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Luiz Pereira Ramos

Sobre a Definição Técnica do Biodiesel


BiodieselBR - Luiz Pereira Ramos - 12 mai 2006 - 16:28 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:22

Dentre as fontes de biomassa mais adequadas e disponíveis para a consolidação de programas de energia renovável, os óleos vegetais têm sido priorizados não só pelas suas propriedades, mas, também, por representarem alternativa ao fortalecimento da agroindústria regional e à geração descentralizada de energia, podendo atuar como forte apoio à agricultura familiar, criando melhores condições de vida (infra-estrutura) em regiões carentes, valorizando potencialidades regionais e oferecendo alternativas a problemas econômicos e sócio-ambientais de difícil solução.

Segundo a Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005, o biodiesel pode ser classificado como qualquer combustível alternativo de natureza renovável que possa oferecer vantagens sócio-ambientais ao ser empregado na substituição total ou parcial do diesel de petróleo, em motores de ignição por compressão interna (motores do ciclo Diesel). Esta definição, bastante ampla, inclui diversas opções tecnológicas como o uso de:
(a) óleos vegetais in natura;
(b) misturas binárias óleo/diesel, álcool/diesel e ésteres/diesel;
(c) micro-emulsões;
(d) hidrocarbonetos derivados da pirólise de biomassa vegetal como o bagaço de cana (algo que muitos vêm denominando biodiesel doce);
(e) óleos vegetais craqueados (ou derivados do craqueamento termocatalítico); e
(f) misturas ternárias álcool/diesel/co-solventes.

No entanto, o único tipo de biodiesel já regulamentado no território brasileiro corresponde aos ésteres alquílicos de óleos vegetais ou gordura animal, que são obtidos através de uma reação denominada transesterificação. Alternativamente, este produto também pode ser obtido pela reação de esterificação, que envolve o uso de ácidos graxos livres como matéria-prima. De fato, a grande compatibilidade dos ésteres alquílicos (que podem ser de origem metílica ou etílica, dependendo do álcool empregado em seu processo de produção) com o diesel convencional os caracteriza como uma alternativa capaz de atender à maior parte da frota de veículos diesel já existente no mercado, desde que utilizados em misturas binárias do tipo B2, B5 ou B20, sem que qualquer investimento tecnológico seja necessário para o desenvolvimento ou adaptação dos motores.

Mas, voltando ao tema central deste artigo, será que temos realmente que nos preocupar com a amplitude conferida ao termo biodiesel em nosso país? Na verdade, não, desde que saibamos definir com sobriedade as implicações técnicas (e/ou tecnológicas), econômicas e sócio-ambientais de cada modelo (e, infelizmente, não nos parece que este cuidado esteja sendo tomado). Apesar de dividirem o mesmo nome, cada uma das alternativas descritas acima apresenta desempenho e viabilidade distintas entre si e, em muitos casos, não há elementos disponíveis em número e qualidade suficiente para comprovar se aquela opção seria realmente válida para o estágio atual de nosso desenvolvimento social, científico e tecnológico. Por esta razão, é preciso muito cuidado e responsabilidade no tratamento deste tema, pois as conseqüências de um eventual insucesso poderão ser desastrosas frente à opinião pública.

Neste sentido, a recente expansão do uso de misturas de óleos vegetais in natura ao diesel convencional pode ser considerada um exemplo concreto. Há poucos anos, vários produtores rurais se engajaram neste movimento sem se preocupar com as mudanças que esta medida exigiria na tecnologia dos motores. Como esta alternativa também vem sendo caracterizada como biodiesel, muitos agentes e técnicos do setor temem que os problemas dela decorrentes possam contaminar a opinião pública contra o uso das variedades de biodiesel já autorizadas pela ANP, ou que apresentam propriedades combustíveis adequadas à tecnologia dos motores atualmente disponíveis no mercado.

É também interessante observar que a heterogeneidade do termo biodiesel não se limita apenas à diversidade de tecnologias de produção, cujos produtos diferem entre si em propriedades, desempenho e composição química. Se imaginarmos a grande variedade de matérias-primas disponíveis no território nacional, e assumirmos que biocombustíveis (biodiesel) derivados destas matérias-primas também diferirão (ainda que em uma menor amplitude) em suas propriedades (como é o caso dos ésteres alquílicos de palma, soja e mamona), fica realmente óbvio que o problema é sério e de grande complexidade. E a isso ainda devemos incorporar o conceito da rota tecnológica, que poderá ser metílica ou etílica. Neste sentido, todos os países envolvidos neste tema vêm definindo e/ou desenvolvendo uma especificação apropriada para o produto que, em última análise, deve atender ao seu usuário final, ou seja, o motor. Assim, sejam quais forem as motivações (ou estratégias) ambientais, políticas e econômicas, o programa somente atingirá os seus objetivos se existirem garantias reais para a manutenção da qualidade do produto, cuja definição deverá ser dada por especificações justas, coerentes e tecnicamente corretas.

Enfim, desde que garantido em qualidade por procedimentos tecnológicos e métodos analíticos adequados, o biodiesel poderá vir a se consolidar como um importante avanço de nossa matriz energética. No entanto, é importante reconhecer que o biodiesel não representa (necessariamente) uma solução definitiva para a crescente demanda energética de nossa sociedade, mas uma alternativa imediata que poderá garantir qualidade de vida e condições ambientais minimamente adequadas para o desenvolvimento de nossas futuras gerações. Nesse contexto, o Brasil se encontra em uma condição privilegiada na história do mundo globalizado. Com a evidente decadência das fontes fósseis, nenhuma outra região tropical tem porte e condições tão favoráveis para assumir a posição de um dos principais fornecedores de biocombustíveis e tecnologias limpas para o século XXI.

Luiz Pereira Ramos, é colunista do site BiodieselBR, Bacharel e Licenciado em Química (1982) e Mestre em Bioquímica pela Universidade Federal do Paraná (1986), obteve o grau de Ph.D. sob a supervisão do Prof. Dr. J. N. Saddler na Universidade de Ottawa, Canadá, em 1992. Saiba mais sobre o autor.

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