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Escândalo da Agrenco testará mercado


Valor Econômico - 23 jun 2008 - 05:20 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:06

Os problemas com a Agrenco, prestadora de serviços de comercialização e logística para o setor de agronegócios, serão o primeiro grande teste do mercado para a febre das aberturas de capital no país. A companhia listou seus papéis na Bovespa em outubro do ano passado, quando captou R$ 666 milhões. Foi uma entre as 64 novas empresas que listaram papéis na bolsa em 2007.

Na sexta-feira, a Polícia Federal prendeu executivos da companhia, entre eles os sócios fundadores Antônio Augusto Pires Júnior e Antônio Iafelice, sob a acusação de terem maquiado balanços financeiros da companhia, a fim de esconder desvios de recursos em benefício próprio. A operação da PF, denominada "Influenza", deteve mais de 20 pessoas. Entre as acusações sobre os envolvidos no esquema investigado estão sonegação fiscal, remessa ilegal de dinheiro ao exterior, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, falsidade ideológica e corrupção ativa e passiva.

"O problema é que se trata de um cardápio de acusações muito ruim para o mercado", afirma Edison Garcia, superintendente da Associação de Investidores do Mercado de Capitais. Ele acredita que o caso pode gerar cautela adicional por parte dos aplicadores. Além disso, pode afastar investidores que pensavam em colocar dinheiro na bolsa. "O caso terá que ser averiguado em profundidade e, para isso, terão de ser usados todos os procedimentos de regulação e auto-regulação. Que se façam as punições necessárias."

João Batista Fraga, superintendente de relações com empresas da Bovespa, também admite que o impacto para o mercado de capitais brasileiro é negativo. "Acusações desse tipo sempre têm reflexo ruim. Não há como ser diferente."
Ações da Agrenco
A notícia sobre a ação policial fez as ações da companhia caíram quase 47% só na sexta-feira, até os negócios serem suspensos pela Bovespa, que pediu esclarecimentos à empresa. Na quinta-feira, os papéis já acumulavam perda próxima de 80% sobre o preço de estréia no pregão paulista, que foi de R$ 10,40.

Até então, a desvalorização era fruto dos problemas de liquidez financeira da companhia. Ao final de março, a empresa tinha dívida de R$ 1,2 bilhão, dos quais mais de 80% venciam em doze meses. Para honrar esses compromissos, contava com um caixa de R$ 52,5 milhões. Para tentar aliviar as dificuldades, planejava uma possível nova emissão de ações, da qual poderia obter cerca de R$ 110 milhões - antes do tombo da sexta-feira.

A companhia já estava entre as piores histórias de abertura de capital. O fato de ter sido assessorada por instituições com larga experiência no processo de abertura de capital não impediu que decepcionasse logo na estréia. No primeiro dia, os recibos de ações (BDRs) da companhia caíram 14,23%. Atuaram na coordenação da Agrenco na bolsa o banco Credit Suisse, os escritórios Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados e Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. Os números da empresa eram assinados pela KPMG- uma das quatro maiores firmas de auditoria do mundo.

A revitalização do mercado de capitais, que trouxe uma onda de novas companhias à Bovespa, foi produto de uma combinação de fatores, que vão desde à melhora na economia doméstica, passam pela elevada liquidez internacional de recursos e incluem esforços de evolução das regras de governança no país. É, porém, de amplo conhecimento que os bancos e escritórios de advocacia também estimularam essa expansão. Bateram na porta de companhias e ofereceram a abertura de capital como um produto: promessa de crescimento e liquidez para parte do patrimônio dos controladores.

No auge das estréias na Bovespa, os investidores começaram a criticar alguns modelos usados pelas novatas. Um dos mecanismos alvo dessas críticas foram os empréstimos fornecidos às empresas pelos bancos que coordenavam as emissões de ações.

A Agrenco está justamente entre as companhias que vieram à mercado com essa estrutura. De acordo com o prospecto da oferta de ações, 67,5% da captação na bolsa foi usada para pagar empréstimos e 24,5% para abastecer a empresa de capital de giro - o que já indicava a fragilidade financeira. Dos R$ 425,5 milhões dedicados a honrar as dívidas, mais da metade foi destinado ao Credit Suisse, coordenador da abertura de capital, principal credor da companhia. Procurado, o banco optou por não comentar o assunto.

Por conta das transações relacionadas à estruturação da oferta, o banco também possui fatia de 6,9% do negócio. Segundo fonte próxima à operação, o Credit Suisse recebeu essas ações, que teria que manter por um determinado período, como parte do pagamento pela colocação dos papéis no mercado. O banco continua como acionista da Agrenco, mas não indicou representantes para o seu seu conselho e não participava do processo de reestruturação da dívida iniciado antes dos problemas policiais da semana passada.

Para o banco, além dos problemas de menor liquidez do mercado e de questões específicas ligadas à alta dos preços da soja (veja matéria abaixo sobre agronegócio), a Agrenco também estaria enfrentando maior dificuldades para tomar crédito em função do pedido de recuperação judicial da Selecta, em maio, também em decorrência da escalada das cotações da commodity.

Por causa do modelo adotado no lançamento das ações, a companhia passou pelo crivo de investidores antes mesmo de chegar ao pregão. Ao iniciar as conversas preliminares sobre a estréia na bolsa, a faixa de preço pensada era de R$ 16 a R$ 21 por ação. Quando efetivamente foi lançada a oferta, esse intervalo foi reduzido para R$ 13 a R$ 17. Mas os BDRs foram vendidos a R$ 10,40.

Na sexta-feira, os papéis da Agrenco estavam cotados a R$ 1,25, quando veio a suspensão das transações. Para enfrentar os possíveis reflexos ruins para o mercado, Fraga, da Bovespa, enfatiza que haverá cobrança por transparência. "A companhia vai ter que se explicar. Contar a verdade para o investidor." Após prover os esclarecimentos solicitados pela bolsa, as transações serão reabertas. Haverá continuidade das negociações, normalmente. "Tem que separar o negócio do controlador, na hora boa e na ruim. Não dá para esperar terminar toda a investigação. Enquanto isso, cobraremos as informações da empresa." (Colaborou Célia de Gouvêa Franco, de São Paulo)

Por Graziella Valenti e Ana Paula Ragazzi, de São Paulo

Tags: Agrenco