Crise ofusca conferência sobre biocombustíveis
Ofuscada pela crise financeira e pela queda nos preços do petróleo, começa na semana que vem em São Paulo a Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. Quando a idéia de realizar o evento surgiu, no final do ano passado, o etanol e outros combustíveis de origem agrícola viviam sob intenso bombardeio: eram acusados de provocar o desmatamento e a alta do preço dos alimentos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva queria realizar uma grande reunião, com a presença de seu colega norte-americano George W. Bush e outros líderes mundiais, para colocar essas questões em pratos limpos.
A crise, porém, colocou toda a discussão num plano secundário, segundo admitem os próprios organizadores. No próprio governo, há quem admita que o tema biocombustíveis é, provavelmente, o item 55 da lista de prioridades do presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama.
Bush não virá, tampouco outros chefes de Estado. Os funcionários de mais alto nível hierárquico a participar da reunião serão ministros, que deverão chefiar cerca de 50 das 80 delegações que confirmaram presença. No caso dos Estados Unidos, o secretário de Energia, Samuel Bodman, não estará presente. O país será representado pelo secretário de Agricultura, Ed Schaefer - o que indica um interesse de tratar a questão pela ótica dos alimentos, e não de energia. Parceiros de peso do Brasil, como Índia e China, deverão mandar vice-ministros.
"A crise tira a faixa de miss da reunião", admitiu o embaixador André Amado, subsecretário de Energia do Itamaraty. Ele avalia, porém, que é uma grande oportunidade para desfazer, entre os formadores de opinião, o que ele chama de "mitos" sobre o etanol: que a produção de cana tem impactos ambientais negativos porque estimula o desmatamento, que o uso de produtos agropecuários para produção de combustíveis foi o responsável pela alta dos preços das commodities e que o plantio de matérias-primas para os biocombustíveis prejudicará a produção de alimentos.
Otimista, o embaixador acredita que a onda contra o etanol já está refluindo. "Os biocombustíveis não são mais o vilão da película", afirmou.
"Concordo que o tema perdeu densidade no cenário imediato", disse o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que oferecerá um almoço aos empresários do setor durante a Conferência. "Mas não acho que seja uma coisa perdida." Pelo contrário, ele acredita que haverá mais condições de fazer um debate qualificado, com "serenidade", uma vez que o tema perdeu o tom de urgência que tinha antes da crise, quando a cotação do petróleo batia recordes.
Mesmo momentaneamente em segundo plano, a segurança energética é um tópico que preocupa todos os países, avalia Rodrigues. Assim, o potencial econômico e ambiental dos biocombustíveis continua em pauta. Da mesma forma, os lobbies contrários continuam a postos. O Brasil gastará R$ 6 milhões para realizar a Conferência Internacional, cujo principal objetivo é reagir a essas pressões.
Os ataques mais duros aos combustíveis de origem agropecuária partiram das indústrias do petróleo e de alimentos, comentou Rodrigues. O próprio presidente Lula denunciou o lobby, ao declarar que os dedos acusatórios apontados contra os biocombustíveis estavam "sujos de óleo". A indústria do petróleo estará representada na Conferência com a presença, por exemplo, de uma delegação dos Emirados Árabes Unidos.
Haverá espaço também para a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva e entidades ambientais debaterem os impactos dos biocombustíveis. Da mesma forma, representantes da agricultura familiar serão ouvidos. Até o Movimento dos Sem-Terra (MST) foi convidado. "Nunca defendi um tema com tantos argumentos a favor como os biocombustíveis", disse o embaixador André Amado. "Não temos medo de discutir sob aspecto algum."
A Conferência irá de segunda a sexta-feira. Nos três primeiros dias, estão previstos painéis sobre cinco temas: segurança alimentar, inovação tecnológica, segurança energética, mudança de clima e sustentabilidade. Os resultados serão sumarizados na quinta-feira, numa reunião presidida pelo ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. O presidente Lula deverá participar do encerramento, na sexta-feira. Estão programados vários eventos paralelos, entre eles uma reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) na segunda-feira.