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Biodiesel

Especial Ceará: os problemas enfrentados


Diário do Nordeste - CE - 16 fev 2008 - 15:42 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Safra pode ser prejudicada por atraso na entrega

Fetraece diz que 35% dos agricultores cadastrados ainda não receberam as sementes de mamona

O atraso na entrega das sementes de mamona para os produtores cadastrados no programa do biodiesel deve prejudicar a safra da oleaginosa em 2008. De acordo com o presidente da Fetraece (Federação dos Trabalhadores Rurais do Estado do Ceará), Moisés Braz Ricardo, cerca de 35% de todos os produtores que se comprometeram a destinar parte de suas propriedades à produção da baga ainda não receberam as sementes selecionadas, que vêm integralmente subsidiadas.

´Praticamente todos os municípios do Norte do Estado ainda estão esperando pela distribuição´, afirma. O atraso pode ter efeitos danosos ao desempenho da produção atingida no campo, já extremamente vulnerável às intempéries climáticas por conta do predomínio do cultivo em sequeiro — sem uso de irrigação.

Como em algumas localidades choveu já no fim de janeiro, o ideal é que os produtores, tendo recebido as sementes, já tivessem iniciado o plantio. ´A situação só não será pior porque muita gente está usando os estoques da safra passada´. A utilização destes grãos, contudo, traz riscos de produtividade inferior. Ao contrário das variedades distribuídas pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário, que são geneticamente modificadas para o máximo desempenho e para se adaptarem melhor às condições do solo e do clima do sertão, os grãos usados pelos agricultores são produtos da colheita passada que certamente não alcançaram o mesmo desempenho. ´Quem está plantando deste jeito, certamente vai amargar uma colheita menor. Mas é melhor do que ter de esperar e perder o inverno´, contrapõe o presidente da Fetraece.

Três regiões afetadas

O secretario de Desenvolvimento Agrário, Camilo Santana admite o atraso nas regiões Norte, da Ibiapaba e no Médio e Baixo Jaguaribe. Contudo, diz que os dias a menos não vão prejudicar a colheita porque as chuvas ainda não bastaram para o começo do plantio. ´Estamos ainda em um período de veranico´, afirma. Conforme Santana, a explosão de demanda no mercado de sementes fez com que o item escasseasse no mercado, mesmo a preços estratosféricos.

´Um de nossos fornecedores não teve condições de fazer a entrega e tivemos de partir em busca de outras alternativas´, diz o secretário.

Hoje, o fornecimento é oriundo principalmente de produtores de sementes da Bahia, de Goiás e de Minas Gerais. A participação de fornecedores locais ainda é bastante tímida.

Lote emergencial mais caro

O lote emergencial, adquirido na Bahia e em Goiás, veio a um preço bem salgado: R$ 7, enquanto as compras programadas chegavam a ser fechada por até metade deste valor. Com a entrega da última remessa, prevista para ocorrer logo no começo da segunda quinzena deste mês, a SDA promete retomar a distribuição e concluir a entrega em todos os municípios descobertos.

Segundo Santana, a variedade que está sendo distribuída, a BRS Energia, tem um ciclo produtivo de 120 dias. Ou seja, o agricultor precisa de aproximadamente quatro meses entre o plantio e a colheita. ´Das 170 toneladas que foram compradas, 110 já estão nas mãos dos produtores´, diz.

Usinas Ceará

Mapa cearense do biodiesel

Convívio com o gado é entrave

Áreas usadas para o plantio da mamona precisam de cercas e não servem como forragem para os animais

Carente de atrativos mais evidentes como a abundância de metais preciosos e com solo inadequado para o cultivo da cana-de-açúcar, o sertão nordestino teve seu povoamento desenvolvido a partir da criação de gado, ainda no Período Colonial. Para abastecer as cidades que se formavam na faixa litorânea, embaladas pelo ciclo açucareiro voltado para a exportação que projetava o agreste, fazendas eram formadas no interior da Região para criar produzir a carne, o leite o couro.

Hoje, o sonho de ver a região se tornando referência na geração de agroenergia esbarra na resistência que alguns agricultores ainda têm em tentar conciliar o cultivo da mamona, cujos efeitos tóxicos às criações em caso de ingestão são largamente conhecidos, com a atividade que está entranhada nos costumes locais.

O perigo de contaminação e morte dos animais é real. ´Toda a planta possui ricina e ricinina, toxinas capazes de causar o óbito porque paralisam os músculos do animal, inclusive os cardíacos´, explica o assessor de Cultivo de Oleaginosas da Ematerce, Valdir Silva.

´Diferente dos outros estados, onde a população vinha do litoral para o interior, foi a partir do sertão que começou o povoamento cearense´, explica o pesquisador em História do Ceará e professor da UFC, Américo Souza.

O historiador aponta que foi a partir da pressão por mais espaço para o plantio da cana, que ganhava força no mercado internacional, que os séculos XVII e XVIII assistiram ao deslocamento de vaqueiros e seus animais para o sertão. ´Como pontuava Capistrano Abreu [historiador cearense do século XIX], o Ceará viveu uma civilização do couro, tendo a pecuária como atividade econômica capaz de moldar toda a cultura de seu povo´, acrescenta.

Diante deste contexto, Américo Souza acredita ser difícil levar o agricultor a optar pela mamona ao invés do gado. ´O algodão só teve êxito porque permitia o consórcio com os animais´, argumenta.

Para driblar o risco, basta a instalação de uma cerca de contenção ao redor da área de cultivo, barrando o acesso dos animais. Um investimento que terá de ser feito pelo próprio produtor, sem contar que, em caso de estiagem, quando qualquer planta comestível faz a diferença para a sobrevida dos animais, toda a área usada para plantar mamona não servirá de comida para a criação.

O temor de que a proximidade com as mamoneiras provocasse a morte de seus animais impediu que seu Antônio Leite de Pessoa engordasse as estatísticas de adesão ao programa do biodiesel em Quixadá.

Em seus 25 hectares, só há espaço para as vacas leiteiras, as cabras e as galinhas, à exceção de uma pequena faixa para plantar milho e feijão, que seguem direto para a mesa da família e cuja forragem alimenta os bichos. ´Alguns vizinhos estão cadastrados e tenho lugar para plantar. Mas criar é um negócio melhor porque a mamona é traiçoeira´, afirma.

Predomínio do arrendamento prejudica

Donos de terra não aceitam que arrendatários plantem mamona para garantir a forragem de seus animais

A estrutura de produção agrícola no sertão tem traços que remontam ao modo de produção feudal, característico da Idade Média da Europa Ocidental. Assim como os senhores feudais — donos dos grandes lotes de terra denominados feudos — tinham seus servos para fazer o trabalho braçal e repassar parte da produção como remuneração pelo solo, os donos das terras do semi-árido deixam que trabalhadores as explorem em troca de um quinhão do que plantam.

Conforme a Fetraece (Federação dos Trabalhadores Rurais do Estado do Ceará), cerca de 470 mil famílias cearenses vivem de um solo que não é delas. ´Mesmo com os assentamentos, a propriedade ainda é muito mal distribuída´, critica o presidente da entidade, Moisés Braz Ricardo.

Como no sertão cearense ainda predomina a agricultura de subsistência, o modelo ganha uma nova roupagem. A pouca produção fica apenas nas mãos de quem a plantou, restando ao dono do terreno a forragem — restos das plantas usadas de safra para safra — gerada com o cultivo, usado para alimentar o gado que pertence a quem cede a terra. Em se tratando do plantio da mamona, um dilema salta aos olhos: que forragem os agricultores poderão oferecer aos donos do chão, se todo o resíduo da planta é tóxico aos animais?

Na região de Crateús, apenas 1,5 mil dos 23 mil produtores são donos das áreas onde plantam, revela a presidente do sindicato da categoria, Francisca Rodrigues Sousa. ´Como o patrão tira sua renda do gado, ele não abre mão de plantas que sirvam de ração para ele´, comenta. A combinação entre as partes é apenas verbal, mas tem peso suficiente para impedir o deslanche da zona destinada ao mamoneiro.

Este foi o motivo que impediu o agricultor Antônio Gomes da Silva, morador do distrito de Itapuiará, de buscar apoio para fazer o plantio da mamona na terra da qual é arrendatário. Para 2008, os planos incluem apenas o plantio de feijão e do sorgo e a destinação de um espaço para a forragem que alimentará o gado do dono do terreno. ´Muita gente da vizinhança está com vontade de tentar de novo, mas o meu patrão quer garantir a ração dos bichos´, conta.

Com os cultivos tradicionais, o fim da colheita marca a fartura de alimento para os animais. O terreno que antes detinha as plantas tem suas cercas retiradas para que a criação ganhe peso e resista melhor à estiagem que se seguirá.

Cultura do absenteísmo

O historiador Américo Souza reconhece no perfil de concentração fundiária que persiste ainda hoje mais uma decorrência da estrutura de exploração e povoamento vivenciada no Período Colonial. ´Durante o auge da produção açucareira, a elite que detinha os grandes lotes de terra fazia questão de viver nas zonas próximas aos grandes engenhos ou nas cidades que floresciam, como Olinda e Recife´, frisa.

Para que a terra fosse explorada e os produtos obtidos do gado chegassem à população açucareira, os donos delegavam aos vaqueiros a administração destes lotes, inaugurando o ciclo do arrendamento rural no Nordeste, ´marcado pelo absenteísmo´.

LEÔNIDAS ALBUQUERQUE
Diário do nordeste