Energia sustentável para todos
A Assembléia Geral da ONU declarou 2012 como o Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos, que visa mobilizar a sociedade global em torno de três objetivos interligados, a serem alcançados até 2030:
a. garantir acesso universal a serviços energéticos modernos;
b. duplicar a taxa de melhoria da eficiência energética; e
c.   duplicar a participação da energias renovável na matriz energética global.
Uma iniciativa dessa ordem é de sumo interesse para a cadeia produtiva do biodiesel, tanto pelo incentivo ao uso interno do produto, quanto pelas possibilidades que podem surgir no mercado internacional. Porém, a iniciativa ocorre no bojo de movimentos firmes, tanto no aspecto mercadológico – por exemplo, o crescente interesse por biocombustíveis aéreos – quanto tecnológicos – implantação de indústrias de biocombustíveis avançados, como etanol celulósico ou etanol e biodiesel de algas.
O setor precisa estar permanentemente atento a essas mudanças, ampliando sua agenda de atuação, para não perder excelentes oportunidades que estão surgindo. Dialogar com o Governo para que o Brasil apoie entusiasticamente a proposta da ONU é uma das iniciativas meritórias. O incentivo à pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis avançados, em especial aqueles obtidos usando algas como matéria prima, ou valendo-se de microrganismos modificados para produzir sucedâneos a partir de cana-de-açúcar ou outras fontes de biomassa, são prioritários para que o Brasil não perca o trem da História.
Debate na RIO +20
Durante a RIO+20, foi organizada, no âmbito do Fórum de Sustentabilidade Empresarial, uma discussão sobre este tema. A sessão reuniu especialistas dos setores público e privado, e o foco da discussão estava assestado no que é necessário para duplicar o market share da energia renovável, atualmente situado em 17% da energia consumida globalmente, conforme o Global Status Report (GSR) de 2012.
O painel concluiu sobre a viabilidade da duplicação da quota de energias renováveis na matriz energética, até 2030, ao mesmo tempo em que é possível aumentar a eficiência energética e garantir o acesso à energia para todos. No entanto, também houve consenso de que o atingimento da meta dependerá, em grande parte, de ações positivas do Governo de cada país.
Mais que isso, os participantes do painel entenderam que o atingimento do objetivo não só contribui para a segurança energética, proteção ambiental e inclusão social, como dinamizará a economia e irá criar prosperidade econômica – auxiliando na reversão da atual crise. Em 2011, US$ 257 bilhões foram investidos em energia renovável no mundo. Este valor é seis vezes maior que o investimento efetuado em 2004 e 94% superior ao investimento em energia renovável em 2007. Em 2011, o setor das energias renováveis empregou mais de 5 milhões de pessoas, em todo o mundo, auxiliando na manutenção de um colchão para atenuar os efeitos da crise.
Energia renovável no mundo
Paulatinamente, os Governos estão implementando ações de apoio à produção e uso de energia renovável. Em 2011, mais de 118 países haviam exarado políticas públicas e metas de energias renováveis, sendo mais da metade representada por países em desenvolvimento. No bojo da crise que assola o mundo, dois exemplos antagônicos podem ser destacados. Na Espanha, houve o corte retroativo de tarifas feed-in, em 2011, o que é um retrocesso. Por outro lado, desde que a China colocou em prática sua Lei de Energia Renovável (2005), o país tornou-se o líder global em investimento em energia renovável (US$52 bilhões, em 2011) tendo criado algumas das principais empresas de energia renovável do mundo.
Fontes renováveis de energia precisam de igualdade de condições para competir com os combustíveis convencionais. De acordo com o painel realizado na RIO+20, um passo nessa direção seria a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis que distorcem os mercados de energia. Conforme a Agência Internacional de Energia, atualmente cerca de US$630 bilhões são gastos, anualmente, em subsídios aos combustíveis fósseis, comparativamente a US$65 bilhões para suporte à energia renovável. A proposta concreta é a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis, e a inclusão das externalidades negativas (como as altas emissões de gases de efeito estufa no ciclo de vida) no preço pago pelo consumidor. Igualmente, foram criticados os países que, como o Brasil, não atualizam os preços dos combustíveis fósseis no varejo, que deveria ocorrer devido à alteração do patamar de preços internacionais da matéria prima (petróleo ou gás).
Os números de 2011
Em 2011, as fontes fósseis de energia mantiveram seu protagonismo, com participação superior a 80% na oferta final de energia. As fontes renováveis responderam por 16,7%, sendo 8,5% de fontes tradicionais, especialmente lenha. Do total da energia consumida, os biocombustíveis responderam por 0,7% (Tabela 1).
Tabela 1. Porcentagem de participação das fontes no consumo global de energia
De acordo com o Global Status Report, elaborado pelo REN21, em 2011 houve investimentos globais de US$257 bilhões em energia renovável (Tabela 2).
Tabela 2. Principais aspectos relativos à Energia Renovável (ER) em 2011, comparativamente a 2009 e 2010
O segmento de biocombustíveis cresceu 18,3% entre 2009 e 2011. Entretanto, o comportamento foi diferente para etanol, que cresceu 18,4% em 2010 e encolheu 0,4% em 2011, ao passo que o biodiesel cresceu menos em 2009 (3,9%) que em 2011 (15,7%). A produção de biocombustíveis cresceu 50% do incremento verificado para os investimentos globais na produção de energia renovável. O destaque do período é o vertiginoso aumento de 200% na produção de energia elétrica fotovoltaica, com crescimento anual de 75% sobre o ano anterior.
Os países que mais investiram na ampliação da capacidade de produção de energia renovável, em 2011, foram China, EUA, Alemanha, Itália e Índia, pela ordem do volume total de investimentos (Tabela 3). No caso da China, a primeira colocação se deve à liderança absoluta na expansão da geração hidroelétrica e eólica e no aquecimento solar, além da terceira colocação na geração fotovoltaica e na produção de etanol.
O Brasil apenas se destacou como terceiro colocado na ampliação da geração hidroelétrica, segundo no aumento da capacidade de produção de bioetanol e quarto em biodiesel. O país que mais investiu na ampliação da capacidade instalada de biodiesel foi os EUA, seguido por Alemanha, Argentina, Brasil e França.
Em termos de capacidade total instalada de geração de energia a partir de fontes renováveis, a China assumiu a liderança em 2011, seguida pelos EUA, Brasil, Canadá e Alemanha (Tabela 3). O peso relativo da energia hidroelétrica é muito alto, razão pela qual os institutos especializados agregam os dados com e sem o cômputo desta fonte, de maneira a destacar os avanços nas fontes de desenvolvimento mais recente. Neste caso, o Brasil é alijado do grupo de cinco países com maior capacidade instalada, sendo substituído pela Itália.
Tabela 3. Maiores capacidades instaladas no final de 2011, por fonte de energia renovável.
Quando a população do país é considerada, estabelecendo-se um quociente de geração per capta de energia renovável, o destaque é a Alemanha, com um portfólio diversificado, e a Espanha, com grandes investimentos em geração de energia eólica e fotovoltaica. Seguem, por ordem, a Itália, os EUA e o Japão (Tabela 4).
Tabela 4. Países que mais aumentaram o investimento e a capacidade instalada em Energia Renovável, em 2011
A geração de grandes quantidades de eletricidade a partir de geração eólica e fotovoltaica é um fenômeno recente, em especial dos últimos cinco anos. O grande desenvolvimento tecnológico conduziu ao aumento do investimento em alguns grandes países. Com isto, criou-se uma escala industrial para os equipamentos de geração, barateando seu custo, que passou a ser competitivo com a geração hidroelétrica.
Os países que, em 2011, possuíam a maior capacidade instalada de energia eólica eram China, EUA, Alemanha, Espanha e Índia (Tabela 4). As maiores capacidades instaladas de geração fotovoltaica, em 2011, estavam localizadas na Alemanha, Itália, Japão, Espanha e EUA.
Examinando os valores agregados expostos na Tabela 5, verifica-se que o maior impulso de expansão da capacidade instalada mundial ocorreu com energia fotovoltaica, seguida por energia solar concentrada. Entre 2006 e 2011, a indústria do biodiesel expandiu-se, no âmbito mundial, a taxas médias de 27%. A capacidade instalada de etanol retraiu-se em 2011, constituindo-se em fenômeno inédito nos últimos anos.
Tabela 5. Taxas médias de crescimento global da capacidade instalada no ano de 2011 e média anual entre 2006 e 2011
Empregos
A energia renovável é sempre reconhecida pelos seus impactos ambientais favoráveis. Pouco é comentado sobre sua capacidade de gerar empregos e pequenos negócios. Por sua desconcentração e geração distribuída, o número de empregos por unidade de energia gerada é reconhecidamente superior àquelas verificadas nas cadeias de energia fóssil. Estima-se que cinco milhões de empregos foram ocupados nas diferentes cadeias de energia renovável, em todo o mundo, em 2011, conforme mostrado na Tabela 6.
Tabela 6. Empregos na indústria de energia renovável, em escala global
Etanol
A produção mundial de etanol combustível decresceu ligeiramente em 2011, pela primeira vez desde 2000, atingindo estimados 86,1 bilhões de litros. Mais de 90% da produção mundial de etanol concentra-se nos Estados Unidos e no Brasil, os quais, em 2011, foram responsáveis por 63% e 24% da produção mundial de etanol, respectivamente, em comparação com 60% e 30% em 2010.
Apesar da redução da produção global, a produção de etanol de milho nos Estados Unidos atingiu um novo recorde, superando 54 bilhões de litros. Este país, que foi um importador líquido de biocombustíveis até 2010, viu suas exportações triplicarem entre 2010 e 2011, quando vendeu ao exterior 4,5 bilhões de litros. Os Estados Unidos aumentaram sua participação no mercado internacional em detrimento da posição do Brasil, que foi líder da exportação mundial de etanol, por muitos anos. Ironicamente, cerca de um terço das exportações norte-americanas fluiu para o Brasil, devido à queda de 18% na produção de etanol entre 2010 e 2011 (de 25,5 para 21 bilhões de litros), apesar do aumento crescente da demanda.
O declínio dos investimentos em novas plantas, equipamentos e plantações de cana, que permanece desde a crise de 2008, combinado com más colheitas de cana devido à condições climáticas desfavoráveis, emoldurado pelos preços elevados de açúcar no mundo, são as explicações para a perda de ímpeto da produção de etanol combustível no Brasil.
A China firmou-se como terceiro maior produtor mundial de etanol em 2011, com 2,1 bilhões de litros. Em seguida situam-se o Canadá (1,8 bilhões de litros), França (1,1 bilhões), e Alemanha (0,8 bilhões). A África pouco representa na produção mundial, mas aumentou levemente sua produção em 2011, em comparação com 2010.
Biodiesel
Em contraste com o etanol, a produção mundial de biodiesel continuou a se expandir, aumentando em quase 16% em 2011, atingindo 21,4 bilhões de litros, em comparação com 18,5 bilhões de litros em 2010. Os Estados Unidos tiveram um ano recorde, com aumento de 159% na produção de biodiesel, chegando a 3,2 bilhões de litros. Como resultado, os EUA ultrapassaram os líderes de 2010 (Alemanha, Brasil, Argentina e França), para se tornar o maior produtor do mundo. O aumento dramático na produção de biodiesel nos Estados Unidos foi devido a um mandato governamental, emitido em meados de 2010, gerando uma demanda total de 3,1 bilhões de litros de biodiesel.
A UE continua a ser o maior produtor regional de biodiesel, mas a sua produção total diminuiu 6%. Em decorrência, sua participação no total mundial caiu de 53% (2010) para 43% (2011). A Alemanha caiu da primeira para a segunda posição no ranking mundial, apesar de aumentar sua produção em 18%, atingindo 3,2 bilhões de litros de biodiesel, similar à produção americana. Na sequência as maiores produções foram da Argentina (2,8 bilhões de litros), que registrou um aumento de 34% sobre 2010; e do Brasil (2,7 bilhões de litros), um aumento de 12%. Já a produção na França caiu de 1,9 bilhões de litros em2010 para 1,6 bilhões de litros em 2011.
Biogás
A utilização de biometano (biogás purificado) vem ganhando espaço no setor de transportes dos países europeus, onde é injetado na rede de gás natural. No final de 2010, de 70.000 ônibus de transporte público movidos a gás natural em operação na Europa, 9.000 (13%) utilizaram biometano. Em 2011, aproximadamente 39.000 veículos a gás na Suécia estavam operando com misturas de biogás e gás natural (teor médio de 60% de biogás).
Bioquerosene
Companhias aéreas ao redor do mundo têm mostrado interesse crescente em biocombustíveis de aviação, como parte de seu esforço para reduzir os custos de combustível e as emissões de gases de efeito estufa. Em 2011, várias companhias aéreas, incluindo Aeromexico, Finnair, KLM, Lufthansa, Thai Airways, United Airlines e Alaska Airlines começaram a operar voos comerciais usando diferentes proporções de biocombustível no querosene de aviação. Embora a produção comercial de biocombustíveis classificados como avançados tenha sido baixa em 2011, o interesse nesses biocombustíveis está aumentando.
Além do setor aéreo, em dezembro de 2011, a Marinha dos EUA assinou contratos para comprar cerca de 1,7 milhões de litros de biocombustíveis avançados, e planeja substituir 50% de sua demanda de combustíveis fósseis com combustíveis alternativos até 2020, totalizando 2,3 bilhões de litros de biocombustíveis, anualmente.
Dinâmica da produção
A produção de biocombustíveis continua centrada, principalmente, nos Estados Unidos, Brasil e Europa. Em 2012, os fabricantes de etanol de milho americano estarão operando 209 plantas, com uma capacidade nominal anual de mais de 56 bilhões de litros. Isso representa um aumento de 9%, ou 5,3 bilhões de litros em relação a janeiro de 2011.
No Brasil, em 2011, havia 440 usinas de etanol, com capacidade de 37 bilhões de litros. A capacidade de moagem de cana é de cerca de 620 milhões de toneladas, porém apenas 492 milhões de toneladas foram produzidos em 2011. Diversas empresas vinculadas aos setores de petróleo e gás mostram crescente interesse no setor de biocombustíveis. Por exemplo, a BP, que já tinha uma participação de 50% da Tropical Bioenergia do Brasil (Goiás), adquiriu as ações remanescentes da companhia em 2011. Shell e Cosan, o terceiro maior produtor de etanol no Brasil, fundaram a Raizen, tornando-se a segunda maior distribuidora e varejista após a BR Distribuidora (da Petrobras).
A capacidade de produção de biodiesel também está se expandindo rapidamente nos Estados Unidos, onde havia 190 plantas de biodiesel, com uma capacidade de produção anual de 11 bilhões de litros, em 2011. Quatorze novas plantas, com uma capacidade de produção de 1,5 bilhão de litros, estão em construção e podem operar a partir de 2012.
Na Europa, a capacidade anual de produção de biodiesel aumentou ligeiramente em 2011, para 25,1 bilhões de litros (ante 24,9 bilhões de litros em 2010). Cerca de 22% da capacidade total localiza-se na Alemanha e 20% na Espanha. A capacidade de produção na Argentina, em 2011, é estimada em 3,8 bilhões de litros, quase 36% de incremento sobre 2010 (2,8 bilhões de litros). Embora tenha produzido menos do que a Argentina, o Brasil apresentava maior capacidade instalada de produção de biodiesel no final de 2011 (70 plantas com 6,5 bilhões de litros).
Biocombustíveis avançados
A produção comercial de biocombustíveis avançados foi marginal em 2011, com exceção de hidro-tratamento de óleo vegetal (SAV). A indústria de biocombustíveis avançados vivenciou alguns altos e baixos em 2011 e no início de 2012. Por exemplo, a empresa Range Fuels, que tinha recebido financiamento do governo dos EUA, foi incapaz de superar obstáculos técnicos e de negócios para produção de etanol a partir de madeira, e fechou a planta, localizada no estado da Georgia . Também a Choren Industries GmbH (Alemanha) teve a insolvência declarada pela justiça, e a tecnologia que desenvolveu para produzir biocombustíveis utilizando a rota biomassa para líquido (BTL) foi adquirida pela Linde Engenharia de Dresden, uma subsidiária do Linde Group.
No lado positivo, as ações da Solazyme Inc. começaram a ser negociadas com sucesso na Nasdaq, e a empresa concluiu um acordo com a Dow Chemical para produzir 200 milhões de litros anuais de óleo obtido de algas, a ser usado em transformadores elétricos . Plantas de etanol celulósico, com capacidade total de 120 milhões de litros, tiveram a construção iniciada no final de 2011, na Itália (50 GL) e nos Estados Unidos (70 GL) . Especulações de mercado indicam que a Shell estaria construindo uma planta piloto para produzir etanol avançado no Texas .
Outro empreendimento envolve nove parceiros de seis países europeus e de Israel, que fundaram a The BIOfuel From Algae Technologies (BIOFAT), financiado em grande parte pela Comissão Europeia (CE), com o objetivo de produzir etanol e biodiesel a partir de algas, já em 2013 . Finalmente, uma ação conjunta de companhias aéreas e indústrias de biocombustíveis, com o apoio da União Europeia, lançou a iniciativa "European Advanced Biofuels Flightpath", objetivando acelerar a produção e comercialização de biocombustíveis para aviação.
Conclusões
A iniciativa da ONU, declarando 2012 como o Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos, de per se não representa um impacto direto no aumento da produção e no uso de energias renováveis no mundo, incluindo biocombustíveis. Para que ocorram repercussões práticas, é necessário que cada país contribua com ações positivas, especialmente políticas públicas de fomento e incentivo ao uso de energia renovável. Também é assaz importante o investimento no desenvolvimento de inovações, posto que o mercado, progressivamente, se dirige para segmentos como biocombustíveis avançados e bioquerosene, com potencial de demanda muito superior ao atual, em virtude das políticas públicas e da pressão social.
As oportunidades estão se plasmando em velocidade, e a atuação conjunta do setor e de órgãos governamentais serão essenciais para que o Brasil possa capturá-las com sucesso.
Décio Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja