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Décio Luiz Gazzoni

Células de combustível microbianas


Decio Luiz Gazzoni - 15 ago 2007 - 11:17 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Abrindo ainda mais o leque de oportunidades para o agronegócio, a sociedade mundial toma o rumo das energias renováveis, movida pelas Mudanças Climáticas Globais, pelo esgotamento das reservas de petróleo e pelos conflitos pela posse das últimas reservas. As Mudanças Climáticas estão ultrapassando a ameaça de uma guerra atômica, na avaliação dos riscos de extinção da espécie humana sobre a face da Terra. Por este motivo, autoridades e a sociedade civil se movem em busca de tecnologias de baixo potencial de agressão ao ambiente, especialmente com baixa emissão de gases de efeito estufa.

Assim, as células de combustível, em que produtos orgânicos são usados para gerar energia em forma contínua, através de reações químicas, ganham espaço na agenda do desenvolvimento tecnológico dos países centrais. Uma derivada deste conceito, as células de combustível microbianas, começam a despertar atenção, pela potencialidade de utilizar bactérias para produção de energia elétrica, usando biomassa como substrato. O conceito se baseia no fenômeno de que todo o ser vivo produz energia elétrica. Por que, então, não utilizar esta propriedade para gerar energia elétrica de forma limpa? Utilizando biomassa produzida pela agricultura, resíduos agrícolas ou lixo orgânico? Ou, no nosso caso, por que não biodiesel como combustível das células?

A célula
Quando um organismo atua sobre um substrato (açúcar, por exemplo), na presença de oxigênio, ele decompõe a substância de forma seqüencial, até a formação de água e gás carbônico (os ?tijolos? iniciais da fotossíntese). No entanto, quando o oxigênio não está presente, a reação é incompleta, com produção de gás carbônico, de prótons e de elétrons, conforme a reação a seguir:

C12H22O11 + 13H2O  12CO2 + 48H+ + 48e

As células de combustível microbianas, que se baseiam nesta lógica, compõem-se de duas câmaras, uma biológica e outra química. Na câmara biológica, existe um substrato (biomassa ? que pode ser o biodiesel), uma cultura de um microrganismo apropriado e um mediador elétrico (por exemplo, azul de metileno). Neste compartimento há ausência total de oxigênio livre, o que força o microrganismo a usar a via respiratória anaeróbica, consumindo apenas parcialmente a energia da biomassa.

O mediador transporta os elétrons do interior do microrganismo até um eletrodo negativo (ânodo) mergulhado no meio de cultura. Após transferir o elétron ao ânodo, o mediador torna a ingressar na célula, buscando mais elétrons - um vai e vem que só acaba quando os microrganismos cessarem as reações químicas. Em teoria, numa célula de combustível, as reações nunca cessam, portanto este movimento é um moto contínuo, desde que as condições ambientais e de alimento sejam as ideais.

A Geração de energia
O compartimento químico da célula contém uma solução de um agente oxidante e o eletrodo positivo (cátodo). O ânodo e o cátodo estão em extremidades opostas de uma carga, ou seja, de um equipamento (como um rádio ou uma lâmpada) que demanda energia elétrica para funcionar. O agente oxidante captura o elétron que ingressou no sistema pelo ânodo, atravessou a carga e chegou ao cátodo. Para completar o ciclo, existe uma membrana de troca iônica, que interliga as duas câmaras da célula, que permite a passagem seletiva de prótons da câmara biológica para a química. Na câmara química, prótons e elétrons se juntam ao oxigênio para formar água, completando o ciclo da decomposição da biomassa.

Por este processo, a biomassa é transformada em água, gás carbônico e energia elétrica ? nada mais ecológico!. O caminhamento dos elétrons e prótons se repete dezenas de vezes por segundo, sendo o número de ciclos medido em Hertz. Assim, um equipamento que opera em 60 Hertz significa que ocorreram 60 ciclos de passagem de elétrons a cada segundo de operação.

A tecnologia
O processo em si é essencialmente biotecnológico. Os elementos fundamentais são a biomassa e uma cultura de um microrganismo para metabolizar a biomassa. O segredo é o ambiente anaeróbico que obriga a seqüência de reações químicas a acontecerem em câmaras separadas, permitindo o fluxo de prótons e elétrons, que gera a energia elétrica.

Esta não é uma tecnologia acabada, embora disponha um futuro muito promissor e compõe o conteúdo programático que propusemos para a futura Embrapa Agroenergia. O conceito é utilizar matéria orgänica para produzir energia e os empregos, a renda e o desenvolvimento decorrentes. Entretanto, não é qualquer microrganismo que pode ser utilizado em células microbianas. É necessário identificar quais características são desejáveis, em quais organismos elas se encontram, efetuando o mapeamento cromossômico e identificando os genes associados, para construir um microrganismo ideal para células de combustível, através da biologia molecular.

Parece ficção científica, mas é o futuro chegando às portas das nações que investirem em novos processos biotecnológicos para produção de energia, ajudando a resolver os problemas climáticos, sociais e energéticos. Ao menos para aquelas nações onde não prevalece o obscurantismo científico de bloquear toda a inovação baseada em métodos biotecnológicos.

Décio Luiz Gazzoni é engenheiro agrônomo, membro Painel Cientifico Internacional de Energias Renováveis do Conselho Internacional de Ciências.