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Décio Luiz Gazzoni

Um concorrente de peso


Decio Luiz Gazzoni - 23 out 2008 - 15:18 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:07

Embora o uso de biocombustíveis em motores não seja propriamente uma novidade, o negócio efetivamente deslanchou nos últimos anos e ainda é embrionário e busca o leito por onde trafegarão bilhões de litros de biocombustíveis, substituindo combustíveis fósseis. Devemos lembrar que as principais variáveis que impulsionam os negócios com biocombustíveis apontam para os impactos ambientais, a finitude das reservas (conseqüentemente o alto preço) e as disputas geopolíticas associadas às últimas reservas.

Do lado dos biocombustíveis, vivenciamos a sua primeira geração, enquanto nos laboratórios científicos pululam estudos buscando novas tecnologias mais eficientes, que garantam competitividade e rentabilidade para o negócio. Podemos dividir a pesquisa sobre biocombustíveis e seu uso em três grandes vertentes:

1.    Matérias primas com maior densidade energética, facilidade de produção, melhor balanço energético e menor custo por unidade de energia;
2.    Novos processos de transformação, buscando biocombustíveis mais eficientes;
3.    Evolução nos motores e desenvolvimento de células de combustíveis.

Se examinarmos o conjunto do esforço de pesquisa atualmente em andamento, veremos que o negócio de biodiesel não terá facilidades pela frente. As principais considerações que necessitam ser feitas são:

1.    O preço médio do óleo vegetal no mercado internacional sempre esteve acima do preço do petróleo, com exceção do óleo de dendê (o mais barato), em determinados e curtos momentos (veja Figura 1 abaixo). Existem fatores comuns que impulsionam tanto o preço do petróleo quanto dos óleos vegetais, além do que o petróleo é um insumo fundamental na produção das oleaginosas e no transporte do óleo e do biodiesel, o que torna relativamente rígida esta relação de preços;
2.    O teto de produtividade das oleaginosas, tanto em termos físicos (biomassa por hectare) quanto de energia (calorias por hectare) é baixo, com exceção de palmáceas tropicais, como o dendê. Por outro lado, o teto de produtividade de plantas produtoras de carboidratos, como a cana-de-açúcar, é mais elevado, redundando em redução do custo da unidade de energia;
3.    Os novos processos em desenvolvimento privilegiam a biomassa genérica, especialmente carboidratos de alto peso molecular (celulose e hemi-celulose), permitindo produzir biocombustíveis de espectro amplo para atender as diferentes necessidades do mercado;
4.    Devido ao menor custo dos combustíveis obtidos a partir de carboidratos, já existem diversas tecnologias que permitem o uso de etanol ou outros biocombustíveis derivados de carboidratos em motores de ciclo Diesel;
5.    As futuras células de combustível poderão operar com diversos biocombustíveis, porém os que apresentam maior potencial são aqueles com maior teor de hidrogênio, como tal favorecendo moléculas de cadeias curtas, inclusive o próprio hidrogênio molecular (H2).

Cotação dos óleos vegetais
Figura 1. Cotação dos principais óleos vegetais no mercado internacional, comparado com a cotação do petróleo.

A favor do biodiesel – e apenas no curto e médio prazo – pesa a política pública de obrigatoriedade de mistura com o diesel, limitada, atualmente, a 3%, e a sua característica de maior lubricidade em relação ao diesel, o que permite reduzir o teor de enxofre, altamente poluente e causador da chuva ácida, porém também responsável pela lubricidade do petrodiesel. Devido à pressão pela redução do teor de enxofre no petrodiesel a níveis mínimos, por algum tempo haverá a necessidade técnica de adição de biodiesel ao petrodiesel.

Para ilustrar com um exemplo real o que colocamos como tese até o momento, observe-se o acordo comercial para produzir “diesel vegetal”, que envolve a Votorantim Novos Negócios, a Usina Santa Elisa e a empresa norte-americana Amyris. Esta empresa, baseada na Califórnia, já está desenvolvendo combustível de aviação para a Força Aérea Americana e, além do diesel vegetal, tem planos para produzir gasolina a partir da fermentação de açúcar da cana.

A meta do acordo empresarial é muito ambiciosa: produzir 400 milhões de litros de diesel vegetal no primeiro ano e chegar a 1 bilhão de litros, em 2012. Em termos de meta do programa de produção e uso de biodiesel no Brasil, significa, no primeiro ano, 35% da meta e, em 2012, em torno de 80% da meta.

O petrodiesel é uma mistura complexa de moléculas orgânicas, obtidas pela destilação fracionada do petróleo. Sua composição varia de acordo com o tipo de petróleo utilizado e o perfil de refino. Entretanto, como regra geral, o petrodiesel se compõe em 75% de hidrocarbonetos saturados (especialmente parafinas e cicloparafinas) e 25% de hidrocarbonetos aromáticos, incluindo naftalenos e alquil-benzenos. A amplitude da composição das moléculas que compõem o petrodiesel varia de C10H20 a C15H28, sendo a mais comum a fórmula C12H23. O diesel vegetal é muito similar, quimicamente, a um dos componentes do petrodiesel, o farneceno, que é uma molécula com 12 átomos de carbono, apresentando as mesmas propriedades essenciais do diesel de petróleo, mas sem o “defeito” da presença do enxofre.

O processo de obtenção do diesel vegetal é muito parecido com a produção de etanol, utilizando leveduras para fermentar os açúcares presentes na cana. A diferença está no fermento, que foi geneticamente modificado para transformar a sacarose da cana em farneceno, ao invés de etanol. A levedura é a mesma utilizada para produção do etanol (Saccharomyces cerevisiae), que recebeu 15 genes de diferentes espécies, para modificar o produto resultante da fermentação. Assim, enquanto o petrodiesel e o biodiesel compõem-se da mistura de diferentes moléculas combustíveis, o diesel vegetal se concentra no farneceno, que possui alta densidade energética.

A tecnologia foi gerada nos laboratórios da Amyris na Califórnia, entretanto o desenvolvimento final será feito no Brasil, com a participação de cientistas brasileiros contratados pela empresa. A Amyris já tem um laboratório em Campinas - acoplado a uma usina-piloto - e planeja construir uma planta industrial junto à usina Santa Elisa, onde será feita a produção de diesel vegetal em larga escala.

A escolha do Brasil é fruto da alta competitividade da cana-de-açúcar brasileira, devido ao baixo custo de produção, o que permite antecipar que o diesel vegetal custaria, hoje, em torno de US$60,00 ao barril. As adaptações necessárias nas usinas para produzir diesel vegetal em vez de etanol são mínimas. De certo modo, basta trocar a levedura no fermentador. No futuro próximo, os usineiros poderão optar por produzir o que for mais vantajoso - álcool, diesel ou açúcar - com grande flexibilidade.

O novo produto é anunciado como muito menos poluente que o petrodiesel, por ser livre de enxofre, além da característica de renovabilidade, como tal reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. O plano de negócios prevê que o diesel vegetal entre no mercado como substituto do petrodiesel, apesar da produção inicial ser muito pequena.

Embora o diesel vegetal não venha para concorrer diretamente com o biodiesel – por conta do mandato de mistura de biodiesel no petrodiesel e pelas propriedades lubrificantes do biodiesel– é uma amostra da pedreira que esta indústria terá pela frente.

Décio Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, membro do Painel Científico Internacional de Energia Renovável.

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