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Bovespa pede mais informações a Agrenco


Valor Econômico - 11 jul 2008 - 06:01 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:06

Os negócios com as ações da Agrenco foram suspensos ontem na Bovespa à espera de maiores informações sobre a aquisição da companhia. O futuro da empresa pode ser definido ainda hoje, se o Louis Dreyfus Commodities decidir pelo aporte de US$ 33,5 milhões na controladora da Agrenco, o que a tornará a dona da trading envolvida em uma investigação da Polícia Federal.

A principal dúvida que paira sobre a negociação é se haverá ou não oferta aos minoritários e em quais circunstâncias. A questão é pertinente porque a Dreyfus, após tomar conhecimento de uma oferta concorrente feita pelo grupo asiático Noble à administração da Agrenco, alterou algumas das condições para seu ingresso na companhia.

Entre as mudanças está a retirada da exigência de que não haja oferta aos minoritários. O grupo francês agora aceita comprar as ações dos demais acionistas. Porém, não está nada claro se isso acontecerá.

De acordo com um porta-voz da Agrenco, essa questão não foi respondida no comunicado divulgado na quarta-feira à noite porque a definição passa pela negociação final com a Dreyfus. Há expectativa, portanto, que alguns questionamentos sejam esclarecidos até hoje.

A decisão sobre uma eventual oferta aos acionistas passa por um complexo quebra-cabeças. A Agrenco Limited têm recibos de ações negociados na bolsa paulista, conhecidos pela sigla em inglês BDR, pois trata-se de uma empresa estrangeira, com sede nas Bermudas. A companhia, portanto, não precisa seguir a Lei das Sociedades Anônimas, que obriga oferta aos minoritários em caso de troca de controle.

No entanto, a própria empresa possui uma regra em seu estatuto social que obriga uma proposta aos demais acionista quando um investidor — que não o controlador — alcançar fatia de 20% do negócio.

A proposta aos investidores deveria embutir um prêmio de 50% sobre o valor econômico do negócio, que pode ser calculado de cinco diferentes formas, conforme decisão do conselho de administração da companhia.

Mas, até o momento, não está explicado qual será a fatia da Dreyfus na companhia controladora, Agrenco Holding, e na empresa aberta, a Agrenco Limited. Anteriormente, a companhia havia assumido que teria de modificar seu estatuto para ajustar a chegada do grupo francês na sociedade. Agora, porém, faltam informações.

As respostas para essas perguntas também serão usadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para avaliar o caso.

A autarquia, em entrevista anterior ao Valor, esclareceu que a empresa não está subordinada à Lei das S.A., mas que a questão da oferta aos minoritários seria avaliada à luz do estatuto da empresa. Para tanto, o regulador explicou que seriam necessárias informações adicionais, como a participação final do grupo francês.

No Brasil, são poucas as regras que limitam as liberdades da companhia estrangeira com recibos de ações negociados. Nos Estados Unidos, a regra geral para emissores de títulos no país estabelece que a empresa estrangeira ficará sob o guardachuva das normas locais em algumas circunstâncias.

A Securities and Exchange Commission (SEC), a CVM americana, diz que seguirão suas regras aqueles que tiverem maioria da diretoria composta por cidadãos americanos, mais de 50% dos ativos em solo nacional e cujas decisões forem tomadas em sede no país. Se o Brasil tivesse uma regra similar, a Agrenco se encaixaria nessa descrição.

Antes da operação da Política Federal, que levou à prisão de três dos controladores e executivos da empresa, a Agrenco já planejava um aporte de capital por um sócio e, por isso, havia marcado uma assembléia de acionistas para hoje. Entre os temas do encontro estava a flexibilização da regra que dispara a necessidade de oferta. A companhia propunha o aumento do limite ao sócio novo de 20% para 25%. Até ontem, a empresa não havia modificado a convocação dessa assembléia.

Credit Suisse reduz participação na empresa para 5%
O banco de investimentos Credit Suisse, coordenador da oferta de ações que levou a Agrenco à Bovespa, vendeu parte das ações que possui na companhia entre maio e junho. A instituição recebeu 6,9% do capital da empresa na época da listagem de ações, em outubro do ano passado. Agora, ficou com 5%.

A atualização da informação sobre a participação do banco foi feita nesta semana por meio de documentos enviados à Comissão de Valores Mobiliários. Pela cotação média do período, teria conseguido obter cerca de R$ 11 milhões com os negócios em bolsa.

Os papéis que recebeu da companhia eram parte de um prêmio pelo sucesso na estruturação de um empréstimo, com diversos outros bancos, um ano antes da abertura de capital, que liberou uma linha de US$ 150 milhões à empresa. Desse total, US$ 120 milhões foram efetivamente utilizados. Os recursos cedidos eram destinados, principalmente, à construção de duas usinas esmagadoras de soja que dariam “corpo” ao negócio, para que a empresa pudesse ser levada à bolsa — o que ocorreu um ano depois.

O empréstimo concedido pelos bancos e sua remuneração foram pagos com parte dos R$ 666 milhões obtidos na oferta inicial de ações na Bovespa. Do total cedido à empresa, o Credit Suisse respondia por 20%. As ações que o banco ganhou não eram para abater desse empréstimo ou pagar os juros do dinheiro. Funcionavam como uma taxa de sucesso, que os demais bancos optaram por receber em dinheiro, num total de US$ 27,6 milhões.

Assim como os sócios controladores da companhia, o banco ficou obrigado a manter os papéis até, pelo menos, abril deste ano. Foi a partir da liberação desse prazo — quando a empresa já valia cerca de 40% do valor pelo qual foi negociada na estréia da bolsa — que o banco começou a vender sua parte.

Nessa época, em que decidiu alienar suas ações, a instituição, já havia alertado a administração da empresa para a difícil situação financeira em que eles se encontravam, com elevadas dívidas de curto prazo e caixa apertado.

Nesse mesmo período em que o banco vendia seus papéis, circulava no mercado um relatório da área de análise da instituição indicando a compra dos papéis aos investidores por um valor (R$ 19) quase 90% superior ao preço de estréia da bolsa.

Pelas cotações de terça-feira passada, a fatia que o Credit Suisse ainda possui na Agrenco equivale a R$ 10,8 milhões. Quando recebeu o prêmio, a fatia do banco suíço equivalia a R$ 110 milhões — considerando o preço da abertura de capital de R$ 10,40.

O prêmio recebido pelo Credit Suisse era substancialmente maior do que a remuneração obtida pelos serviços prestados à empresa. A taxa do empréstimo de US$ 120 milhões, do qual o banco compareceu com 20%, era de Libor mais 4% ao ano. Pelos serviços da abertura de capital, a Agrenco pagou R$ 30 milhões a todos os bancos que participaram da operação. Só com a coordenação foram gastos R$ 6 milhões.

Abertura de capital preocupava PF
O processo de abertura de capital da Agrenco e as possíveis conseqüências para os investidores que comprariam as ações da empresa foram motivo de preocupação da Polícia Federal, durante as investigações que levaram à prisão de três dos principais executivos da companhia. Eles são acusados de crimes de desvio de dinheiro, fraude de balanços, sonegação de impostos, entre outros.

O delegado Airton Takada, responsável pela Operação Influenza, que no dia 20 de junho prendeu 24 pessoas, disse ontem que a investigação que a PF vinha fazendo desde o meio do ano passado mostrava que havia dificuldades financeiras na Agrenco. A PF grampeou telefones e monitorou mensagens de e-mail durante os meses de investigação. A empresa lançou ações em outubro.

“As gravações sempre falavam de dificuldades financeiras. Essa era a nossa principal preocupação”, explica o delegado. “Quando deflagramos a operação, queríamos levar a verdade aos pequenos investidores: que a Agrenco, à época da operação, não possuía a imagem de empresa sólida que passava. Isso não significa que hoje não seja. A empresa tem potencial enorme de faturamento e até lamentamos que tenha sido tão mal gerida”, afirmou.

A operação de lançamento de papéis na bolsa poderia ter sido suspensa se as informações sobre as investigações tivessem chegado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que analisava o processo. Entretanto, isso não aconteceu. Segundo a PF, não houve denúncia à autarquia sobre a situação da empresa porque a investigação estava no meio e não havia provas concretas sobre os crimes, que começaram a aparecer a partir da apreensão de documentos, computadores e com a análise que vem sendo feita em cima disso.

O delegado afirma que a PF sabia dos efeitos que a Operação Influenza teria no mercado. “Sabíamos que poderíamos causar um abalo até na forma de a CVM regrar esse tipo de abertura de capital. Acho que o nosso sistema é muito frágil, pela própria forma como a Agrenco ofereceu as ações.”

A PF sabia que a situação financeira da empresa era complicada porque os próprios diretores da companhia comentavam o assunto nas gravações e porque “era muito evidente que quase todo patrimônio da Agrenco era sustentado por financiamentos”. “A movimentação da diretoria, sempre buscando financiamentos, era bem latente”, diz.

Segundo Takada, as condições da empresa também ficaram evidentes por meio de outros fatos. Servidores da Cidasc (companhia de fiscalização agrícola estadual) são acusados de formular certificados de depósito de grãos que não correspondiam à realidade. “Diziam que a Agrenco possuía mais grãos do que realmente tinha, justamente para a empresa pegar aquele documento e conseguir uma linha de crédito”, afirma.

Para o delegado, a empresa (a pessoa jurídica da Agrenco), de fato, é uma vítima da situação. “Nunca consideramos a Agrencoumalvo de investigação.” As acusações recaem sobre três executivos, que foram afastados: Antônio Augusto Pires Jr., ex-diretor de operações, Antônio Iafelice, ex-presidente, e Francisco Ramos, ex-diretor institucional, além de outras pessoas que foram presas na operação.

A investigação vem evoluindo de forma lenta, segundo o delegado. Ele conseguiu prorrogar por mais 15 dias o inquérito que apura estelionato, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, crimes contra o sistema financeiro e corrupção ativa e passiva. Ele diz que tem muito ainda para esclarecer, embora tenha avançado no entendimento de alguns fatos e na confirmação de algumas condutas ilícitas que a PF havia vislumbrado.

Um dos esclarecimentos que a PF conseguiu, segundo Takada, é que a operação simulada de soja, que se pensava ser uma exportação fictícia, é um pouco diferente. “Inicialmente, como sabíamos que a soja jamais havia saído dos armazéns do produtor (Elói Marchetti), achávamos que havia sido feita uma exportação fictícia, mas a exportação de fato houve, pelo que pudemos constatar ouvindo as pessoas envolvidas”, diz. Segundo ele, trata-se de uma operação feita com soja que teria sobrado naempresa Terlogs, pertencente à Agrenco e responsável por operação de terminal e armazéns de grãos para exportação.

A Terlogs, segundo o delegado, tem capacidade de armazenamento de 120 mil toneladas, “e em um determinado dia, sobraram 3,2 mil toneladas de soja”. A soja não pertencia à Agrenco e apenas estava apenas depositada na Terlogs. “Os executivos) venderam a soja, pegaram uma nota fiscal de um produtor (Elói Marchetti) e exportaram, sendo que esse dinheiro foi parar no bolso dos executivos”, afirma. “Eles simularam uma compra de soja, que era só para dar um embasamento legal para aquela soja que sobrou no armazém e que exportaram.”

Segundo o delegado, o produtor Elói Marchetti, que foi ouvido pela PF, disse que houve a venda, mas a Agrenco não retirou a soja. “De fato foi uma operação simulada porque essa nota fiscal foi emitida, o produtor de soja não entregou mercadoria nenhuma, e a Agrenco, através dos seus então diretores, exportou essa mercadoria”, reafirma o delegado. Os dados que temos no inquérito é que Marchetti fez a venda consciente de que jamais entregaria essa mercadoria. Ele fez como se fosse um favor porque a Agrenco era parceria dele”, acrescenta o delegado, afirmando que os executivos da Agrenco inclusive foram os pagadores do imposto da operação. Um imposto que, na verdade, segundo o delegado, cabia ao produtor.

Takada diz que a operação simulada de soja foi um exemplo de várias condutas ilícita. Ele afirma que não houve outras operações simuladas de soja constatadas até então pela PF.

O delegado também revela que os diretores da Agrenco demonstraram pretender adquirir ações da empresa para vender em um momento de alta de preços. “Pretendiam fazer um financiamento para adquirir ações, e depois que implantassem três usinas de biodiesel, eles acreditavam que esses títulos subiriam, e este então seria o momento em que venderiam. Comprariam na baixa, em nome de terceiros (laranjas), e depois venderiam na alta.” Segundo o delegado, tratam-se de três usinas de biodiesel, uma no Alto Uraguaia, uma em Caarapó e outra no interior do Paraná. “Não sabemos se essa operação (das ações) se concretizou. Não concluímos ainda essa parte da investigação”, diz. A pretensão de investimentos em ações era de US$ 20 milhões, segundo a investigação apurou.

Além dessa operação, o delegado também detalhou ontem um exemplo de maquiagem de balanço, em queumapessoa, cujonome não foi revelado, diz ser devedor da Agrenco, quando na realidade era credor. Segundo ele, a pessoa disse que concordou em se colocar na posição de devedor porque tinha interesse. “Essa pessoa foi do quadro da empresa e possui ações da Agrenco”, disse o delegado.

Sobre a maquiagem de balanços, o Takada destacou que “a KPMG pode não ter encontrado fraudes, mas isso não significa que não tenham existido”. Takada diz que a PF não mensurou o valor das fraudes que teriam sido cometidas pelos executivos. Ainda ontem, cinco pessoas seguiam presas na carceragem da PF em Florianópolis por conta da operação. Iafelice seguia em prisão domiciliar.

Tags: Agrenco