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Agricultura familiar: lidando com a pobreza


Rui Daher - Terra Magazine - 16 nov 2010 - 14:14 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:14

Aristocratas de araque, recém contratados na mídia fashion-neoconservadora, se dizem incomodados com o afluxo de pessoas da classe média aos aeroportos brasileiros e a redutos antes privativos de elites. "Viajar, hoje em dia, é quase sempre como ser obrigado a frequentar um churrasco na laje" (Luiz Felipe Pondé, Folha de São Paulo, 15/11/2010, pg. E8).

Desconhecem que estágios mais avançados do desenvolvimento humano pressupõem mobilidade vertical entre classes sociais. Ignoram as obras-primas da cultura popular que nascem nesses convescotes em altos e fundos de quintais. Não sabem os incômodos que evitariam se complacentes com esse mecanismo.

Clamam por infraestrutura que lhes devolva o conforto. Como se um país que esteve estagnado por quase 30 anos pudesse estar a gerar capacidade ociosa "livre, leve e solto". O pior vem agora: tem jeito, não, senhores incomodados, é irreversível.

Dado o primeiro impulso, com base em moeda estável, recuperação de emprego e renda, crédito para consumo, e programas assistencialistas, inúmeras iniciativas públicas e privadas vêm se espalhando nessa direção.

A aproximação das pequena e média produção agrícola com a indústria de biocombustíveis é uma delas. Nem tanto no que diz respeito ao etanol, com alto grau de concentração, destino anunciado como inevitável. O mais habilitado a fazer essa ponte é o biodiesel.

Promovido pela "Brasilianas.org", com mediação do jornalista Luís Nassif, foi realizado, em São Paulo, seminário que mostrou como a cadeia produtiva dos biocombustíveis tem-se desenvolvido com apoio na agricultura familiar, segmento rural mal recebido nos salões confederativos.

Estudo da Fundação Getúlio Vargas, lá apresentado, mostra o caminho mais curto para integrar regiões rurais do país que ainda possuam extensos bolsões de pobreza. A cadeia se inicia em pequenas e médias lavouras de soja, palma, girassol, mamona ou canola, matérias-primas que, transportadas até as usinas, serão beneficiadas, esmagadas e transformadas em biodiesel para venda em mercados locais. Uma cadeia produtiva que envolve mais de 1,3 milhão de empregados.

Hoje, apenas 108 mil famílias produzem 20% da matéria-prima para a produção de biodiesel, número que deve quintuplicar, até 2020, depois que foi criado um selo social, onde as empresas se comprometem a comprar a produção familiar e oferecer-lhe suporte técnico e crédito.

Mais do que as dimensões importam os princípios dessa simbiose. Com uma capacidade instalada de cinco milhões de metros cúbicos do óleo, o dobro da produção atual, que é referendada pelo índice de obrigatoriedade de inclusão de biodiesel no diesel de petróleo, hoje em 5%, logo esse nível deverá evoluir para teores mais altos, ampliando o potencial da cadeia produtiva.

Inserções regionais e sociais sustentáveis só poderão ser obtidas nos moldes aqui descritos. Não à toa o BNDES tem feito crescer suas linhas de financiamento visando os arranjos locais produtivos. Entre 2003 e 2009, sua carteira de empréstimos aumentou de três para 22 bilhões de reais.

Gerações cresceram ouvindo falar das mazelas do nordeste brasileiro. Tudo ficava por conta do clima, da seca, de uma indolência percebida apenas no "sul maravilha". E para isso se contava apenas com as rezadeiras e o êxodo.

O clima não mudou. A seca persiste. Mas foi só uma ajudazinha e a roda girou. Um bocadinho de renda, mais consumo, mais indústrias, mais empregos formais.

Também, mais intromissão nos aeroportos, shoppings, no trânsito. Fazer o quê? Não vivíamos dizendo que "eles também são filhos de Deus"?

Rui Daher é administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.
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