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Biodiesel

O biodiesel na hora da verdade


Luiz A. Horta Nogueira - Estadão - 07 fev 2008 - 11:44 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

A partir de 2008 se supõe que todo o diesel no Brasil contenha 2% de biodiesel, como determina a Lei 11.097, de 2005. Assim, busca-se implementar o Programa Brasileiro de Biodiesel, ampliando o papel das fontes renováveis na matriz energética e gerando emprego e renda no meio rural. Há uma grande expectativa com esse programa e investimentos importantes têm sido anunciados, sendo fundamental avaliar sua sustentabilidade e efetuar os ajustes necessários. Permanecem abertas questões relevantes que a sociedade brasileira deve conhecer.

Em princípio, o biodiesel brasileiro poderia ser produzido a partir de diversas oleaginosas, contemplando as aptidões regionais. Ao Nordeste caberia a mamona; ao Norte, o dendê e ao Sul e Centro-Oeste, basicamente, a soja. Embora isso seja possível, a produtividade e os custos energéticos são bem diferentes. Com soja, um hectare produz 600 litros de biodiesel e com dendê pode ultrapassar 5 mil litros. Enquanto a soja apresenta resultados pífios na conversão fotossintética, como o milho na produção de etanol, as palmáceas mostram desempenho semelhante ao da cana. A mamona produz pouco por área plantada e por energia utilizada, mas seu óleo tem alto valor, sendo insensato queimá-lo. Enfim, as matérias-primas não são equivalentes, com indícios suficientes de que a soja e a mamona são opções frágeis e o dendê poderia significar para o biodiesel o que a cana já é para o etanol. Nos anos 1980 eram propostos cultivos alternativos para a fabricação de etanol, como a mandioca, mas a maior eficiência e a integração produtiva asseguraram à cana o papel que desempenha hoje. E o Brasil não seria o exemplo da bioenergia racional em todo o mundo se tivesse promovido a produção de etanol de outra forma. Cultivos inovadores, como o pinhão manso, merecem ser avaliados, mas ainda não dispõem de informações confiáveis para serem aceitos como fontes válidas de biodiesel, com boa produtividade e baixo consumo de recursos naturais.
 

 A mamona produz pouco por área plantada e por energia utilizada, mas seu óleo tem alto valor, sendo insensato queimá-lo.


Sob essa heterogeneidade produtiva, os custos dos óleos vegetais são diferenciados, com um valor de oportunidade em outros mercados que é preciso considerar. Além disso, nas últimas décadas o biodiesel tem apresentado custos bem superiores ao diesel, com limitadas perspectivas de convergência. Tal contexto, mesmo em tempos de altos preços para o petróleo, vem estancando os pesadamente subsidiados programas de biodiesel europeu e americano. Não obstante, com expectativas de estarmos no início de uma curva de aprendizagem, o Brasil tem replicado no biodiesel os mecanismos de suporte bem-sucedidos com o etanol, como a renúncia fiscal, com a novidade do Selo Social, concedendo expressiva redução de tributos aos fabricantes que adquiram parte da matéria-prima de produtores familiares. No caso da soja no Centro-Oeste, utilizada em mais de 90% do biodiesel brasileiro, com apenas 10% do suprimento a partir de pequenos produtores, os tributos federais se reduzem em 68%. Os ganhos sociais nesse caso justificariam o estímulo ao ineficiente biodiesel de soja? Mesmo com total desconto nos tributos, o biodiesel de mamona quase não é produzido e o biodiesel de dendê, que requer maior prazo para a instalação das plantações, também pouco avançou. Por isso, seria interessante reavaliar a política de suporte ao biodiesel, bem como considerar novas e promissoras matérias-primas, como o sebo, com baixo custo e boa qualidade do biodiesel, e o óleo de fritura usado, cujo uso reduz o impacto ambiental em sua disposição final. Outra medida a analisar é a flexibilização do teor de biodiesel, respeitando uma média regional, racionalizando a logística sem afetar a demanda assegurada.

É grande o empenho da sociedade para com o biodiesel. Dada a diferença de preço entre o diesel nas refinarias e o biodiesel nos últimos leilões, o consumo de 840 milhões de litros em 2008 custará mais de R$ 1 bilhão, que tende a se elevar quando novos leilões de biodiesel ocorrerem. Esse valor tem sido coberto mediante renúncias fiscais e diretamente pelos cidadãos via aumentos nos preços dependentes do diesel, mas, mesmo com substituição de diesel importado e eventuais externalidades, é um custo muito elevado ante os modestos resultados alcançados, em que a racionalidade energética é ignorada.

O Brasil pode e merece ter um programa de biodiesel sustentável, não o arremedo filantrópico e pirotécnico que temos até agora.

Luiz Augusto Horta Nogueira é professor da Universidade Federal de Itajubá