Ganha quem produz melhor
Brasil ainda é o país que fabrica etanol com tecnologia mais avançada, mas pesquisas se espalham pelo mundo e muitos concorrentes aceleram o passo para ocupar a posição
Nenhum país é tão competitivo como o Brasil em agroenergia. Produtora do etanol mais barato que existe e do biodiesel mais versátil, a indústria nacional se aproveita das vantagens climáticas e de solo para ganhar produtividade ou testar novas espécies de plantas. Nada disso, porém, significa garantia de liderança até a próxima década sem pesquisa e investimentos. Atuais e futuros concorrentes avançam para ocupar espaços na acirrada corrida dos biocombustíveis.
Os Estados Unidos, apesar de serem recordistas na fabricação de álcool, já testam há pelo menos cinco anos tecnologias economicamente viáveis consideradas de segunda geração. Uma delas é a que extrai energia a partir do hidrogênio. A outra, busca na celulose etanol de melhor qualidade e conta com nada menos do que US$ 1,6 bilhão reservados para pesquisa. Em biodiesel, a maior potência econômica do planeta também quer ser hegemônica. E isso explica por que parte da frota de ônibus urbanos das grandes cidades rodam com combinações de diesel processado de oleaginosas como a soja.
Décio Luiz Gazzoni, membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) e do Painel Científico Internacional de Energia Renovável, acredita que as maiores inovações virão mesmo de quem investir mais. O especialista adverte que o Brasil não pode “deitar em berço esplêndido”. “De repente, aparece um país com uma pesquisa nova e nos derruba”, resume. Para ele, a cana-de-açúcar é e será imbatível pelos próximos 20 anos, o que dá aos agentes privados e ao setor público a estratégica oportunidade de, nesse período, afinar parcerias, otimizar a aplicação dos recursos e descobrir outras formas de produção. “Estamos começando a bater no limite das ferramentas conhecidas”, diz.
Se é verdade que pesquisa é movida a dinheiro, a Europa desponta como outro pólo importante na vanguarda do conhecimento voltado à agroenergia. Maior produtor e consumidor europeu de biodiesel, a Alemanha, por exemplo, tem mais de 1 mil postos de combustível que vendem o B100 (100% de óleo vegetal). O Reino Unido comemora avanços na fabricação de álcool de milho e até de grama. Na França, os investimentos públicos e privados deverão chegar a 3 bilhões de euros até 2010 para ampliar o volume de etanol extraído do trigo.
Hora de reagir
De acordo com José Carlos Toledo, presidente da União dos Produtores de Bioenergia (UDOP), ganha quem consegue somar esforços. “Quanto mais entidades estiverem nessa sintonia, menos a gente vai apanhar”, completa. Representante do setor sucroalcooleiro, Toledo avisa que as universidades precisam se integrar melhor ao boom do etanol. “Formar pessoas qualificadas é fundamental. Por isso, estamos tentando viabilizar a criação de cursos novos, como o de engenharia açucareira”, revela.
Técnicas genuinamente brasileiras despertam a curiosidade dos emergentes. O México pretende produzir etanol à base de cana e, para isso, busca atrair empresas brasileiras oferecendo incentivos fiscais, terras baratas e acesso a mercados sem restrições. China, Índia, Malásia e Indonésia também se inspiram no sucesso do Brasil para se tornarem fornecedores de biocombustíveis em menos de 15 anos. Entre os vizinhos brasileiros, a Colômbia mobiliou recentemente grandes esforços públicos e privados e está aumentando o cultivo de cana e mandioca para fabricar álcool. A Argentina, até pouco tempo o mais cético, ensaia parcerias nas áreas de biodiesel e etanol.
Chefe-geral da Embrapa Agroenergia, Frederico Durães afirma que o país não está de costas para o que vem ocorrendo no planeta. “Não se trata de uma repetição dos ciclos da borracha ou do café. Estamos agregando conhecimento e tecnologia”, explica. Segundo ele, empresas e governo buscam a sintonia ideal e, ao contrário do que se imagina, os recursos financeiros não são poucos. “Também pesquisamos tecnologias de ponta, assim como os ricos. Por outro lado, precisamos buscar o melhor rendimento de plantas que conhecemos e estamos no caminho”, reforça.
A CORRIDA
O que os atuais e os futuros concorrentes do Brasil estão fazendo para garantir espaço
Estados Unidos
Maiores produtores de etanol do mundo. O biodiesel já é utilizado em frotas de ônibus urbanos. Está na vanguarda
da pesquisa com hidrogênio e álcool extraído de celulose
México
Quer produzir etanol à base de cana. Não possui tecnologia própria e busca atrair empresas brasileiras. Oferece incentivos fiscais e terras baratas, além de acesso a mercados sem restrições
Colômbia
Utiliza a cana e a mandioca para fabricar álcool. A indústria de biodiesel está em crescimento graças aos recordes nas lavouras de palma (dendê)
Argentina
Com recordes de produtividade em soja e milho, ensaia parcerias na área de biodiesel e etanol. Há plantações de cana, mas o lobby dos
produtores de açúcar barra a pesquisa
Alemanha
Maior produtor e consumidor europeu de biodiesel. Postos de combustível vendem o B100. Negocia a importação de etanol, mas investe pesado no desenvolvimento tecnológico
Reino Unido
Pesquisa a fabricação de álcool a partir de trigo, milho e grama. Produz açúcar de beterraba e quer ampliar a produção para atender à demanda por etanol.
França
Investimentos da ordem de 3 bilhões de euros até 2010 pretendem ampliar o volume de etanol extraído do trigo. Em biodiesel, aposta no aumento do cultivo da canola
China
Quer produzir mais biocombustíveis a partir de um cereal chamado sorgo doce e de um tipo de couve nativa
Índia
Produz etanol do melaço da cana. Tem grande interesse em produzir biodiesel e álcool em países emergentes como o Brasil. Investe em pesquisa de tecnologias de segunda geração
Malásia
Planeja triplicar as exportações de biodiesel nos próximos cinco anos. Maior produtor mundial do óleo de palma (dendê)
Indonésia
Propõe revitalizar sua agricultura e explorar o boom dos biocombustíveis. Garante subsídios a produtores e quer fechar acordos que podem chegar a US$ 15 bilhões em 2010
África do Sul
Busca saídas eficientes e baratas para extrair etanol da mandioca. Conta com bons estoques de milho e açúcar que também podem ser utilizados. Propõe ao Brasil projetos em biodiesel
Luciano Pires