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Liv Soares Severino

Reflexões sobre o pinhão manso


Liv Soares Severino - 01 mar 2007 - 19:20 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

A publicação de um alerta sobre o plantio do pinhão manso por pesquisadores da Embrapa e Epamig, entre os quais me incluo, deu origem a um debate sobre essa planta e sua participação no Programa Brasileiro de Biodiesel. Algumas pessoas concordam com a iniciativa, outras pessoas criticam a posição dos técnicos, mas independente das diferentes opiniões, o momento é propício para refletir sobre o assunto.

Eu tento compreender o que está ocorrendo em torno do pinhão manso, comparando esse fenômeno com a esperança presente no íntimo que cada ser humano com surgimento de algo que trará o fim dos problemas. Foi esse desejo que levou o homem à busca pela pedra filosofal (que transformaria qualquer metal em ouro) e o elixir da longa vida (que nos libertaria da morte); nos faz acreditar em alguém como Salvador da Pátria; na panacéia etc.

A agricultura, mais que outras áreas, é terreno fértil para o surgimento desse fenômeno, talvez por ser uma atividade muito dura e arriscada na qual o êxito muitas vezes depende mais do clima e do mercado que de sua capacidade de trabalho. Quem acompanha de perto o setor agrícola deve facilmente se lembrar de numerosas ondas de promoção de determinada planta ou animal com os quais se prometiam grandes lucros, facilidades, mercado atrativo, oportunidade única etc. Inevitavelmente, algum tempo depois se percebe que a realidade não era exatamente o que estava se propagando, mas nessa hora já é tarde para evitar que os agricultores colham apenas prejuízos e decepção.

A mamona pode ser utilizada como um exemplo recente deste fenômeno. Embora eu continue acreditando que essa cultura tem potencial para produzir óleo em grande escala, a mamona foi intensamente promovida como se fosse uma planta mágica, a salvação do semi-árido, o fim da miséria no Nordeste etc, o que era uma expectativa irreal. O otimismo exagerado não deu espaço para a informação de que a mamona, tem grande tolerância à seca, sim, mas isso não significa que não precise de água para produzir, e mais que isso, também necessita, como qualquer outra planta, de solo adequado, de nutrientes e de clima favorável e de que também pode ser atacada por pragas e doenças. Em seguida ao entusiasmo, veio uma grande decepção, na mesma proporção, não por demérito da planta, mas por ter sido construída uma expectativa descolada da realidade.

O temor dos pesquisadores que assinam o manifesto, é que o mesmo fenômeno esteja se repetindo com o pinhão manso, agora em proporções ainda maiores. Os sinais são os mesmos; divulga-se a Jatropha curcas como uma planta imune a qualquer praga ou doença, que produz uma enormidade de óleo, que tem um custo de produção desprezível, que tem todas suas partes aproveitáveis, que permanece produzindo por um século e muitas outras vantagens. A expectativa com o pinhão manso está ocupando justamente o espaço deixado pela decepção com a mamona!

Um pesquisador, por respeito ao rigor científico, só deve afirmar algo com segurança  quando isso for resultado de um experimento em que princípios básicos foram respeitados. Por essa razão, ainda não se pode ter uma opinião conclusiva sobre o pinhão manso porque esses resultados ainda demorarão anos, talvez décadas para serem definitivos. No entanto, pela observação que temos feitos em diversas lavouras de pinhão manso no Brasil e em outros países, temos indícios suficientes para suspeitar das informações amplamente propaladas e lançar este alerta aos produtores.

Lendo os Anais de uma conferência ocorrida na Índia no ano passado (Biodiesel Conference Toward Energy Independence - Focus on Jatropha), percebe-se que a divulgação sobre o pinhão manso naquele país é absolutamente igual à que se faz no Brasil (os textos indianos e brasileiros parecem uma tradução literal). No entanto, encontra-se no meio de numerosos entusiasmados  uma minoria que alerta que os resultados extraídos dos primeiros experimentos a campo (a Índia está bem mais avançada que o Brasil neste ponto), conduzidos em diversos pontos do país, indicam que a produtividade dificilmente ultrapassará 1.000 kg/ha, muito distante dos 8 a 12 mil kg/ha que por lá também se divulga.

Muitos agricultores afirmam que não querem ficar esperando por cinco a dez anos para que a pesquisa possa afirmar que o pinhão manso é realmente uma ótima opção e que desenvolva tecnologia para seu cultivo, decidindo então iniciar o plantio imediatamente. Isso é tolerável quando se trata de um agricultor que pode arriscar parte de seu capital sem comprometer sua sobrevivência. Mas a preocupação real é com aqueles que não suportariam um eventual prejuízo com este investimento e que estão igualmente sendo induzidos a investir no pinhão manso sem que ninguém lhes alertasse sobre o risco que estão correndo.

Tenta-se justificar o pinhão manso citando que é uma planta nativa no Brasil, que é encontrada vegetando naturalmente no meio do mato, onde não se vê nenhuma praga ou doença e resiste ao frio e à seca. Nada disso é válido quando se trata de um cultivo racional em que milhares de plantas são colocadas numa pequena área e submetidas a condições extremamente diferentes daquelas encontradas em seu ambiente original.

 Enfim, torcemos para que o pinhão manso ocupe um lugar de destaque e estamos juntos trabalhando para que isso ocorra o mais rápido possível. Ao mesmo tempo, sugerimos não se criem expectativas exageradas sobre essa cultura porque isso pode, ao invés de um benefício, trazer grande decepção quando se perceber - mais uma vez - que se tratava somente de uma planta.

Liv Soares Severino, colunista BiodieselBR.com, engenheiro agrônomo pela Universidade Federal do Ceará, mestre em fitotecnia pela Universidade Federal de Viçosa, pesquisador em sistemas de produção na Embrapa

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