sebrae, Wang Ching, destaca em entrevista que a agricultura familiar terá seu espaço garantido se focar em matérias-primas propícias nas regiões de produção, buscando condições para aumento da produtividade e se guiarem pela organização coletiva que propicie volumes adequados e a melhor logística.

ASN - O que representa para a cadeia produtiva essa obrigatoriedade de 3% de biodiesel na mistura do diesel?
Wang - O primeiro impacto é a geração de mais demanda para toda a cadeia produtiva, importante na busca da consolidação deste mercado. A mistura de 2% para 3% significa passar de 800 milhões para 1,2 bilhão de litros de biodiesel ao ano. Isso amplia as perspectivas concretas de produção para as usinas, que já contam com uma capacidade instalada superior. Para o produtor de matérias-primas, este aumento representa uma tranqüilidade de mercado para a sua produção, que no caso da agricultura familiar é muito importante. Mas há que se atentar para as dificuldades de compatibilidade entre os custos que viabilizam a produção da agricultura familiar e os valores pagos sobre estas matérias-primas. Isso tem um impacto direto na oferta e disponibilização de matéria-prima em quantidade e qualidade para suprir esta cadeia produtiva.

ASN - Isso quer dizer que na atividade com biocombustíveis ainda há espaço para os pequenos agricultores?
Wang - O maior desejo de todo pequeno produtor é ter mercado. Nesse caso já temos um mercado crescente que oportuniza inclusão pelo trabalho. Isso já é uma realidade no País, mas a busca por melhor renda vai depender da melhoria de questões como logística e produtividade. Trata-se de um mercado competitivo, cujo preço depende de políticas públicas e conjunturas econômicas. Onde não é possível agregar valor por diferenciação do produto. Então, o jeito é investir na melhoria dos custos de produção, através da busca por melhor produtividade, da melhor organização coletiva, da racionalização da logística e da melhoria na infra-estrutura do País.

ASN - De que forma isso pode ser solucionado? O Sebrae vem trabalhando nisso?
Wang - Uma saída é estender as políticas públicas para que propiciem condições melhores à base produtiva de matérias-primas, em especial à agricultura familiar. Os gargalos atualmente existentes já são conhecidos, tais como a oferta insuficiente de sementes de qualidade, créditos que não são sempre ofertados em períodos corretos para o plantio local e condições precárias de infra-estrutura. O Sebrae está atuando junto aos produtores na conscientização da importância de melhor organização entre eles para o acesso a mercado e redução de custos logísticos, através de seminários, capacitações e consultorias. E junto com parceiros, vem buscando alternativas para a melhoria da produtividade. Não basta que os produtores apoiados pelo Sebrae vendam 100% da matéria-prima. Eles precisam ampliar progressivamente a sua renda.
Wang Ching
ASN - Que ações seriam necessárias nessa política de melhoria de logística?
Wang - Destacaria dois aspectos sobre o desenvolvimento da logística que tem impacto direto na redução de custos em qualquer processo produtivo e é especialmente importante para o mercado de biocombustíveis. De um lado, há a necessidade de investimento público em estradas, infra-estrutura mínima e políticas públicas. De outro lado há os investimentos privados dos empreendimentos. Sejam grandes, médios ou pequenos, é preciso se conscientizar de que isso é necessário. Se a logística não é trabalhada entre os agricultores, e dos agricultores às usinas, para a racionalização do escoamento da produção da matéria-prima para biocombustíveis, a melhoria de renda para o produtor pode ser inviabilizada. Se o mercado é de biocombustíveis, precisamos também trabalhar a profissionalização no campo mesmo para a agricultura familiar.

ASN - E no caso da produtividade, como funcionaria?
Wang - Um requisito importante para isso é respeitar as condições naturais e recursos existentes na escolha do que produzir. Isso inclui plantar no período correto, usar sementes de qualidade, adotar melhores técnicas de cultivo, planejar a colheita e comercialização, etc. As escolhas são decisivas para a redução de custos, o aumento da produção e o alcance da viabilidade econômica. A chave é gastar menos para se produzir mais.

ASN - Se a demanda por matéria-prima continuar por muito tempo em desequilíbrio com a oferta, há risco dos pequenos agricultores serem esmagados pelos grandes?
Wang - Eu acredito de modo geral que na agricultura como um todo sempre haverá a existência de pequenos. Porque a agricultura familiar tem um papel que muitas vezes não é possível de ser substituído pelos grandes. Não significa que em algumas regiões o grande não vá tomar espaço. No caso específico dos biocombustíveis, existem políticas públicas que asseguram um papel à agricultura familiar ao priorizar a aquisição de matérias-primas provenientes destes. Mas a demanda por biocombustíveis é crescente no mundo. Em decorrência, podemos observar vários tipos de movimentos no País. As usinas buscam trabalhar com menor capacidade ociosa, assim, alguns partem para adquirir terras próprias, outras fazem alianças internacionais ou nacionais, mas também vemos um grande movimento de aproximação com cooperativas de agricultores familiares. É importante estarmos atentos ao cenário e dentro do possível nos antecipar no papel que couber a cada instituição pública ou privada.

ASN - O que os pequenos devem fazer para não perderem essa fatia de mercado?
Wang - Os dois principais pontos que dependem do agricultor familiar para que ele tenha sucesso atuando na cadeia de biocombustíveis são produtividade e logística. É importante conscientizar que a agricultura familiar precisa ser competitiva, precisa gerar ocupação e renda em condições dignas. Para isso é necessário querer produzir e vender melhor, adotando ações concretas para isso. Por exemplo, se for produzir mamona, deve buscar o conhecimento, a assistência técnica, novas técnicas de produção, as melhores sementes para as condições de clima e solo da região, de forma que se alcance o máximo de produtividade que a oleaginosa tem de potencial. Se a produtividade não for aumentada e não se trabalhar para a redução dos custos, principalmente, os logísticos, não será possível alcançar efetivamente uma melhoria de vida no campo. É bem verdade que nem tudo depende do produtor, mas esta busca pelo conhecimento faz diferença nos seus resultados e faz parte do trabalho do Sebrae colaborar neste processo.

ASN - Então, esse é o momento de os pequenos investirem nesses fatores?
Wang - É importante que eles aproveitem esse momento de demanda crescente por matéria-prima para a inserção neste mercado. A inserção efetiva dos agricultores familiares através da melhoria da produtividade e da organização coletiva para fornecimento da matéria-prima é benéfica para toda a cadeia produtiva e torna menor a ameaça de ocupação pelos grandes produtores. Além disso, por fatores diversos, a demanda mundial é consistente e crescente. E devemos considerar o fato de que o mercado de biocombustíveis é interessante por incluir uma grande diversidade de matérias-primas, o que para um País com a biodiversidade que o Brasil tem, significa um fator de competitividade e também de evidente vocação natural. Assim, acredito que, para o País, haverá um mercado crescente, com importante potencial para geração de ocupação e renda, que inclui grandes e pequenos. Mas para a permanência dos pequenos em condições dignas depende de vários fatores, que devem ser considerados prioritários pelo poder público e demais instituições atuantes no setor, para o bem-estar futuro da nação, no que tange à melhor distribuição de renda, à sustentabilidade ambiental e à segurança alimentar de todos.

ASN - E quanto à polêmica existente na relação alimentos-biocombustíveis? As críticas procedem?
Wang - Não considero que exista concorrência diretamente proporcional entre alimento e biocombustível. É uma questão complexa onde existem vários fatores que devem ser considerados. Tanto o biocombustível quanto o alimento necessitam de terra para o seu cultivo, mas, no caso do Brasil, ainda há terras disponíveis. Destaco dois fatores que contribuem para a elevação dos preços dos alimentos no mundo nos últimos meses. O primeiro é com relação ao aumento significativo e progressivo do preço do barril do petróleo e seus derivados. Toda a estrutura de produção e transporte no País, inclusive de alimentos, depende em algum grau dos combustíveis derivados do petróleo nos seus custos. Assim, o custo da produção do alimento será maior quanto maior for a dependência externa de petróleo e derivados. O segundo fator é a questão dos subsídios agrícolas. Como boa parte dos países considerados desenvolvidos não dispõe de terras suficientes para o cultivo de biocombustíveis e alimentos e mantém a produção agrícola a custo de grandes subsídios, estes buscam proteger a sua estrutura agrícola com elevação de barreiras para a entrada de produção de outros países, onerando os custos dos alimentos ao consumidor final. A busca por garantir a segurança alimentar dos países é uma fonte de pressão para o aumento dos preços. Se quisermos avaliar adequadamente esta polêmica temos que avaliar com maior amplitude e profundidade. E reconhecer que a situação não é igual em todos os países. No caso do Brasil, talvez o olhar devesse se voltar para a vocação natural do País para este mercado e na oportunidade que temos para a geração de ocupação e renda com redução das desigualdades. Necessário, no entanto que seja de forma sustentável, com justiça social, respeito ambiental, viabilidade econômica e progressivo uso de tecnologia.

Giovana Perfeito