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Biodiesel

Analistas começam a rever solidez das cotações das matérias-primas


Valor Econômico - 23 jan 2008 - 07:52 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

O conceito de que as matérias-primas continuarão em alta, com ou sem recessão nos Estados Unidos - que sustentou o boom de commodities nos últimos anos -, está abalado.

Quedas nas bolsas em todo o mundo foram acompanhadas por desvalorização de metais e do petróleo, inclusive nos EUA - um sinal de que mais operadores agora acreditam que a economia mundial pode sofrer mais com uma recessão americana do que os otimistas pensavam. A cotação das commodities se recuperou um pouco depois que o Federal Reserve, o banco central americano, anunciou um corte extraordinário de juros.

O consumo de petróleo, cobre, ferro e outras matérias-primas, em meio a uma ampla expansão da infra-estrutura na Ásia, tem sido o principal fator por trás do boom das commodities nos últimos anos. A força desse boom tem sido extraordinária diante da estagnação e até queda do consumo de petróleo em vários países ricos e da diminuição da demanda americana, por exemplo, pelo cobre, causada pela desaceleração no ritmo da construção de novas casas. Isso motivou argumentos de que as commodities ficariam "em alta por mais tempo" porque os mercados emergentes estariam mais independentes dos problemas econômicos dos EUA.

Eric Wittenauer, analista de petróleo e metais industriais da A.G. Edwards, diz que não acredita na visão de que uma crise nos EUA tem poucos efeitos na demanda asiática. "Uma crise significativa nos EUA terá um impacto nos mercados emergentes assim como nas economias dos países mais desenvolvidos", disse ele.

Enquanto as bolsas na Índia, Hong Kong, Japão e China caíam ontem, o cobre e o zinco também atingiram o limite diário de 4% de queda na Bolsa de Futuros de Xangai. Até a segunda-feira, o cobre tinha apresentado bons ganhos em 2008. Índices de referência para a cotação do níquel e do zinco caíram, ambos, 3,1% na Bolsa de Metais de Londres.

Wayne Atwell, presidente da Pontis Capital Management, uma firma de investimento em recursos naturais do Estado americano de Connecticut, disse que uma retração nas bolsas chinesas vai "aumentar a ansiedade dos consumidores (chineses), que podem reduzir seus gastos. Então surge o risco real de uma crise. Sem dúvida, será necessário aparar um pouco a demanda por commodities". Mas ele acrescenta que a abrangência do impacto "ainda é incerta".


De fato, as cotações melhoraram um pouco ontem nos EUA. O cobre chegou a US$ 3,0715 a libra na Bolsa Mercantil de Nova York (Nymex), mas se recuperou e fechou a US$ 3,1965, embora ainda em queda de 1,1%. O petróleo, que chegou a passar dos US$ 100 no início do ano, fechou o dia em US$ 89,85 na Nymex, com queda de 0,8%.

Embora as expectativas de uma interrupção temporária no boom das commodities estejam aumentando, muitos analistas citam fatores estruturais de longo prazo, como gargalos na oferta, para explicar por que esses mercados ainda não pararam de subir. Temores de recessão, admitem alguns, estão causando uma queda indiscriminada, mas temporária.

"As commodities tendem a ser um mercado independente e uma classe de ativos à parte, exceto em épocas de crise de liquidez. Quando o mercado pressente uma crise de liquidez, todo mundo cai", diz Jay R. Feuerstein, diretor de investimentos da 2100 Xenon, um fundo de hedge de Chicago focado em commodities.

Os mercados agrícolas, por exemplo, não estão atraindo tanto pessimismo, em parte por causa de nova legislação nos EUA que determina o uso maior das lavouras para produzir combustíveis, aumentando a concorrência com a produção de alimentos. A Goldman Sachs chegou mesmo a revisar ontem para cima a sua previsão de preços para o setor.

E a cotação do petróleo, como um iô-iô, só pode cair até um determinado ponto. Philip Verleger, economista independente focado em petróleo, diz que o aperto de crédito nos EUA implica custos maiores nos financiamentos de curto prazo para que empresas como refinarias comprem e armazenem petróleo.

"A expectativa é que muitas empresas, especialmente as refinarias independentes, diminuam os estoques", escreveu ele esta semana. Estoques baixos tendem a dar sustentação aos preços. "Uma recessão não tem necessariamente de ser acompanhada por queda na cotação do petróleo", disse ele.

Analistas da divisão Barclays Capital do Barclays PLC disseram que dados recentes da alfândega chinesa indicam otimismo em relação aos metais industriais. A China, ela própria uma grande produtora de commodities, teve déficit comercial no alumínio em dezembro e suas importações de cobre e níquel aumentaram. Mas diante do cenário macroeconômico incerto, o Barclays acrescentou: "Esperamos que os preços continuem instáveis".

Embora as ações de mineradoras como a BHP Billiton, a Vale do Rio Doce e a Rio Tinto estejam levando uma surra, Tobias Woerner, analista de construção e mineração da MF Global Securities Ltd., acrescenta que "já vimos isso antes neste boom atual das commodities (que alguns dizem que acabou)", escreveu ele a clientes. "Há um risco claro de que desta vez seja o fim da mentalidade "em alta por mais tempo", mas eu acredito que juros mais baixos e a consolidação maior da indústria na China e na Índia voltarão a fazer efeito".

Ann Davis e Carolyn Cui
The Wall Street Journal

Turbulência abala commodities agrícolas

Em alta nos últimos dois anos e com um promissor cenário de longo prazo ancorado no crescimento de países emergentes como China e Índia, as principais commodities agrícolas negociadas no mercado internacional não sairão ilesas da turbulência deflagrada pela crise americana. As primeiras impressões de especialistas ouvidos pelo Valor apontam uma volatilidade ainda mais acentuada e alguma perda de sustentação, sobretudo nas próximas semanas, mas debacles generalizados foram descartados. Pelo menos por enquanto.

Analistas ponderam que o expressivo aumento da participação de fundos de investimentos nesses mercados nubla o horizonte, uma vez que é de se esperar um reposicionamento nas carteiras de ativos desses poderosos players. Nesse processo, muitos esperam que as commodities sejam encaradas como um porto mais seguro, mas se a crise recrudescer o tremor poderá, sim, provocar rachaduras.

"O cenário terá que se agravar muito para que as commodities caiam significativamente. Mas em mercados futuros existe uma coisa chamada alavancagem, e tendências podem ser maximizadas", afirma Fernando Muraro, da consultoria Agência Rural. Ele ilustra o crescimento da presença dos fundos nos mercados agrícolas com o número de contratos de milho, soja e trigo negociados na bolsa de Chicago, principal referência para a formação dos preços dessas commodities no exterior. No caso do milho, eram 18 milhões em 2002 e foram 58 milhões em 2007; na soja, a evolução foi de 14 milhões para 32 milhões na mesma comparação; no mercado de trigo, o salto foi de 7 milhões para 20 milhões.

"As commodities agrícolas são menos suscetíveis em comparação com outros ativos porque, afinal, todo mundo ainda precisa comer. A demanda por alimentos continua aumentando", afirma Vinícius Ito, da Fimat Futures. "Este pode ser um ano complicado, mas os preços não tendem a desabar". E há gordura para queimar, uma vez que é quase consenso que os mercados agrícolas estão inflados pela ação dos fundos.

Mesmo com a forte queda registrada ontem, o trigo, por exemplo, ainda acumula alta de 181,39% nos últimos 24 meses, segundo cálculos do Valor Data. Na soja, o ganho ainda chega a 117,57%, e no milho, a 133,14%. Qualquer retração também serviria para reduzir a pressão da galopante inflação dos alimentos no mundo.

Uma recessão clássica nos EUA apontaria para a diminuição do consumo e ampliaria a envergadura das perdas, mas a redução dos juros no país, promovida pelo Fed, poderá conter uma eventual queda brusca da demanda no país, avalia Ito. Mas, como observa Renato Sayeg, da Tetras Corretora, há fortes oscilações à vista. Para a soja, calcula o analista, o preço médio da commodity deverá encerrar o semestre abaixo do patamar atual, mesma opinião de Fabio Silveira, da RC Consultores. "A volatilidade está fora de um senso razoável", diz Sayeg. "Os fundamentos agrícolas devem ser melhor analisados, e isso vai acabar ocorrendo". Dois fatores terão peso relevante para balizar o mercado no curto prazo, diz Sayeg. No dia 31 de março será apresentada a primeira prévia de intenção de plantio da safra americana. O segundo fator é a regulamentação internacional do biodiesel.

Commodities como açúcar e café, porém, deverão sofrer mais. "O impacto para estes dois produtos pode ser mais severo, considerando que há uma maior oferta global para açúcar e café", diz Rodrigo Costa, também da Fimat Futures, que está sediada em Nova York.

No caso do açúcar, o mercado trabalha com excedente de oferta de produção do Brasil e Índia, os dois maiores produtores mundiais desta commodity. No café, o cenário é mais ou menos parecido, embora o consumo continue ligeiramente maior que a produção global para esta safra 2007/08. Costa lembra que faz projeções preliminares em meio às incertezas do mercado sobre o impacto da crise.

No início deste ano, boa parte dos fundos alocou posições para as commodities agrícolas. Neste contexto, até o açúcar, cujos fundamentos permanecem negativos, foi beneficiado. "Seria até inocente achar que a recessão americana não afetaria as commodities agrícolas", afirma Costa. O algodão está entre os poderão até sentir uma queda do consumo mais prolongada, por não se tratar de um produto de necessidade básica. Mas isso ainda não aconteceu.

Fernando Lopes, Patrick Cruz, Monica Scaramuzzo.