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Décio Luiz Gazzoni

Biodiesel: mercado atual e perspectivas


Décio Gazzoni - 02 ago 2010 - 08:33 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:13

Entre as publicações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma delas tem sido objeto de minha leitura regular, pela temática interessante e pela abordagem sempre inteligente, aprofundada, contextualizada e de alta qualidade. Trata-se do BNDES Setorial que, em sua edição no 31, aborda o tema “Mercado brasileiro de biodiesel e perspectivas futuras”, cujos autores são os técnicos do Banco André Pompeo do Amaral Mendes (economista do Departamento de Gás e Petróleo e Cadeia Produtiva da Área de Insumos Básicos) e Ricardo Cunha da Costa (assessor da Área de Infraestrutura).

O documento compõe-se de 28 páginas, que sumarizarei para os assinantes do BiodieselBR, incorporando alguns comentários de minha lavra. Os autores ressaltam o sucesso do programa de produção e uso do Biodiesel, que antecipou em 3 anos sua meta final, graças à proatividade dos produtores de biodiesel, notadamente aqueles ligados ao ramo da soja. Mesmo com a antecipação da meta, os autores ressaltam o excesso de capacidade instalada para a produção de biodiesel, asseverando que o mesmo não deve ser eliminado no curto e no médio prazos, como veremos a seguir.

Destacam as características específicas do mercado de biodiesel, como a negociação via mecanismo de leilão, que pretende assegurar a participação dos agricultores familiares no fornecimento de matérias-primas, tornar transparentes a formação de preços e as margens, e emitir sinais ao mercado em relação à estrutura e localização das plantas e quanto à escala ótima de produção.

Matérias primas
No artigo, os autores apresentam os dados da ANP, atualizados até setembro de 2009, mostrando que o óleo de soja responde por 74,88% da produção de biodiesel, seguido por gordura bovina (16,27%), óleo de algodão (6,16%) e outras fontes lipídicas (2,69%). Apesar dos números largamente favoráveis à soja, os autores consideram que este quadro deve se alterar no médio e longo prazo, tendo vista a baixa produção de óleo de soja, por unidade de área.

Neste particular, é importante prestar atenção ao programa de incentivo à produção de palma de óleo (dendê), lançado pelo Governo Federal este ano. Devido ao diferencial de produtividade de óleo entre soja e dendê, imaginando uma demanda de 2 bilhões de litros, necessitaríamos de 400.000 ha de dendê ou 4 milhões de ha de soja. Além disso, considerando apenas a cotação do óleo no mercado internacional (média de 2009), enquanto o óleo de soja foi cotado a US$826/t, o óleo de palma foi comercializado a US$633/t. Este diferencial de US$200,00 seria suficiente para cobrir os custos de transporte do produto. Ademais, percebe-se diversos movimentos entre atores públicos e empresariais, no sentido de adaptar a cultura do dendê ao Centro Oeste e Sudeste do Brasil (fora do eixo do Trópico Úmido), reduzindo os custos de frete.

Os autores apontam a alta viscosidade do óleo como a razão principal do fracasso da mamona enquanto matéria prima chave da produção de biodiesel. Entretanto, a nosso juízo, outras razões devem ser consideradas, em especial a baixa produtividade de óleo por ha, a falta de organização e estruturação da cadeia da mamona, a toxicidade da torta (que impede agregação de valor ao produto) e a elevada cotação do óleo, por ser um importante insumo para a indústria de química fina. Como referencia, em julho de 2010 o óleo de mamona estava cotado a US$1.610/t (FOB Índia), enquanto o óleo de soja era cotado a US$838/t (CBOT).

Os autores indicam como boas possibilidades futuras o cultivo de pinhão manso ou de algas, ressaltando, entretanto, que as informações disponíveis até o momento não garantem um sistema de produção adequado para investimentos em larga escala, em qualquer das duas alternativas.

Competitividade, formação de preços e margens
Os autores chamam a atenção para a importância da política pública de mistura compulsória pois, desde o início do programa de biodiesel, o seu sobrepreço em relação ao diesel foi, em média, 51,2% conforme Tabela 1. Ou seja, sem uma política mandatória, não teria sido possível introduzir o biodiesel em nossa matriz energética.

Tabela 1. Preço do biodiesel e do diesel


Ano

Biodiesel
R$/L

Diesel
R$/L

Diferença
%

2005

1,90

1,25

52,0

2006

1,79

1,36

31,6

2007

1,86

1,36

36,8

2008

2,60

1,47

76,9

2009

2,26

1,43

58,5

Média

2,08

1,37

51,2


Fonte: Adaptado de Pompeo e Mendes – ANP (Preço sem ICMS).

Os autores apontam que o custo de produção do biodiesel é fortemente vinculado ao custo da matéria prima. Em nosso entender, no caso da soja, a formação de preço do óleo não ocorre no mercado energético, porém no mercado nutricional, que possui maior elasticidade remunerativa. Portanto, não é lógico esperar uma adequação do preço do óleo de soja ao preço do diesel, muito embora exista uma associação entre preço internacional de petróleo e de óleos vegetais. Este fenômeno não significa que um esteja influenciando o preço do outro, porém que os mesmos fatores de formação de preços estão atuando sobre os dois segmentos.

O segundo aspecto importante na formação de preço é a concorrência entre produtores. Em novembro de 2009 existiam 63 plantas de biodiesel em operação no país, com capacidade instalada de 4,45 Mm3/ano, para uma demanda de 1,53 Mm3. No leilão de 17/11/09 participaram 40 plantas com autorização para comercialização e, da competição entre eles, ocorreu a formação do preço médio do leilão.

A Figura 1 mostra a margem devida ao custo de oportunidade entre vender o óleo de soja ou produzir biodiesel. No leilão de novembro de 2007, o excesso de capacidade fez com que a margem entre o preço do biodiesel e do óleo de soja ficasse levemente negativa.

Figura 1. Margem do biodiesel em relação ao óleo de soja
Gazzoni 1
Fonte: Adaptado de Pompeo e Mendes (ANP e ABIOVE)

Os autores justificam o fato ressaltando que algumas empresas do setor adotaram uma postura agressiva nos leilões da ANP ao longo do ano de 2007, seguindo a estratégia de serem os primeiros a posicionar-se no mercado e de maximizar o seu market share. Por isso, houve competição intensa fazendo com que a margem ficasse próxima de zero (ou ligeiramente negativa) no dia do leilão. Em decorrência, algumas empresas passaram por dificuldades financeiras, sendo didático o ocorrido com a Brasil Ecodiesel, forçada a reestruturar-se e promover uma capitalização da dívida, com aumento do capital social.

Em função deste comportamento no leilão, os autores referem que, como os preços de aquisição do biodiesel são fixados, no momento do leilão, válidos por três meses, e o preço dos óleos vegetais estava aumentando após o leilão, muitas empresas preferiram não produzir biodiesel e não entregar conforme os contratos.

O motivo é óbvio: caso esses produtores decidissem produzir biodiesel, operariam com margem negativa. Em conseqüência, os volumes entregues durante o ano de 2008 foram muito aquém dos leiloados. A Figura 2 demonstra que, quando a cotação do óleo de soja superou US$1.200/t a percentagem de cumprimento dos contratos despencou, atingindo um mínimo de 32% em junho de 2008. Quando a cotação do óleo de soja retornou a patamares inferiores a US$1.000/t, os percentuais de entrega situaram-se entre 85 e 100%

Figura 2. Relação entre o volume de biodiesel entregue e o preço do óleo de soja
Gazzoni 2
Fonte: Adaptado de Pompeo e Mendes (MME e USDA)

Para garantir sua margem, algumas empresas vencedoras do leilão compravam o óleo vegetal por três meses (mesmo prazo do contrato de fornecimento do leilão) a um preço fixo de seus fornecedores. Essas empresas não apresentaram prejuízos com a venda de biodiesel. Outras empresas que já tinham contratos de óleo vegetal preferiram vender o óleo vegetal em vez de produzir biodiesel. Assim, a Petrobras teve de realizar leilões de reposição de estoque durante o ano para que fosse cumprida a legislação.

Caracterizada a quebra unilateral de contrato sem motivo superveniente, a ANP exerceu sua função de agência reguladora, alterando as regras de leilão e de comercialização, para evitar inadimplências futuras, garantir o cumprimento da lei e, em especial, assegurar a credibilidade do programa junto aos atores econômicos e sociais.

Estrutura da indústria
Os autores analisaram a estrutura das industrias, classificando-as como empresas integradas, parcialmente integradas e não integradas.

As empresas produtoras de biodiesel integradas são aquelas que plantam ou comercializam a matéria prima (soja, girassol, algodão, etc.), esmagam o grão dessa cultura para produzir o óleo vegetal e produzem o biodiesel com base nesse óleo vegetal. As empresas integradas têm a opção de vender o grão, vender o óleo vegetal ou vender o biodiesel. Normalmente, essas empresas optam por vender os produtos que tiverem as melhores margens num determinado período. Essas empresas são as mais competitivas e mais eficientes na comercialização de biodiesel, conseguindo se apropriar de melhores margens do que as não integradas.

As empresas produtoras de biodiesel parcialmente integradas são aquelas que podem produzir o óleo vegetal - por disporem de planta de esmagamento - e biodiesel. Portanto podem comercializar tanto o óleo vegetal quanto o biodiesel. Essas empresas não plantam e nem comercializam os grãos.

As não integradas não têm a opção de fabricar produtos diversificados (biodiesel, óleo vegetal ou grão), uma vez que produzem única e exclusivamente biodiesel. Elas adquirem o óleo vegetal a preço de mercado e não a custo de produção como as empresas integradas. Elas estão focadas no mercado de biodiesel e precisam trabalhar continuamente, evitando as paradas usuais de uma produção flexível, para compensar o aumento de custo de matéria-prima.

Perspectivas de mercado
Os autores elaboraram três possíveis cenários futuros para a demanda nacional de biodiesel:
  1. No primeiro cenário não haveria alteração na mistura de biodiesel a partir de 2010 conforme determina a lei, e supõe que a capacidade instalada será mantida ao longo do tempo. A demanda de biodiesel brasileira é estimada com base na projeção de demanda de diesel do país, que é função do nível de atividade e crescimento do Produto Interno Bruto – PIB e de outros fatores. Os autores assumiram que a demanda de diesel, consequentemente a de biodiesel, aumente cerca de 3,6% ao ano a partir de 2011. Neste caso, várias plantas de biodiesel no país serão desativadas ou ficarão ociosas, uma vez que não existirá demanda suficiente para todas as plantas. Essa ociosidade poderá propiciar a consolidação dos produtores do setor;
  2. Em um segundo cenário, o governo alteraria a lei e aumentaria o percentual de mistura de biodiesel no diesel mineral para B6 em 2011 e B7 a partir de 2012, mantendo o crescimento em 3,6% ao ano a partir de 2013. Nesse cenário, a capacidade ociosa seria menor do que a do cenário anterior, e a demanda de biodiesel estaria próxima da capacidade instalada no final do horizonte analisado. Por volta do ano de 2016, haveria necessidade de novos investimentos em novas plantas de biodiesel para atender à demanda a partir dessa data;
  3. No terceiro cenário analisado, o governo alteraria a lei para aumentar a mistura de biodiesel no diesel mineral para B6 em 2011, B7 em 2012, e B8 em 2013. A partir de 2014, novamente, a demanda cresceria a 3,6% ao ano. Nessa alternativa, o excesso de capacidade estaria praticamente eliminado entre os anos 2014 e 2015. Nesse contexto, por volta de 2013 e 2014, haveria a necessidade de investimento em novas plantas de biodiesel para atender à demanda futura. Como nos outros cenários, nesse também não foram consideradas possibilidades de exportação do biodiesel nacional pelas razões já mencionadas. Caso haja essa possibilidade antes de 2014, o excesso de capacidade poderia deixar de existir antes dessa data.
 
Impactos dos cenários
Os autores pontuam que a grande questão que permanece é se, mesmo com o excesso de capacidade instalada de produção de biodiesel, a mistura de biodiesel no diesel mineral poderia ser aumentada sem nenhuma restrição. Na realidade a mistura não poderia aumentar como se não houvesse impedimento por quatro principais razões:
  1. Existe uma restrição formal, prevista em lei, à mistura de até 5% (B5) de biodiesel no diesel mineral. Entretanto, essa restrição depende exclusivamente da vontade política do Governo;
  2. Os fabricantes de motores a diesel teriam que assegurar a garantia dos motores que utilizassem misturas mais ricas que B5;
  3. O custo do diesel para os consumidores se elevaria proporcionalmente ao aumento da adição de biodiesel, o que acarretaria o aumento do custo de produção de diversos produtos nacionais, uma vez que o principal modal de transporte brasileiro é o rodoviário. O Governo necessitaria analisar e implementar mecanismos de amortecimento deste impacto;
  4. A produção de biodiesel na margem compete com a produção de alimentos, podendo elevar os preços de alguns alimentos devido à menor oferta para esse propósito ou ao maior custo da terra e da logística. É importante notar que o mercado de combustíveis é volátil e seu tamanho é expressivo em relação ao mercado de óleos vegetais, o que poderia colocar em risco a produção de oleaginosas empregadas na alimentação humana e de animais.

Conclusões
Ao final do texto, os autores alinhavam as seguintes conclusões:
  1. A implantação de inúmeras plantas de biodiesel no país proporcionou êxito ao programa de biodiesel, uma vez que as metas impostas na lei de 2005 foram alcançadas com sucesso antes do prazo previsto;
  2. A antecipação da implantação das unidades de biodiesel em todo o território nacional fez com que o setor operasse bem aquém da sua capacidade instalada, que assim permanecerá ainda por alguns anos se não houver aumento do percentual da mistura, encerramento de produção de algumas plantas ou possibilidade real de exportação;
  3. Ao governo e à iniciativa privada brasileira está posto o desafio de negociar a extinção das barreiras (técnicas, ambientais, sociais) que impedem a exportação do nosso biodiesel para a Europa;
  4. Concomitantemente, devem ser finalizadas as negociações para definir uma especificação global do biodiesel, acatada por países importadores e exportadores, o que permitirá a constituição de um mercado internacional;
  5. Outra forma de tentar exportar o biodiesel, sem incorrer nos problemas de logística apresentados em países sem a adequada infraestrutura de distribuição para biocombustíveis, seria exportar para alguns países a mistura diesel/biodiesel, quando o Brasil se tornar exportador de diesel, o que se provavelmente ocorrerá em breve;
  6. O índice de entrega de biodiesel nos últimos leilões da ANP tem sido próximo a 100%, após a introdução de penalidades pelo descumprimento dos contratos de venda de biodiesel;
  7. A sistemática de leilões garante os menores preços para os consumidores e para a sociedade; garante igualdade de disputa entre pequenos e grandes produtores; facilita a fiscalização do cumprimento do percentual de mistura de biodiesel no diesel comercializado; e garante a participação mínima da agricultura familiar no fornecimento de matéria-prima ao exigir o selo social para participar nos leilões da ANP com 80% do volume negociado;
  8. O grande desafio para o setor de biodiesel brasileiro é reduzir progressivamente a dependência da cadeia produtiva da soja. O setor, no curto e médio prazo, deveria buscar uma matéria-prima não alimentar, com custo menor e produtividade maior que a soja. No médio e longo prazos, a nova fronteira seria a produção de biodiesel a partir de algas marinhas, que não competem com alimentos e potencial de alta produtividade;
 
Aos interessados em ler o texto na íntegra, ele pode ser acessado em http://www.bndes.gov.br/ SiteBNDES/export/sites/default/ bndes_pt/Galerias/Arquivos/ conhecimento/bnset/set3107.pdf

Décio Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, assessor da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.