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Décio Luiz Gazzoni

Biodiesel e a crise: E agora, José?


Décio Luiz Gazzoni - 03 dez 2008 - 16:39 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:07

A atual crise financeira está deixando o mundo inteiro de cabelos em pé, consumidores e produtores. Particularmente, o agronegócio está sendo fortemente abalado, pois as cotações agrícolas despencaram, enquanto alguns insumos se mantiveram em alta (fertilizantes e agrotóxicos em especial), outros preços da agricultura estão caindo (fretes internacionais) e alguns estão indefinidos, como o preço do óleo diesel, mantido pelo Governo no mesmo patamar, apesar da queda livre do preço do petróleo.

Além do BidodieselBR, contribuo com outros veículos técnicos. Em fevereiro de 2008, iniciei minha coluna na Revista Cultivar escrevendo: “...Quer me parecer que desejar Feliz Ano Novo aos produtores agrícolas e outros players do agronegócio parece pouco. Melhor já adiantar um Feliz próximos 5 anos, uma vez que, do meu ponto de observação, parece-me que, como nunca antes na História da Humanidade o agronegócio viverá um ciclo de exuberância e de expansão como o que vamos vivenciar”. Mas encerrei alertando: “Existe apenas um risco para esta previsão: uma brutal recessão em escala planetária, que enxugue a liquidez do mercado, reduza a renda das famílias (em especial a previsão de renda futura) e torne os mercados mais fechados e protecionistas.”

Diz o ditado que o diabo não é diabo porque é diabo mas sim porque é velho. Foram os meus (quase) 60 anos que fizeram com que eu antevisse, em janeiro, algo que àquele momento, ninguém imaginava como provável, que é a tremenda crise financeira que estamos atravessando, a qual emprobreceu o mundo em estimados US$ 30 trilhões (redução de liquidez), ameaçando o emprego, logo a previsão de renda futura das famílias, diminuindo o consumo e arriscando tornar os mercados mais fechados e protecionistas.

Na minha coluna de maio para o BiodieselBR, analisei as principais causas que provocaram a alta dos preços dos alimentos que, à época, era atribuído por diversas autoridades, à expansão da produção de biocombustíveis. Agora, para fechar 2008, julgo importante rever o impacto destas causas, face ao novo ambiente econômico mundial - durante e pós crise - sobre os preços agrícolas e, em conseqüência, sobre o negócio de biodiesel.

O índice de preços da FAO já capturou a queda dos preços no mercado internacional, conforme se verifica na Figura 1. Este primeiro efeito é devido, exclusivamente, ao estouro da bolha da especulação financeira, uma das principais causas da subida dos preços dos produtos agrícolas, verificado entre 2006 e 2008.

Figura 1. Índice de preços de alimentos da FAO

Índice de preços de alimentos da FAO

Quando os grandes investidores internacionais perceberam (no final de 2006) que o período de bonança do sub-prime americano acabara, moveram seus portfólios para comodities, agrícolas ou minerais, incluindo petróleo. Com o inicio da crise financeira, em setembro passado, os preços despencaram, em média, 50%. Este era o inchaço artificial dos preços que os analistas mal informados ou de má fé (como antecipei na coluna de maio) atribuíram aos biocombustíveis. Por oportuno, a produção de etanol e biodiesel continuará crescendo, com efeito marginal sobre o preço dos alimentos.

O processo de inserção social atingiu um patamar elevado. Os números do Banco Mundial mostram queda contínua na pobreza mundial (concentrada na África e na Ásia), que trouxe ao mercado de alimentos famélicos de diversas etnias. Há um grande ponto de interrogação sobre o que ocorrerá com os recém-chegados ao mercado de alimentos. Se a recessão for muito forte, parte do contingente retornará às estatísticas dos famélicos.

Por outro lado, os estoques mundiais de alimentos continuam baixos, o que pode ser um freio na queda dos preços. Igualmente, os preços dos fertilizantes e dos agrotóxicos continuarão altos em 2009, o que freará a queda dos preços, devido ao alto custo de produção e de transporte. Só que este fato em nada ajuda o agricultor, pois significará apenas o equilíbrio entre custo e preço.

Outro fator de pressão altista era a queda geral da cotação do dólar. Em apenas 30 dias de crise financeira, a cotação do dólar frente ao real subiu 50%, o que contrabalança a menor cotação das comodities. Também em relação a outras moedas, o dólar valorizou-se, conforme se verifica na Figura 2. O que poderia ser entendido como um paradoxo, na realidade é um comportamento do mercado avesso a riscos, que, no auge da crise, sacrifica a rentabilidade (as taxas de juros do FED norte americano estão negativas) em favor da segurança, pois sabem que o Governo dos EUA jamais aplicará um calote em sua dívida. Logo, enquanto não desanuviar o cenário financeiro, o dólar continuará valorizado em relação a outras moedas, comparativamente ao seu comportamento até o primeiro semestre deste ano

Figura 2. Taxa de câmbio de diferentes moedas em relação ao dólar norte americano (base 100=1/1/2003)

Taxa de câmbio de diferentes moedas em relação ao dólar norte americano (base 100=1/1/2003)

Por sua vez, o preço do petróleo despencou no mercado internacional, pois desapareceu o fator de especulação financeira. No médio prazo, o preço do petróleo deve incrementar-se novamente, porém, no curto prazo, pode-se esperar que o petróleo mantenha a cotação atual, inferior ao da última safra (Figura 3).

Não há indicações de que a China vá reduzir suas importações de soja ou milho, ou a Índia de óleo de soja, assim como os Estados Unidos continuarão sua retração no mercado internacional de ambos os grãos. Desta forma, o mercado específico de milho e soja deve sofrer menos volatilidade, devendo ter encontrado seu novo piso de cotação, acima do nível observado até 2005, o que afeta diretamente o mercado de óleos vegetais (Figura 4).

Figura 3. Cotação semanal do barril de petróleo tipo Brent na NYMEx, em dólares por barril.

Cotação semanal do barril de petróleo tipo Brent na NYMEx, em dólares por barril.

Figura 4. Cotação dos principais óleos vegetais no mercado internacional, comparado ao preço do petróleo (US$/t).

Cotação dos principais óleos vegetais no mercado internacional, comparado ao preço do petróleo (US$/t).

Apesar de o mercado internacional de óleos vegetais continuar aquecido, em especial pelas compras da Índia e da China, percebe-se o esvaziamento da bolha especulativa, que atingiu seu ápice no final do primeiro semestre deste ano. Entre junho e outubro, o preço médio dos principais óleos vegetais caiu 50%, enquanto o petróleo caiu 60%. É razoável supor que as oscilações, nos próximos meses, ocorrerão em torno dos valores de outubro.

O clima é um fator de volatilidade das cotações dos preços agrícolas. Obviamente, não há como prever o comportamento do clima durante o próximo ano, mesmo de forma macro. O que é possível antecipar é que, com os estoques no limite de baixa, uma seca prolongada nos grandes países produtores provocará uma reação de preços. Já um clima favorável, auxiliará na recomposição parcial dos estoques finais, o que forçará os preços agrícolas a manterem-se estáveis e menos voláteis.

Finalmente, o comportamento dos países ricos, com respeito aos subsídios agrícolas, pode afetar a cotação dos produtos agrícolas. Caso haja um aumento do protecionismo dos países ricos, aumentando subsídios e fechando seus mercados, haverá uma redução dos preços dos produtos e da produção agrícola nos países emergentes.

Em resumo, o fator especulação desaparece do cenário. Os fatores baixistas mais importantes passam a ser a recessão, o desemprego e o protecionismo dos países ricos. Os fatores altistas são os baixos estoques, a valorização do dólar e a queda do preço do petróleo. E os fatores de estabilização são os altos custos de produção, os fretes elevados, e as importações da China. E o fator imponderável será o comportamento do clima.

Especificamente em relação ao biodiesel, o cenário é bem mais favorável que no primeiro semestre deste ano, com os preços da matéria prima reduzidos à metade, enquanto o Governo deve resistir até o limite para baixar o preço dos derivados de petróleo, em virtude da necessidade de caixa da Petrobrás e de ingressos tributários no Tesouro Nacional.

Décio Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, membro do Painel Científico Internacional de Energia Renovável.

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