ANP muda regras do leilão na surdina e descumpre portaria do MME [atualizado]
Este leilão estava marcado para ser uma virada no setor. A nova forma de comercialização agradou tanto usinas quanto distribuidoras, que entenderam que essa era a primeira parte de um sistema próprio que irá receber atualizações constantes. O que parece não ter mudado foi a forma como a ANP conduz o leilão.
Problemas na condução dos leilões de biodiesel são costumeiros, ora permitindo que uma usina comercializasse mais biodiesel do que podia, ora validando a participação de empresas com CNPJ sem autorização para comercializar. A lista de erros é extensa (veja 'apenas' alguns aqui, aqui e aqui). Mas no leilão 26 a ANP estreou uma nova prática, as mudanças ocultas.
Quem acompanha os leilões sabe que a ANP disponibiliza uma página com diversas informações sobre leilão. Assim, quem está interessado no certame pode saber todas as alterações sem precisar olhar a página da ANP a todo momento. Contudo, neste certame a ANP está fazendo alterações em esclarecimentos e avisos por baixo do pano, aparentemente tentando esconder os erros.
Para começar
A primeira mudança foi no aviso dois. Primeiro era possível que dois representantes das usinas entrassem na sala do leilão e a imprensa só teria acesso à sala auxiliar. Não é preciso dizer que limitar o acesso da imprensa, fazendo com ela ficasse de fora da sala, seria um desastre. Especialmente em um momento em que a polícia investiga formação de cartel. Não seria bom nem para a ANP, nem para as usinas. Quem acessou a página da agência na segunda-feira, entre às 15h10 e 18h18, soube que seriam estas as regras. BiodieselBR procurou a ANP para esclarecimentos. Depois, sem que qualquer aviso tenha sido publicado, o mesmo documento dizia outra coisa. O público e a imprensa terão acesso livre, dentro do limite da sala, e as usinas poderão ter apenas um representante no auditório onde acontece a disputa.
Reincidência
Ontem a ANP publicou a lista de usinas que estavam habilitadas. Como já foi reportado pela BiodieselBR hoje de manhã, as cidades de várias usinas estavam erradas. A correção aconteceu, novamente, sem qualquer aviso do erro cometido.
No esclarecimento um, onde a agência responde perguntas sobre a disputa, diversos erros primários puderam ser encontrados. A pergunta dois estava sem resposta, a resposta três era uma pergunta, a pergunta três era igual a pergunta dois e havia ainda, uma segunda resposta três, que além de apresentar informação equivocada, estava desordenada. Se você achou uma bagunça, achou certo. A ANP corrigiu esse documento pela manhã. Duas vezes. Também sem deixar rastros.
A confusão do CFPP
Esse mesmo documento ainda recebeu mais uma alteração, depois das 16:00h de hoje. E a resposta da pergunta três mudou completamente. A pergunta era se as usinas poderiam dar um CFPP diferente para cada oferta, e, até o fim da tarde, ficou publicada a resposta: “a apresentação do CFPP será conforme o anexo X, ou seja, poderá ser diferente para cada uma das três ofertas individuais.”
No entanto, não é isso que o MME informou em sua apresentação e contraria a portaria nº 276 do MME, que em seu art. 7º inciso VI deixa claro que “cada fornecedor participante, para cada unidade produtora, deverá ainda apresentar o limite máximo do Ponto de Entupimento de Filtro a Frio do Biodiesel que está disposto a vender, indicado em Graus Celsius (°C), descriminado para cada um dos meses do período de entrega definido no Edital”.
A ANP fez então mais uma alteração, e a última reposta é condizente com a portaria do MME: “a apresentação do CFPP somente poderá variar por mês, ou seja, em um mesmo mês a(s) oferta(s) apresentada(s) deverá(ão) ter o mesmo valor de CFPP”. Ou seja, é apenas um CFPP por usina. Cada unidade não pode oferecer CFPP diferente entre as ofertas.
A ANP demorou 21 horas para perceber que havia dado uma resposta errada. E as mudanças vieram depois de outras duas alterações. Isso deixa claro que o entendimento da agência sobre o que diz a portaria 276 estava incorreto. Não é possível saber se alguém dentro da ANP viu o grave erro ou se foi alguém de fora. Com relação ao CFPP, erro que compromete as usinas, a agência decidiu informar que houve uma alteração na resposta. No entanto, a agência deixa de informar o que foi alterado, evitando que os usuários do site da ANP conheçam, mais uma vez, o erro. Nos outros leilões era comum vermos mudanças quem vinham acompanhadas de “onde se lê” e “leia-se”. A prática parece ter sido abandonada.
Estamos falando de um leilão público que movimentará mais de um bilhão de reais. O que está em jogo aqui é a credibilidade de uma instituição e não de pessoas. Quando avisos de erros pequenos são alterados sem deixar rastro, abre-se uma prerrogativa perigosa para que se faça o mesmo com problemas maiores. E é essa possiblidade que realmente preocupa.
Descumprindo portaria do MME
Se já não bastassem as mudanças nas regras sem registros, a ANP resolveu, nesta sexta-feira (01/06), colocar uma alteração no edital que descumpre a Portaria 276 do MME que estabeleceu o novo modelo de leilão. Medida beneficia ADM, Amazonbio, Bionasa, Biopetro e JBS.Um dos pontos mais elogiados desta portaria do MME, foi a habilitação prévia. Com ela as usinas que não tivessem todos os requisitos para participar do leilão, sequer poderiam dar suas ofertas. A medida visa evitar pressão artificial sobre os preços das usinas concorrentes na etapa 1, situação que já aconteceu em leilão passado. Exatamente esta habilitação prévia que a ANP extinguiu no último dia útil antes do leilão.
Em cima da hora, o novo edital, publicado na sexta (01.06), alterou o item 6.2.1, permitindo que as usinas com pendências na habilitação prévia só apresentassem os documentos depois de terminada a rodada 2 da etapa 1. O problema é que as usinas fazem suas ofertas na rodada 1 e 2, e as unidades com pendências somente entregarão os documentos faltantes depois dessas rodadas. Ou seja, o leilão corre o risco de ter usinas inabilitadas participando e dando lances, exatamente o que a portaria explicitamente queria evitar.
A determinação do MME é bem clara quanto a habilitação prévia:
Art. 7º. A classificação das ofertas, apresentadas pelos fornecedores na Etapa 1, observará as seguintes diretrizes específicas:
I - cada fornecedor interessado em participar do Leilão deverá comprovar perante a ANP, previamente, que atende aos critérios de habilitação;
O texto não deixa dúvidas de que as usinas que não comprovarem que atendem todos os critérios de habilitação não poderão participar do leilão. Mas a ANP parece ter ignorado, ou não entendido, a regra. Interpretando o que diz o inciso I do artigo 7º, vemos que o texto fala que o “interessado em participar” tem que comprovar a sua situação previamente. Dessa forma, a habilitação não pode ser feita depois que o interessado já se tornou um participante e já apresentou suas ofertas em duas rodadas. O descumprimento da portaria parece só não ser claro para a ANP.
Com essa alteração no edital, as usinas ADM, Amazonbio, Bionasa, Biopetro e JBS irão participar do leilão sem estarem habilitadas. Isso não significa que elas não serão habilitadas posteriormente, mas apenas que elas não terão essa habilitação antes de participar do leilão, como manda a portaria do MME.
Esse descumprimento por parte da ANP, além de poder causar uma pressão maior sobre o preço das usinas, pode abrir uma brecha legal para que o leilão seja questionado judicialmente. E essa possibilidade não é remota, pois quem esteve presente na apresentação do novo leilão no MME, ouviu de um produtor de biodiesel uma “ameaça” de que ainda não havia entrado na justiça contra os leilões.
Para não correr esse risco, é melhor que a agência converse com os produtores ainda não habilitados, antes de iniciar a rodada, e peça para que eles apresentem a documentação. E a agência deverá torcer para eles aceitem este pedido.
Miguel Angelo Vedana - BiodieselBR.com
Atualização: A segunda parte do texto acima foi adicionada nesta segunda-feira (04/06 - 00h30m) e reproduzida na notícia "ANP descumpre portaria do MME para o novo leilão"