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Depois de 15 anos, papel das agências ainda gera dúvidas


Valor Econômico - 19 abr 2011 - 07:04 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:16

Passados quinze anos da criação da primeira agência reguladora no país, ainda há muitas dúvidas e questionamentos sobre seu modelo de atuação. Criadas em meio ao processo de desestatização da economia nos anos 90, as agências suscitam até hoje um vasto debate que vai de suas funções básicas à maneira como devem ser fiscalizadas. Especialistas ouvidos pelo Valor concordam que falta clareza nas atribuições das agências. Mas, segundo eles, o fato de serem um elemento recente na história econômica do país é uma das razões para isso.

A criação das agências no Brasil seguiu o modelo americano, onde ocupam um espaço equidistante com relação a governos, consumidores e empresas. Entretanto, sua aplicação à realidade brasileira não foi tão simples.

“Nos Estados Unidos, há uma cultura secular em que o Estado atua somente como um regulador da economia. No Brasil, durante muitos anos, o papel é ao mesmo tempo de formulador das regras e de executor, por meio das estatais. Mesmo após as privatizações, o Estado brasileiro ainda tem dificuldade de ver uma entidade técnica, independente, dizendo o que o governo deve fazer”, diz Sérgio Guerra, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas.

“Nos Estados Unidos, as agências existem há 120 anos. Aqui elas têm pouco mais de 15 anos. É natural que haja essa necessidade de evolução”, afirma ele.

Entre as dúvidas que persistem sobre a função das agências está a linha que separa suas tarefas das obrigações do legislativo. Guerra cita o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que determina, por exemplo, a proibição da propaganda de remédios, algo que poderia ser atribuição do Congresso Nacional.

O professor de economia e diretor da Escola de Pós-Gradução da FGV, Rubens Penha Cysne, diz que há pouca clareza na divisão do poder regulador entre agências e ministérios. Segundo ele, essa indefinição cria diversos atritos entre as duas partes.

“Perde-se muita energia em discussões sobre de quem é a prerrogativa de editar leis ou normas, quando se poderia discutir qual a melhor norma ou lei para melhorar o setor. Em vez disso, a discussão gera calor, mas não luz”, afirma.

Segundo os professores, é necessário que haja uma revisão da legislação que criou as agências. Para Guerra, da FGV, uma lei geral deveria definir as atribuições de todas as agências, para todos os setores. Hoje cada agência tem sua lei, que orientou sua criação.

Essa visão não é de consenso. O advogado e sócio do escritório BM&A, Álvaro Borges, diz que não há como criar uma regra geral para todas as agências, uma vez que cada uma possui suas peculiaridades. Entre elas, ele cita o nível de interferência política nas decisões de cada órgão. “Tudo depende de qual direito o Estado deseja garantir. Não dá para ter uma mesma lógica para todas as agências. É por isso que projetos que mudam as regras para o setor estão parados no Congresso.”

Já para o ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP) David Zylbersztajn, a influência política nas agências reguladoras é maléfica para seu funcionamento. Segundo ele, as indicações políticas para cargos retiram dela a independência e, naturalmente, as aproximam demais do governo.

Zylbersztajn concorda que falta clareza no papel das agências, mas acha que tudo deve ser resolvido por meio do debate. “Se o que levou à criação de um projeto de lei é o fato de o governo achar que a agência age como um ministério, então que seja feito um debate para ajustar isso. Mudar o formato porque não gosta dele é que não faz sentido”, diz.

Para Sergio Guerra, o projeto que altera a lei das agências não visa a melhorar sua capacidade regulatória, mas sim aumentar o controle do governo sobre elas.

A doutora em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Monique Menezes, cuja tese de doutorado é sobre a fiscalização das agências, acredita que o governo vem conseguindo exercer controle sobre os órgãos reguladores por meio do contingenciamento de verbas e da indicação de políticos aliados para suas diretorias.

Cysne, diretor da Escola de Pós-Gradução da FGV, demonstra isso por meio de um estudo realizado entre os anos de 2006 e 2007, segundo o qual algumas agências tiveram mais de 50% de seu orçamento contingenciado.

Apesar de criticar esse tipo de monitoramento externo, os especialistas concordam com a necessidade de algum tipo de controle sobre a atuação das agências, embora nem sempre isso seja bem recebido entre elas. Monique Menezes estudou a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) nesse controle. De acordo com seu trabalho, a supervisão contribuiu para a melhoria do trabalho das agências. “O TCU, depois de editada a norma, checa para ver se a agência não extrapola suas funções como instituição reguladora. Por vezes isso ocorreu, como em casos na Agência Nacional de Petróleo e na Aneel. E a participação do TCU foi muito positiva para a melhoria do processo. É claro que por vezes essa intromissão não é bem recebida pela agência, que por sua vez julga que é o TCU quem está extrapolando suas funções”, afirma.

Outro ponto de atrito que envolve as agências é a relação com os consumidores. Para a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Mariana Ferraz, as agências surgiram com uma visão econômica que deixava em segundo plano o cuidado com os consumidores. “Hoje isso começa a mudar, pelo menos no discurso, mas ainda é necessário incluir mais a sociedade nas decisões das agências”, diz ela.

Mariana Ferraz avalia que os órgãos reguladores ainda pendem para o lado das empresas, quando se tratam de grandes discussões. Prova disso, segundo ela, é a grande quantidade de reclamações que recebe de setores regulados como o de telefonia e energia elétrica. “Tantas reclamações mostram que o cuidado com os consumidores não está incluído na regulação”, diz.

Já para Cysne, da FGV, a queda nas tarifas desses serviços tem relação direta com o bom funcionamento das agências. “Do ponto de vista do negócio, quando o empresário sabe que há uma entidade independente como uma agência regulando um mercado e garantindo o cumprimento de regras, a necessidade de retorno é menor. Logo as tarifas poderiam ser menores”, pondera.

Marcelo Pinho