Biodiesel: será que ele é perfeito?
Muito se fala, hoje, nas vantagens do biodiesel, combustível produzido a partir de plantas oleaginosas e que pode substituir o diesel derivado do petróleo. Como combustível fóssil, o diesel joga na atmosfera poluentes como o monóxido de carbono, gás altamente tóxico, enquanto no biodiesel esse problema é ínfimo. Além dessa vantagem, o biodiesel é renovável e pode gerar emprego renda para milhões de pessoas em todo o mundo - aí incluindo o seco e árido sertão nordestino, com enorme potencial de produção de mamona. Coincidência ou não, no entanto, surgiu no Cariri, no sul do Ceará, uma voz que destoa da unanimidade que se formou em torno do chamado combustível "do futuro" e "limpo".
DADOS INCONCLUSOS
Natural da cidade do Crato, a pesquisadora Mona Lisa Moura é mestre em Engenharia Química pela Universidade Federal do Ceará e atualmente faz doutorado no Instituto Superior Técnico (IST) de Lisboa, que trabalha em parceria com o Departamento de Química Inorgânica da Universidade de Málaga, na Espanha, com apoio do CNPq. Sua tese é centrada em um tema, no mínimo, polêmico. Entre outras coisas, ela evidencia que alguns estudos realizados em todo o mundo com o biodiesel detectaram que, embora lance menos derivados de carbono na atmosfera que o diesel de petróleo, não é tão maravilhoso quanto se pensa. Mona Lisa afirma que, em alguns motores rodando apenas com biodiesel, ele pode gerar em maior quantidade o componente químico NOx, que tem como um dos subprodutos o gás N2O, que contribui para o chamado efeito estufa, que causa o aquecimento da atmosfera do planeta. "10% do NOx é desse gás", explica ela.
Os catalisadores geralmente empregados comercialmente nestes sistemas são os constituídos por misturas contendo um elemento tóxico chamado Vanádio.
POUCA PREOCUPAÇÃO NO BRASIL COM O PROBLEMANo estudo, um dos problemas detectados pela pesquisadora é que a questão é bastante abordada na Europa, mas pouco se fala dela no Brasil. Lá, inclusive, já existe legislação obrigando a redução na emissão de NOx. E nesse ponto surge outra dificuldade: os catalisadores geralmente empregados comercialmente nestes sistemas são os constituídos por misturas contendo um elemento tóxico chamado Vanádio. E mesmo com o biodiesel, o problema persiste. Aí, entra ainda outra questão: com a produção em larga escala do biodiesel, como vai ser o descarte desse material? O combustível "limpo" vai se tornar mais um vilão do meio ambiente?
SUBSTIUIÇÃO É UMA ALTERNATIVA
A tese de doutorado de Mona Lisa, que estuda o Sistema SCR (Selective Catalytic Reduction) no funcionamento de motores a diesel, propõe a troca do Vanádio por materiais mais baratos, menos poluentes e que possam ser reaproveitados, como ferro, cobre ou cobalto. Mas o mais importante, na sua pesquisa, é que ela joga luz sobre um tema absolutamente relevante, e que, na empolgação que se formou em torno do biodiesel, pouca gente tem abordado por aqui: é preciso estudar mais o combustível. Como ela mesma lembra, ainda não se conhece sequer o que o aumento da mistura dele com o diesel faria com a atmosfera, se isso fosse implantado em larga escala.
INDÚSTRIA ESTÁ ACOMPANHANDO COM ATENÇÃO
O doutorado da cearense está sendo acompanhado de perto por grandes empresas do setor automotivo - principalmente na Alemanha. Vale lembrar que, diferentemente do Brasil, onde a burocracia impera, o diesel é um combustível que equipa os carros de passeio é seu uso é disseminado entre os consumidores comuns da Europa. Por isso, qualquer inovação nessa área envolve muito dinheiro. Bilhões de euros. A defesa da tese, se tudo correr como planejado, está marcada para o ano que vem. Para quem quiser mais informações: dtea.ist.utl.pt.
COM PLANEJAMENTO, A COISA FICA AINDA MELHOR
O estudo de Mona Lisa, apesar de evidenciar que o biodiesel não é tão perfeito quanto se apregoa e também tem lá os seus problemas, não tira o seu mérito como alternativa viável para substituir o combustível fóssil. O processo de extração do óleo a partir de vegetais continua se mostrando uma ótima opção de renda, principalmente para os sertanejos do Nordeste, e não deixa de ser um combustível mais limpo que o diesel do petróleo. Mas resolvendo os pequenos problemas que seu uso pode apresentar, fica tudo ainda melhor. E se uma das soluções vier de uma cidadã nascida no Cariri, aí é perfeito. Vamos torcer.
Silvio Mauro