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A Agrenco deixou os investidores na mão


Revista Veja - 07 jul 2008 - 05:56 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:06

Em meados de junho passado, o técnico em eletrônica gaúcho Fabrício Santos, de 30 anos, pensou ter descoberto uma mina de ouro na bolsa de valores: papéis da Agrenco, empresa com atividades no agronegócio que havia lançado ações em outubro de 2007, levantando 666 milhões de reais na bolsa brasileira. Valendo-se de cálculos financeiros e tendo como base o patrimônio declarado no balanço da companhia, Fabrício concluiu que as ações deveriam alcançar 4 reais, o dobro da cotação naquele momento. O investidor comprou 40 000 reais em papéis da empresa. Pouco tempo depois, descobriu ter levado gato por lebre. No dia 20 de junho, agentes da Polícia Federal prenderam Antônio Iafelice, fundador e presidente da Agrenco. No mesmo dia, dois outros executivos da companhia foram parar na cadeia. Os três foram detidos pela PF sob acusação de desvio de dinheiro, fraudes no balanço, estelionato, sonegação fiscal, corrupção ativa, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e crimes contra o mercado mobiliário, entre outros. As ações da Agrenco despencaram até terem sua negociação suspensa pela Comissão de Valores Mobiliários (a CVM, xerife do mercado de ações). Os negócios só recomeçaram uma semana mais tarde, com as ações cotadas a um décimo do preço de lançamento.

De acordo com o delegado Airton Takada, encarregado da operação, a companhia simulava exportações de soja pelo Porto de Itajaí, em Santa Catarina. Assim, conseguia inflar o volume de suas vendas externas do produto – que, de acordo com os números divulgados pela empresa, em apenas um ano subiram de 6% para 14,6% de todas as exportações brasileiras de soja. Os controladores também desviaram dinheiro por meio de laranjas e documentos falsos. Novas irregularidades devem surgir com o avanço das investigações. A Polícia Federal ainda está analisando as 500.000 conversas telefônicas e os 120.000 e-mails interceptados. "Temos certeza de que fraudes ocorreram e não duvido que surjam novos envolvidos no processo", diz o delegado. Iafelice foi solto na última sexta-feira por motivo de saúde. Encontra-se em prisão domiciliar.

Investir em ações, sobretudo de empresas novatas, envolve sempre riscos. Mas, no caso da Agrenco, os riscos foram multiplicados devido a fraudes. Resta saber como esses desvios escaparam do escrutínio da empresa de auditoria KPMG, que conferiu os balanços da companhia durante quatro anos e não encontrou nada que justificasse uma simples ressalva, um único alerta aos investidores. Causa perplexidade, ainda, como os banqueiros e advogados envolvidos há apenas um ano no lançamento dos papéis da Agrenco não viram nada de errado com as práticas da empresa. A VEJA, Pedro Melo, sócio-diretor da KPMG, disse que seu trabalho é feito com base em uma amostragem, e que "o objetivo da auditoria não é achar fraudes, mas adequar as operações da empresa às regras contábeis".
Reportagem do Wall Street Journal: corrida de IPOs no Brasil entra em fase de turbulência. Para o jornal, a Agrenco resume os problemas no nosso mercado

Antes das prisões, o Credit Suisse, instituição que coordenou a abertura de capital da Agrenco e chegou a deter 6,9% de suas ações (hoje tem pouco mais de 4%), disse estar otimista quanto à valorização dos papéis em três relatórios distribuídos ao mercado por seu departamento de análise. O último deles foi divulgado no dia 7 de abril, dois meses antes da operação da PF. Internamente, o banco reconhece que os relatórios foram uma infelicidade. Mas alega que seus analistas os redigiram de forma autônoma, pois, por força de lei, eles não poderiam ter contato com os executivos que assessoraram a Agrenco na abertura de capital, interessados na valorização das ações.

No mesmo dia em que os controladores da Agrenco foram presos, a relação entre a empresa e o Credit Suisse foi destaque em reportagem de capa do Wall Street Journal. O jornal de negócios americano questionou a prática dos bancos brasileiros de conceder empréstimos vultosos a empresas que desejam abrir o capital. A reportagem lembra que, nos Estados Unidos, há limites a essa prática, para impedir conflitos de interesse entre os investidores e a instituição responsável por calcular o preço inicial das ações (no caso da Agrenco, esse preço foi sugerido pelo Credit Suisse). Segundo a reportagem, entre pagamento de empréstimos, honorários e tarifas, o Credit Suisse teria ficado com 60% do dinheiro que a Agrenco captou na abertura de capital (o banco diz que esse porcentual é menor). O jornal lembra que a maioria das ações de companhias brasileiras que abriram o capital recentemente está abaixo de seu preço inicial – e o rendimento, inferior ao da média do mercado.

No Brasil, empresas com ação em bolsa são fiscalizadas pela CVM. Por escrito, a presidente do órgão, Maria Helena Santana, disse estar investigando a conduta da Agrenco, de seus controladores, do Credit Suisse e da KPMG. Ela negou qualquer falha do órgão que preside. Segundo Maria Helena, o poder de fiscalização da CVM nesse caso seria limitado, pois, embora fundada por brasileiros, a Agrenco é uma empresa estrangeira com registro incomum na bolsa. "A legislação aplicável não é a brasileira, mas sim a regulamentação de seu país de origem, no caso Bermudas, o que difere fundamentalmente da situação de uma companhia aberta nacional." É uma referência ao fato de os títulos negociados pela Agrenco no Brasil não serem propriamente ações, mas papéis denominados Brazilian Depositary Receipts. Conhecidos como BDRs, esses papéis são certificados que representam ações de uma empresa estrangeira no exterior. No caso da Agrenco Brasil, a companhia tem sede nas Bermudas e suas ações são negociadas em Luxemburgo. Poucos investidores sabiam que se expunham a mais riscos comprando esse tipo de papel.

Em tese, não há nada de errado com a emissão de BDRs. É a maneira encontrada pelo capitalismo moderno para permitir que as companhias captem dinheiro em bolsas estrangeiras. É o que fazem, por exemplo, as companhias brasileiras que lançam "ações" na Bolsa de Nova York. Na verdade, elas emitem American Depositary Receipts (ADRs), um espelho de suas ações aqui no Brasil. O desafio é estabelecer um sistema que permita fiscalizar esse mercado de maneira mais eficiente e impedir que, como no caso da Agrenco, pequenos investidores saiam lesados. Dotar a CVM de mais músculos e ampliar seu raio de ação fiscalizatória talvez seja um dos caminhos.

Tags: Agrenco