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Décio Luiz Gazzoni

Carvão e biomassa: biocombustíveis e sequestro de carbono


Décio Luiz Gazzoni - 08 dez 2010 - 15:44 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:15

Em 22/11/10 um avião A320 da TAM voou durante 45 minutos no espaço aéreo do Rio de Janeiro, utilizando biocombustivel (bioquerosene) de pinhão manso. Este teste faz parte de um projeto para reduzir emissões de gás carbônico nos vôos da companhia, evitando multas que serão cobradas pela União Européia. A TAM calcula que teria de pagar entre 3 e 6 milhões de euros por ano por suas emissões em rotas para a Europa. Com a adição de bioquerosene, a redução da multa é proporcional ao porcentual do biocombustível.

O objetivo é obter a certificação de uma mistura de até 50% de bioquerosene com querosene de petróleo. No entanto, os altos custos de produção do biocombustível não permitem, no momento, o uso do porcentual máximo. A estratégia alternativa é acrescentar 1% no primeiro ano e ir crescendo à medida que o bioquerosene se tornar mais competitivo. A primeira batelada de bioquerosene produzida pela TAM foi feita com quatro toneladas de óleo de pinhão manso adquiridas junto a pequenos produtores e transformadas em bioquerosene nos Estados Unidos.

O processo de produção do bioquerosene é muito similar ao do biodiesel, usando as mesmas matérias primas. Seria esta uma nova oportunidade para o setor de biodiesel? Vamos analisar a questão.

Novas tecnologias
Na coluna de novembro apresentei algumas tecnologias já em fase comercial ou pré-comercial, competidoras do biodiesel. Não comentei outras, por não se enquadrarem no critério de pré-comercial. Este é o caso de uma tecnologia em estudo pelo Departamento Nacional de Energia dos EUA, mais precisamente pelo Laboratório de Tecnologia da Energia (DOE / NETL), em parceria com a Força Aérea dos EUA (USAF) e entidades acadêmicas (Princeton, Case Western Reserve University, Pennsylvania State University e da University of Illinois at Chicago). O foco da pesquisa é a geração de combustíveis a partir da liquefação combinação de carvão mineral e biomassa, acoplando o sistema às tecnologias de seqüestro de carbono. O custo estimado da primeira fase da pesquisa é de US$7,5 milhões. O objetivo é o mesmo do teste da TAM: reduzir as emissões de gases de efeito estufa nas viagens aéreas.

É uma linha de desenvolvimento totalmente inovativa embora os conceitos isolados (carvão + biomassa para líquidos (CBTL) e de captura e armazenamento de carbono (CCS) sejam muito conhecidos. A inovação é a junção CBTL+CCS. O processo CBTL consiste na produção de combustíveis sintéticos, obtidos a partir da gaseificação de matérias-primas orgânicas, usando o gás obtido (CO + H2) através da síntese de Fischer-Tropsch para produzir um combustível sintético ultra-limpo. Até aí nada de novo. Porém, durante o processo, o dióxido de carbono é capturado, para posterior armazenamento em formações geológicas, como poços de petróleo e gás esgotados ou aqüíferos salinos (Figura 1).

O CBTL + CCS é um primeiro passo da transição para o que os pesquisadores chamam de "Sistemas de Bioenergia com Armazenamento de Carbono" (BECS). Tais sistemas BECS resultam em combustíveis radicalmente carbono-negativos. Por exemplo, as energias renováveis mais conhecidas como eólica, solar ou hídrica fornecem energia carbono-neutro, ou seja, na melhor das hipóteses não contribuem para as emissões de gases de efeito estufa. Já os biocombustíveis carbono-negativo vão além, pois retiram da atmosfera o carbono fixado pela fotossíntese, estocando-o de forma inerte. É este conceito que está entusiasmando cientistas e formuladores de políticas públicas e que permite manter o fluxo de investimento na pesquisa.

Clique na imagem para ampliar:
Figura 1
Figura 1. Diagrama de blocos do processo CTBL + CCS


O principal foco do estudo é o combustível para aviação – aí a competição com o bioquerosene de óleos vegetais, testado pela TAM. As fontes alternativas de energia, se adequadamente concebidas, poderiam reduzir significativamente a quantidade de gases de efeito estufa liberados na obtenção e na queima de combustível de aviões a jato. Segundo o Departamento de Transportes dos EUA, a aviação é responsável por cerca de 10% das emissões de gases com efeito de estufa do setor de transportes nos EUA, ou cerca de 2,7% das emissões nacionais de GEE. Daí a importância de estudar, pontualmente, o suprimento de combustível  para os aviões, pois para estes não é possível aplicar conceitos como a eletricidade, que deverá movimentar veículos de passeio e trens de carga, no médio prazo.

Solução de transição
As duas fontes, ou matérias primas, que são objeto da investigação (carvão e biomassa) – situam-se nos extremos do espectro do potencial de agressão ao ambiente e cada qual possui suas limitações. O carvão, uma fonte relativamente barata, abundante e prontamente disponível de energia, tem um perfil de emissões igual ou mais prejudicial que o petróleo. Já os biocombustíveis produzidos a partir de biomassa, representam uma alternativa atraente, porque o dióxido de carbono emitido a partir da sua combustão, será removido da atmosfera por uma nova geração de plantas, pelo processo de fotossíntese. Mas o potencial para produção de biomassa em larga escala nos EUA é limitada.

Como contornar a escassez e o alto custo da biomassa? Associando-a ao carvão. Como reduzir o impacto ambiental do carvão mineral? Associando-o com a biomassa e sequestrando o máximo de GEE durante o processo de produção de biocombustíveis. Esta é a justificativa principal desta linha de pesquisa. Assim, o processamento de carvão e de biomassa, em conjunto, para fazer combustíveis sintéticos, requer apenas metade da quantidade de biomassa, mantendo-se o conceito de produzir biocombustíveis com quase zero de emissões de gases de efeito estufa. Se a fração de biomassa é aumentada além de 50%, os combustíveis ultra-limpos se tornam carbono-negativos.

O sucesso dos esforços de pesquisa irá depender da comparação dos combustíveis sintéticos produzidos com esta técnica com fontes de energia tradicionais, em termos das características dos combustíveis, custos e questões ambientais e de segurança. E não há expectativa de solução a curto prazo, pela alta sensibilidade e pela necessidade de operar com riscos muito baixos, na aviação. Assim, é importante atentarmos para esta nova oportunidade de mercado, que não vinha sendo considerada até bem pouco tempo.

Décio Gazzoni é engenheiro Agrônomo, assessor da SAE/Presidência da República.

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