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Décio Luiz Gazzoni

A multifacetada sustentabilidade dos biocombustíveis


Décio Gazzoni - 12 ago 2009 - 08:54 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:09

As políticas públicas têm desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento do mercado de biocombustíveis, através de combinações de subsídios e mandatos, tendo como motes a segurança energética, o desenvolvimento rural e o apoio à agricultura. Apesar desta variedade de motivações, os países têm impulsionado os biocombustíveis apenas na medida em que proporcionam reduções palpáveis na emissão de gases de efeito estufa, obtendo benefícios ambientais e sociais. Entretanto, nos foros de discussão, os critérios para a expansão do uso de biocombustíveis incluem aspectos tão díspares como o resguardo da biodiversidade e os direitos dos povos indígenas, conforme as discussões que acompanhamos mundo afora.

Nos países emergentes, o desenvolvimento econômico e a segurança energética exercem um papel proeminente, sem descurar dos aspectos ambientais, em especial a redução nas emissões de gases de efeito estufa. Lembremo-nos que, ainda recentemente, uma questão fundamental levantada foi a competição por área agrícola, que poderia ser destinada para produção de outros produtos agrícolas ou para finalidades ambientais. Esta discussão está morna, porém não se encerrou.

Quaisquer que sejam as outras, obviamente, a principal limitação para produção de biocombustíveis é a disponibilidade de matéria-prima, em especial a conjunção entre oferta de solos, água e clima para sua produção. Por exemplo, a Jatropha é tida como uma matéria-prima que pode resistir à seca, mas os rendimentos de óleo têm sido baixos em áreas de menor pluviosidade. Para cada matéria-prima, existem necessidades específicas de solos, de água e de temperatura. Uma das melhores oportunidades para produção de biocombustíveis é a utilização mais intensa do potencial de culturas perenes, com adaptação a restrições climáticas e aos solos degradados, de pouco valor para a produção de alimentos ou floresta. Com isso fica possível reduzir o espaço de sobreposição entre a produção de alimentos e de energia.

Com a aproximação da reunião de Copenhagen, prevista para dezembro, acirra-se a discussão sobre critérios ambientais e sociais aceitáveis para a produção de biocombustíveis, pois este é um dos principais teatros para discussão de estratégias de mitigação dos impactos ambientais das Mudanças Climáticas. Procurei pinçar algumas das discussões de que tenho participado, para trazê-las para o nosso fórum no BiodieselBR.

Efeitos diretos e indiretos da utilização dos solos

Os biocombustíveis representam uma demanda adicional de terras que se junta à tradicional demanda da agricultura e da silvicultura. Até aí, todos concordamos. Ocorre que, em face da escassez de área na imensa maioria dos países do mundo, questiona-se a utilização das terras para produção de biocombustíveis. Uma das alegações é a expansão da agricultura em áreas de savanas, que já seriam, de qualquer forma, duramente pressionadas para atender às demandas tradicionais.

Um detalhe interessante da discussão, nos meios acadêmicos, é que, se as savanas forem usadas para produzir energia para uso doméstico – e com alta eficiência energética – o fato é moralmente aceitável. No entanto, condena-se a produção de biocombustíveis para exportação, o que é, no mínimo,  um argumento “perneta”. Dever-se-ia, sim, buscar a vocação de cada região e de cada área, e não ficar no argumento parcial do conflito – agora doméstico – entre produção de alimentos e de energia. No Brasil, o Ministério da Agricultura pugna para que, dentro de critérios ambientais socialmente aceitos, as áreas de cerrado sejam consideradas como de expansão da agricultura, independente do uso proposto dos produtos agrícolas.

Gases de efeito de estufa

A expectativa ou exigência legal de que os biocombustíveis reduzam as emissões de gases de efeito estufa tem desempenhado um papel importante nas políticas governamentais. Existe uma verdadeira corrida para elaboração de análises de ciclo de vida, comparando diferentes biocombustíveis à gasolina e ao diesel, o que têm mantido acesa a discussão sobre essa expectativa. Com frequencia, estas análises buscam avaliar resíduos e produtos residuais para produção de biocombustíveis, pois trata-se de biomassa que não requer a expansão de área agrícola para sua obtenção.

As análises de ciclo de vida de biocombustíveis demonstram que as emissões provenientes da produção de biocombustível e de seu consumo em um veículo tendem a ser maiores para os biocombustíveis à base de vegetais do que os produzidos a partir de resíduos. É necessário entender um detalhe desta questão: no conjunto, as emissões tendem a ser muito parecidas; entretanto, como os resíduos emitiriam os mesmos gases em sua decomposição natural, e não teriam outro uso econômico, o cômputo leva este pormenor em consideração, o que significa uma diferença razoável no balanço final.

De toda a maneira, em qualquer caso, as análises mostram que os biocombustíveis diminuem as emissões globais porque se atribui um crédito para o carbono retirado da atmosfera pelas plantas, posteriormente à queima do biocombustível nos motores. Ou seja, a grande diferença é o ciclo fechado de carbono dos biocombustíveis. Acontece que, nas análises também se leva em consideração o uso alternativo das terras. Neste caso, a absorção de carbono também ocorreria na produção de outros produtos agropecuários, não exclusivamente pela obtenção de biocombustíveis.

Este detalhe passa a ser muito importante, quando nos aproximamos da reunião de Copenhagen - pois, desta vez, os países estão muito mais propensos a considerar o seqüestro e a fixação de carbono nas florestas - que nas reuniões de Kyoto, cujo foco acabou sendo a energia. Portanto, existe um risco no horizonte, a partir deste tipo de análise, que pode levar á fragilização do apoio para os programas de redução de emissões baseados em biocombustíveis.

Uma derivada desta análise será recorrente, pois volta-se ao capítulo anterior do impacto direto e indireto do uso da terra. Ou seja, mesmo que a matéria prima para biocombustíveis seja produzida sem a derrubada de florestas, porém, se deslocar outras culturas e criações e obrigar a que isto ocorra de forma indireta, a conta será pendurada nos biocombustíveis.

Outro argumento marginal, porém esgrimido com freqüência, é o maior uso de insumos como fertilizantes e agrotóxicos, para aumentar a produção de alimentos quando diminui a área disponível (tomada pela agricultura de energia), para manter a oferta compatível com a demanda. Também é levantado o argumento de uso de várzeas ou irrigação, aumentando o consumo de energia. Isto implicaria, novamente, em maiores emissões, fechando o ciclo com a discussão sobre o uso de resíduos para produzir biocombustíveis.

Precisamos nos preparar para esta discussão com argumentos fundamentados.

Biodiversidade

Além das áreas muito férteis do Hemisfério Norte (Meio Oeste americano, Rússia, Ucrânia), duas grandes áreas de expansão potencial na América do Sul e na África são ocupadas por savanas (cerrados no Brasil e Miombo na África Austral). Estas áreas, originalmente, apresentam níveis médios de biomassa nativa, mas têm um alto valor da biodiversidade.

Mudança de habitat e degradação são associadas com alteração ou modificação do solo pelas atividades humanas, sendo a principal causa de perda da biodiversidade mundial. Proteger a biodiversidade exige também considerar outras alterações que ameacem os ecossistemas. Este raciocínio conduz ao aumento da importância de conservação de áreas que não estão, atualmente, ameaçadas. Muitas áreas sensíveis ao desmatamento não são protegidas, e muitos áreas protegidas podem tornar-se vulneráveis, pela mudança de habitat

Há outros fatores. A acumulação cada vez maior de nitrogênio atmosférico vem sendo considerado um importante fator para a perda de espécies vegetais de ecossistemas terrestres temperados. Já os efeitos da deposição de N em sistemas agrícolas tropicais (originalmente cobertos florestas e savanas), são menos estudados, mas os dados disponíveis indicam que este fenômeno também diminui riqueza em espécies.

A invasão de ecossistemas naturais por plantas exóticas, vem sendo analisado para aquilatar sua importância na mudança ambiental global e, paralelamente, seu impacto para a biodiversidade. A combinação de perdas crescentes de habitat e as alterações climáticas, é especialmente preocupante. Os cientistas buscam estabelecer o nexo de alterações climáticas antropogênicas, que podem resultar em grande perda de biodiversidade em todo o mundo, com dramáticas alterações na distribuição e extinção de espécies, principalmente em ecossistemas frágeis e fragmentadas. Entenda-se todo este contexto como um libelo contra a agricultura como um todo, porém, sem dúvida, as baterias estarão particularmente assestadas na produção de biocombustíveis.

Fatores sócio-econômicos

Quando se busca assegurar benefícios socioeconômicos, provoca-se uma série de perguntas adicionais à respeito do uso da terra. Enquanto em algumas regiões do Hemisfério Sul, vastas extensões de terra podem ser vistas como uma fronteira aberta, na maior parte do mundo desenvolvido, há uma longa história de ocupação de terras, praticamente esgotando a fronteira agrícola.

O tema é de apenas aparente simplicidade, pois a questão é mais complexa. Mesmo em regiões com uma baixa densidade populacional, como a de pastagens naturais em África, o acesso à terra, é regulado por instituições locais, inclusive tribais. Nestes locais, não importa se propriedade privada ou comunal, a terra que parece não ser utilizada não é necessariamente disponível para expandir a fronteira agrícola. Neste caso, temos que considerar fatores culturais e históricos. Um argumento que para nós aparenta ser ridículo, tem muito valor nestes locais. Por exemplo, a baixa produtividade de pastagens naturais na África, desempenha um papel crucial para o sustento dos pastores pois, embora levando ao nomadismo, garantem o seu sustento e de suas famílias.

A viabilidade da produção de biocombustíveis em larga escala também depende da presença de infra-estrutura básica (estradas, armazenamento, acesso aos portos para exportação), a disponibilidade de uma força de trabalho qualificada, a prestação de serviços (muitas vezes associados a centros urbanos), e um sistema de governança que favorece os investimentos privados. A falta de estabilidade política, que ainda é um atributo de vários países do Sub-Saara Africano, não é propício para investimentos agrícolas de larga escala.

Em alguns países, o sistema legal impede a aquisição de terras por parte de empresas estrangeiras. Em outros países, diferentes grupos peleiam para definir a real propriedade da terra, o que cria um clima de incerteza que é desfavorável para investimentos agrícolas. Pelo esgotamento da fronteira agrícola dos países ricos, as áreas adequadas para a produção de biocombustíveis deverão estar localizadas longe dos principais centros de consumo de energia, exigindo, assim, transporte de longa distância com todos os seus custos econômicos e ambientais associados. Seguramente, isto também entrará na discussão em Copenhagen, pois o cumprimento de metas ambiciosas de substituição de combustível fóssil dependerá de um mercado internacional de biocombustíveis muito forte.

Entretanto, há que se potencializar o aspecto positivo, pois o desenvolvimento do setor produtivo de biocombustíveis terá um efeito multiplicador em outros setores da economia, desde o mercado de insumos, serviços terceirizados, máquinas até o transporte, a transformação, o fornecimento de energia e de outros serviços, como crédito, seguros, etc.

O investimento em biocombustíveis irá criar uma rede de transportes, aumentará a renda do trabalhador rural e de serviços, e pode levar a economias de escala que beneficiem outras atividades agrícolas e não agrícolas do setor rural. E, portanto, poderia ser um catalisador para o desenvolvimento rural, o que pode contrarrestar muitos dos argumentos expostos acima.

Em resumo, minha opinião é que Copenhagen será uma arena onde vários argumentos – com diferentes densidades – serão esgrimidas, tendo como pano de fundo o interesse particular de cada país quando, na realidade, a reunião deveria focar no interesse global – reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, em decorrência, os impactos das Mudanças Climáticas. Neste caso, os defensores de bicombustíveis de alta eficiência energética e elevada sustentabilidade, estarão do lado do bem. Esta deve ser, sem rodeios, a posição brasileira.

Décio Luiz Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, assessor da SAE/Presidência da República
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