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Décio Luiz Gazzoni

Testes de misturas de diesel e biodiesel


Décio Gazzoni - 09 set 2010 - 07:07 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:14

A pressão social por redução de emissões de Gases de Efeito Estufa, entre outros fatores, constitui-se na variável diretriz da incorporação progressiva de fontes de energia renovável nas matrizes energéticas dos diferentes países. O Brasil é um exemplo global, com o programa precursor de mistura etanol/gasolina e de substituição de gasolina por etanol, em larga escala. Na esteira desta conquista foi lançado o programa de produção e uso de biodiesel, tão bem sucedido que as metas foram alcançadas com 3 anos de antecedência.

Entretanto, é preciso contextualizar este processo. Um aspecto importante a considerar é que o uso de biocombustíveis visa preservar a atual estrutura de fabricação e uso de motores, no aguardo de um novo paradigma tecnológico, tipo células de combustível, expansão do uso da eletricidade, biohidrogênio ou outra inovação tecnológica revolucionária. Portanto, os biocombustíveis representam uma evolução e uma transição, em que são preservadas as tecnologias motrizes, migrando os combustíveis para produtos em linha com as demandas da sociedade.

Neste particular, é importante que o biocombustível que se propõe introduzir em substituição a um paradigma consolidado, atenda determinadas especificações, de maneira que o estoque de motores existentes – e os novos que venham a ser colocados no mercado – operem indiferentemente com o combustível anterior ou com misturas do novo combustível. Trata-se de uma tripla garantia: ao consumidor (mantém o padrão de desempenho já conhecido), ao fabricante (não altera a ferramentaria, linha de produção, peças ou garantias e não causa danos à imagem e à marca) e ao sistema produtivo (continuidade do desempenho da frota em relação ao sistema anterior).

As primeiras tentativas de introdução do biodiesel na matriz energética sempre foram precedidas de testes e ensaios para verificar o desempenho global do motor, a sua durabilidade e necessidade de manutenção, em função da mudança da composição do combustível. Como regra geral, a literatura registra que, biodiesel que atende os quesitos de qualidade e as especificações estabelecidas, conduzem a resultados similares àqueles obtidos com o uso de diesel de petróleo – atendidos os mesmos requisitos de qualidade e atendimento às especificações.

Entretanto, este tema é tão sensível e envolve interesses e volumes financeiros de tamanha monta, que não basta revisar a literatura e concluir que, em outros países, diversos grupos de cientistas chegaram às conclusões acima. É necessário replicar e validar estes resultados para as condições locais e demonstrar a sua repetibilidade. No caso do Brasil, havia duas razões adicionais a estas para a realização dos testes: a especificação do biodiesel no Brasil é diferente da européia; na Europa (onde a maioria dos testes foram realizados), o biodiesel é produzido em sua quase totalidade a partir de canola. No Brasil, embora a concentração em óleo de soja e algodão e em sebo bovino, existe um espectro mais amplo de matérias primas. Uma derivada desta última razão é a legislação brasileira que prevê incentivos ao uso dos óleos de mamona e de dendê, o que necessitava ser considerado.

Brasil
Entre as diferentes iniciativas deflagradas com a Lei 11097/05, inclui-se a criação da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel (RBTB). Entre outras iniciativas meritórias, a RBTB conduziu um programa de Testes e Ensaios em Motores e Veículos, iniciado em 2004. O Programa foi coordenado pelo MCT, com a participação do MME, MDIC e da ANP e executado por uma rede de atores públicos e privados. A Comissão Técnica, coordenada pelo MCT, reuniu representantes da Anfavea, Sindipeças, Tecpar, IPT, Petrobrás/Cenpes, MME, MDIC, IBAMA e ANP, sendo sua responsabilidade o planejamento, monitoramento e avaliação dos resultados de todos os testes e ensaios .

O Programa objetivou a realização de testes e ensaios em motores para a validação do uso da mistura B5, em conjunto com os fabricantes de veículos e peças, com vistas a assegurar ao consumidor final a manutenção da garantia de veículos e equipamentos, conforme dispunha a meta final da legislação brasileira. Entretanto, a avaliação do uso de outros percentuais (Ex.: B10, B20, B50... B100) é importante também para o uso em frotas cativas e para subsidiar decisões referentes à ampliação do uso do biodiesel no país.

Durante o III Congresso da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel, realizado em novembro de 2009, foram apresentados os resultados finais e as conclusões dos 5 anos de trabalho, que envolveu centenas de professores, pesquisadores e engenheiros de 31 instituições públicas e privadas (fabricantes de veículos e de partes e peças, órgãos ambientais, universidades, institutos de pesquisas, produtores de biodiesel, laboratórios, distribuidoras de combustível, frotistas, concessionários, mecânicos e motoristas). Além de ser um trabalho de fôlego, exaustivo, seus resultados demonstraram a excelência e a qualidade dos ensaios e testes e a criteriosa observação de preceitos científicos, o que qualifica o estudo como um case de relevância mundial, fundamentando e consolidando premissas estabelecidas para o programa brasileiro de biodiesel.

Conclusões
Os resultados foram apresentados na forma de um livro com 175 páginas, onde são relatados, em pormenores a metodologia, as condições e os resultados dos testes efetuados, abrigando uma diversidade de motores, de ambiente e de procedência do biodiesel. Recomendamos entusiasticamente a leitura integral do documento1 a todos os interessados. Neste artigo, por restrição de espaço, nos cingiremos às conclusões do trabalho.

1.    Qualidade dos combustíveis:
a.    Pontualmente foram observadas ocorrências de não conformidade do produto B100 em relação às resoluções da ANP 42/04 e 07/08, destacando-se o teor de água e a estabilidade à oxidação do biodiesel derivado de óleo de soja. O biodiesel de óleo de mamona apresentou casos de alta viscosidade. Entretanto, os problemas verificados não foram considerados críticos e não houve necessidade de intervenção. Ressalte-se que todos os lotes de biodiesel (soja ou mamona) e diesel (metropolitano ou interior), utilizados nos testes, atenderam as especificações ANP 310/01 e 15/05;
b.    A equipe do estudo chama a atenção para a importância do item contaminação total (ANP 07/08) como importante parâmetro para garantir a ausência de compostos que possam causar entupimento de filtros de combustível;
c.    Ao final dos testes, a qualidade do óleo lubrificante dos motores operando com misturas diesel/biodiesel manteve-se com características físico-químicas semelhantes ao do óleo lubrificante dos motores que operaram com óleo diesel, mantendo-se dentro das especificações dos fabricantes;
d.    Em decorrência do observado em (b), foram mantidos os intervalos de trocas de óleo prescritos pelos fabricantes.

2. Desempenho dos motores e veículos
a.    As curvas de torque e de potência dos motores que utilizaram as misturas B5 ficaram dentro dos limites especificados pelos fabricantes. As eventuais diferenças observadas situaram-se dentro da faixa de variação do projeto dos motores;
b.    O consumo de combustível dos motores operando com B5 foi ligeiramente superior ao de óleo diesel, em virtude do seu menor conteúdo energético e das características de combustão;
c.    Os testes com dinamômetro e em campo não apontaram falhas relacionadas ao uso de B5, donde se conclui que não há restrição quanto ao uso dessa mistura em motores novos ou usados e independentemente do fabricante;
d.    A dirigibilidade e o desempenho percebido pelos condutores foram considerados normais em todos os testes, não tendo sido notada qualquer diferença mencionada pelos condutores.

3. Efeito em motores, seus sistemas e componentes
a.    Os componentes dos motores apresentaram-se em bom estado, no final dos testes, sem formação de borra, carvão e verniz;
b.    Os elastômeros presentes nos motores e seus sistemas tiveram comportamento normal, sem ressecamento ou deformação com o uso de misturas B5;
c.    As análises dos componentes móveis internos dos motores indicam que o nível de desgaste foi aceitável pela quilometragem percorrida pelos motores. Observou-se um pequeno desgaste das faces dos anéis e dos cilindros dos motores que usaram B5, porém a diferença observada para os motores que usaram diesel é muito pequena e não houve risco de falha dos componentes;
d.    Os sistemas de injeção de combustível dos motores que operaram com B5 não apresentaram diferenças nas avaliações funcionais e de durabilidade, não sendo verificado ataque químico sobre os componentes do sistema;
e.    O sistema de filtragem de combustível apresentou a mesma eficiência e desempenho com B5 ou diesel puro, não sendo evidenciada a presença de borras no elemento filtrante, ou alterações na sua estrutura, mesmo operando com pressão mais elevada, observada com B5 de mamona, comparativamente a B5 de soja ou diesel.

4. Emissão de poluentes
a.    Para as misturas B5, em bancada dinamométrica, os resultados médios indicaram redução de emissão de CO (7%), HC (5%), MP (10%) e acréscimo de 4% no NOx;
b.    As emissões de NOx, CO e HC mantiveram-se dentro dos limites especificados para cada tipo de motor, com todos os combustíveis testados, no início e final dos testes;
c.    O índice de opacidade situou-se dentro dos limites homologados na certificação dos motores;
d.    Não foi observada diferença significativa nas emissões, em bancada dinamométrica, por motores operando com biodiesel metílico ou etílico;
e.    Para misturas acima de 5%, os testes de emissões operados com biodiesel de soja e mamona, de acordo com o ensaio em bancada dinamométrica, mostraram uma tendência de aumento nas emissões específicas de NOx e redução das emissões de CO, HC e MP, em relação ao óleo diesel.

Resumindo as conclusões do estudo, verifica-se que o mesmo corrobora resultados anteriormente citados na literatura, obtidos sob condições de ensaio semelhantes ou diferentes das utilizadas no presente estudo e demonstra a factibilidade do uso da mistura B5 nas condições brasileiras.

Décio Luiz Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, assessor da SAE/Presidência da República.

1 Duarte Filho, Adriano; Silva Menezes, Rafael; Bernardin, Edilson (coordenadores). - Testes e ensaios para validação do uso da mistura biodiesel B5 em motores e veículos.  Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel. Programa de Testes e Ensaios em Motores com Biodiesel. Ministério da Ciência e Tecnologia, Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação. Brasília, 2009. 175 p. Download disponível em http://discovirtual.uol.com.br/disco_virtual/dlgazzoni/Biodiesel, senha biodiesel

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