Biodiesel nanoaditivado
A utilização direta de óleo vegetal em motores Diesel é limitada devido a diversos problemas, como alta viscosidade, atomização insuficiente e combustão incompleta. Por outro lado, os ésteres de ácidos graxos (biodiesel) derivados de óleos vegetais possuem elevado teor de oxigênio em sua estrutura molecular, o que, sob alta temperatura, leva à formação de NOx (óxidos de nitrogênio), um gás de efeito estufa indutor da formação de ozônio e precursor da chuva ácida.
A fim de reduzir as emissões de NOx e de particulados provenientes dos motores Diesel, o biodiesel pode ser emulsionado em água. Por este processo, gotas de água são suspensas no biodiesel com o auxilio de um tensoativo adequado. Uma vez no interior da câmara de combustão, ocorre uma rápida evaporação da água, evitando a corrosão no motor, em especial da superfície do cilindro. Outra vantagem da técnica de emulsão é a ocorrência de fenômenos de microexplosões em que as gotas grandes de combustível são quebradas em gotas menores, resultando em vaporização quase completa do óleo, nos cilindros do motor.
Entretanto, a emulsão do biodiesel provoca atraso de ignição, conduzindo a aumento da duração da fase de combustão, alta taxa de liberação de calor, maior pico de pressão no cilindro e operação do motor fora dos padrões do fabricante.
Experiências anteriores
Revendo a literatura, é possível localizar uma série de estudos com o objetivo de solucionar adequadamente o problema exposto acima. Crookes et al [1] conduziram um experimento em um motor Diesel usando óleo de soja e óleo de colza misturado com 10% de água, e observaram uma melhoria significativa na eficiência térmica e redução de emissões de NOx e de fumaça. Entretanto, em outro experimento, a mesma equipe relatou um desempenho inferior da emulsão por conta da dificuldade ou demora na ignição, quando a carga é baixa [2] . Yoshimoto et al. [3] realizaram investigação com emulsão de óleo de fritura, com 30% de água, em volume, em um motor Diesel, observando redução significativa de NOx, de fumaça e maior atraso na ignição.
Para resolver o problema de atraso de ignição, os pesquisadores aventaram a possibilidade de adição de nanopartículas aos biocombustíveis. Um dos trabalhos pioneiros é de Tyagi et al. [4] , observando que a adição de nanopartículas de alumínio no óleo diesel melhorou significativamente a temperatura de ignição, com menor atraso. Kao et al. [5] verificaram que o óleo diesel nanoaditivado com alumina, misturado com 3% a 6% de água, diminuiu o consumo e reduziu a emissão de poluentes.
Um ensaio em um motor Diesel, operando com biodiesel misturado com etanol e óxido de cério, foi conduzido por Mozhi et al. [6] que verificaram melhora na eficiência térmica, diminuição no atraso na ignição e redução de emissões. Recentemente, Sajith et al. [7] utilizaram biodiesel de jatrofa, nanoaditivado com óxido de cério, e observaram redução significativa das emissões de NOx e hidrocarbonetos (HC) e melhoria na eficiência térmica, devido à ação catalítica das nanopartículas.
Sadhik Basha & Anand [8] revisaram criticamente a literatura relacionada com as aplicações de nanopartículas e nanofluidos nos motores Diesel e concluíram que a adição de nanopartículas/nanotubos de carbono em combustíveis convencionais reduz o tempo de evaporação e encurta o atraso da ignição. Com base no relatório de revisão sobre as aplicações dos nanoaditivos, os mesmos autores [9] estudaram os efeitos de nanotubos de carbono (CNTs) misturado com óleo diesel aplicado em um motor monocilíndrico, observando melhoria significativa na eficiência térmica e redução da emissão de poluentes, em relação à operação com diesel puro.
Em uma série de investigações inéditas dos mesmos autores [10] sobre a incorporação da alumina nanoaditivada (25 e 50 ppm) na emulsão de água-diesel (5% e 15% de água, em volume), foi constatada melhora considerável na eficiência térmica e redução de emissões nocivas. Além disso, foram verificadas reduções significativas no pico de pressão do cilindro, na taxa de liberação de calor, e no atraso na ignição em todas as cargas. Também observaram um incremento significativo na taxa de evaporação de combustíveis emulsificados, quando as nanopartículas são incorporadas
Trabalho recente
Em abril de 2011, os pesquisadores indianos J. Sadhik Basha e B. Ananda, do Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Nacional de Tecnologia, em Tamil Nadu , publicaram um estudo muito interessante no Journal of Renewable and Sustainable Energy, denominado Role of nanoadditive blended biodiesel emulsion fuel on the working characteristics of a diesel engine [11] (Efeito da emulsão de biodiesel nanoaditivado sobre as características de trabalho de um motor de ciclo Diesel). O estudo decorreu da necessidade de resolver alguns problemas observados com o uso de óleo vegetal ou biodiesel, em motores de ciclo Diesel. Os pesquisadores utilizaram biodiesel produzido com óleo de pinhão manso (jatrofa) para este estudo.
Preliminarmente, é importante referir que, embora sendo muito polêmica e contestada, a linha de ação adotada na Índia é de priorizar o estudo dos óleos vegetais não comestíveis (como pinhão manso, mahua, nim, e Pongomia) e seus ésteres metílicos, para uso energético. A contestação decorre do fato de que, embora estes óleos não tenham finalidade nutricional - o mesmo ocorrendo com a fração proteica (que é tóxica) - a área de terra utilizada para o seu cultivo poderia ser destinada à produção de alimentos e, como tal, existe, sim, uma “competição” direta com a produção de alimentos. Por exemplo, em 1 hectare onde se produzem 1.500 kg de óleo de pinhão manso, podem-se produzir 10 t de milho ou 3 de soja para uso nutricional, sendo uma falácia afirmar que o uso de óleos não comestíveis para uso energético não compete com a produção de alimentos.
No estudo em tela, a emulsão de biodiesel foi preparada com 83% de biodiesel de pinhão-manso, 15% de água, e 2% de surfactantes (Span80 ou Tween80), com o auxílio de um agitador mecânico. A emulsão de biodiesel recebeu as nanopartículas de alumina na ordem de 25, 50 e 100 ppm, com a ajuda de um ultrasonicador (Fig. 1). O ensaio foi realizado em um motor Diesel de velocidade constante, em três etapas, utilizando (a) biodiesel de pinhão manso; (b) biodiesel de pinhão-manso emulsionado; e (c) emulsão de biodiesel de pinhão manso adicionado de nanopartículas de alumina.
Os resultados experimentais revelaram um aumento substancial no desempenho e uma redução das emissões para as emulsões de biodiesel, quando em comparação com o uso de biodiesel puro. Além disso, a incorporação de nanopartículas na emulsão de biodiesel revelou melhor desempenho incremental e redução de emissões, comparada com a emulsão não aditivada e com o biodiesel.
Figura 1. Imagem ao microscópio da emulsão de biodiesel (esquerda) e de nanopartículas de alumina (direita). Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011 .
Os autores demonstraram que o aumento da velocidade do agitador aumenta a estabilidade da emulsão, que pode ultrapassar a 108 horas (Fig. 2).
Figura 2. Estabilidade do biodiesel emulsificado em função da rotação do sonicador. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.
Na Figura 3, pode ser observado o aumento da estabilidade da emulsão, em função da nanoaditivação com alumina. Verifica-se que conforme aumenta a concentração de alumina, também aumenta a estabilidade da emulsão. Igualmente, o aumento da estabilidade está positivamente correlacionado com o aumento da rotação do sonicador, com os melhores resultados sendo obtidos a 3.000 rpm. A combinação desta velocidade com a concentração de 100 ppm de alumina, permite que a estabilidade da emulsão ultrapasse 132 horas.
Impacto nos parâmetros de operação
Na Figura 4, observa-se um problema de atraso de ignição associado com a emulsão do biodiesel, devido à melhora da combustão e à absorção de calor pela vaporização da água. Quando à emulsão de biodiesel são adicionadas nanopartículas, o atraso de ignição é reduzido consideravelmente com o aumento da carga do motor. Este fenômeno decorre da rápida taxa de evaporação da água, de melhores propriedades de ignição, e da relação superfície/volume da gota mais favorável, em função do menor tamanho delas.
Em geral, a adição de nanopartículas a qualquer fluido (água, por exemplo) melhora consideravelmente a taxa de transferência de calor, não apenas pelo menor tamanho de gota (consequentemente, melhor relação superfície/volume), mas também devido às propriedades condutivas do fluido. As nanopartículas contidas no fluido influenciam positivamente a taxa de condutividade, de maneira que a taxa de evaporação é acelerada, otimizando a relação máxima evaporação / menor tempo de evaporação.
Figura 3. Estabilidade do biodiesel emulsificado em função da rotação do sonicador e do teor de alumina nanoaditivada. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.
Figura 4. Variação do atraso na ignição e da taxa de aumento da pressão máxima em função da nanoaditivação de emulsões de biodiesel. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011
O efeito da nanoaditivação sobre a eficiência térmica de um motor de ciclo Diesel é apresentado na Figura 5, que contém dois conjuntos de curvas. No primeiro conjunto, associado à ordenada da direita, observa-se a redução progressiva do consumo específico, em função do aumento da carga. O consumo específico é uma relação entre a quantidade de combustível (medida em kg/h) consumida pelo motor em relação à potência gerada (medida em kW). A carga, na prática, significa a pressão exercida sobre o acelerador, o que redunda em aumento da pressão média efetiva do motor (medida em MPa).
Quando a carga é baixa (0,08 MPa de pressão média efetiva), há um aumento de consumo específico de combustível com o uso de biodiesel emulsionado, sem nanoaditivação, enquanto o conjunto de combustíveis nanoaditivados apresenta valores muito próximos ao observado para biodiesel puro. Entretanto, na carga máxima (0,53 MPa), que representa a condição mais frequente de operação de um motor Diesel, verifica-se redução de 18% no consumo específico de biodiesel, quando são adicionados 100 ppm de alumina nanoaditivada.
Figura 5. Variação do consumo específico e da eficiência térmica de um motor Diesel, em função da variação da pressão média efetiva. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.
Porém, este não é o único benefício da nanoaditivação. Observando o segundo conjunto de curvas associadas à ordenada da esquerda, verifica-se um ganho expressivo na eficiência térmica do motor, apesar dos valores absolutos ainda pequenos, característicos dos motores de combustão interna. Na carga máxima, ocorre um ganho de eficiência de 13%, com o uso de 100 ppm de alumina nanoaditivada, em relação ao biodiesel puro. Portanto, observa-se que, na condição de carga máxima (a mais frequente em condições normais de operação), há um ganho de 13% na eficiência térmica combinada com redução de 18% no consumo de combustível, com a adição de 100 ppm de alumina nanoaditivada, no biodiesel emulsificado.
Impacto nas emissões
Tanto a emulsão quanto a nanoaditivação ocasionam reduções de emissões de NOx, devido à presença de água na mistura combustível, que reduz a temperatura de chama, gerando um ambiente menos propício à formação destes gases. Na Figura 6, é possível observar uma redução de 19% na temperatura dos gases de exaustão quando 100 ppm de alumina são adicionados ao biodiesel emulsionado. Em conseqüência, foi observada redução na emissão de NOx de 23% com o uso de biodiesel emulsionado e de 34% quando o biodiesel com maior nanoaditivação é utilizado.
Figura 6. Variação da temperatura dos gases de exaustão e da emissão de NOx, em função da variação da pressão média efetiva de um motor Diesel. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.
A emissão de particulados é fortemente reduzida pela emulsão, com uma redução adicional sendo obtida com a nanoaditivação. Este fenômeno pode ser observado na Figura 7, verificando-se que o biodiesel emulsionado reduz em 17% a opacidade da fumaça, uma medida indireta da emissão de particulados. Quando o biodiesel emulsionado recebe 100 ppm de Al nanoaditivada, a redução da emissão de particulados chega a 30%, em relação ao biodiesel puro.
A emulsão do biodiesel somente não reduz a emissão de monóxido de carbono (CO). Ao contrário, verifica-se um leve aumento da emissão de CO, na pressão média efetiva máxima, em relação ao biodiesel puro (Figura 8).
Entretanto a nanoaditivação reduz as emissões de CO, sendo que, com a máxima aditivação, na PME máxima, verifica-se diminuição de 66% nas emissões do gás. O mesmo fenômeno não ocorre em relação às emissões de hidrocarbonetos (HC), que resultam de queima incompleta do combustível.
Figura 7. Variação da opacidade da fumaça em funçao da variação da pressão média efetiva de um motor de ciclo Diesel. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.
A Figura 8 mostra um aumento de 50% na emissão de HC quando o biodiesel é emulsionado, em relação ao produto puro, na PME máxima. A nanoaditivação mitiga as emissões de HC, observando-se para a PME máxima um aumento de apenas 16%, com biodiesel emulsionado adicionado de 100 ppm de alumina, em relação ao biodiesel puro.
Figura 8. Variação nas emissões de monóxido de carbono e hidrocarbonetos, em função da variação da pressão média efetiva. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.
Conclusões
1. A adição de nanopartículas na emulsão de biodiesel redundou em redução no pico de pressão, na taxa de liberação de calor e no atraso da ignição, tanto em relação ao biodiesel puro quanto ao emulsificado.
2. A eficiência térmica do biodiesel nanoaditivado com 100 ppm de alumina, conjuminada com a redução do consumo específico, é alta (29,4%), comparada ao biodiesel puro (24,9%).
3. As emissões de NOx e de fumaça no escapamento são drasticamente reduzidas com a emulsão de biodiesel. A magnitude das emissões de NOx e de fumaça é de 870 ppm e 49% para o biodiesel emulsionado e nanoditivado com 100ppm de alumina, comparado com 1.282 ppm e 67% para o biodiesel puro, respectivamente.
4. A conclusão final é que o desempenho e as características de emissão do motor Diesel são melhorados devido à incorporação de nanopartículas de alumina na emulsão de biodiesel.
Décio Luiz Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e assessor da SAE/Presidência da República.
http://dlgazzoni.sites.uol.com.br
[1] R. J. Crookes, M. A. A. Nazha, and F. Kiannejad, Proceedings of SAE, 1992, Paper No. 922230
[2] R. J. Crookes, F. Kiannejad, and M. A. A. Nazha, Energy Convers. Manage. 38, 1785 _1997_.
[3] Y. Yoshimoto, M. Onodera, and H. Tamaki, Proceedings of SAE, 1999, Paper No. 1999-01-3598
[4] H. Tyagi, P. E. Phelan, R. Prasher, R. Peck, T. Lee, J. R. Pacheco, and P. Arentzen, Nano Lett. 8, 1410 _2008.
[5] M.-J. Kao, C.-C. Ting, B.-F. Lin, and T.-T. Tsung, J. Test. Eval. 36, 19428 _2008_.
[6] V. Selvan Arul Mozhi, R. B. Anand, and M. Udayakumar, Journal of Eng. & Applied Sciences 4, 1, 2009.
[7] V. Sajith, C. B. Sobhan, and G. P. Peterson, Advances in Mechanical Eng. 2010.
[8] J. Sadhik Basha and R. B. Anand, International Journal of Appl. Eng. Research 5, 697, 2010.
[9] J. Sadhik Basha and R. B. Anand, Int. J. of Advances in Thermal Sci. and Eng. 1, 67 _2010_.
[10] J. Sadhik Basha and R. B. Anand, “An experimental investigation in a
diesel engine using carbon nanotubes blended water-diesel emulsion
fuel,” Proc. Inst. Mech. Eng., Part A _in press; J. Sadhik Basha and R.
B. Anand, “Effects of nanoparticle additive in the water-diesel emulsion
fuel on the performance, emission and combustion characteristics of a
diesel engine,” Int. J. Veh. Des. _in press; J. Sadhik Basha and R. B.
Anand, “An experimental study in a CI engine using nano-additive blended
water-diesel emulsion fuel,” Int. J. of Green Energy _in press.
[11] J. Renewable Sustainable Energy 3, 023106 (2011); doi:10.1063/1.3575169 (17 pages)