Agrenco entra com pedido de recuperação judicial
Depois de uma agonia de pouco mais de dois meses, a Agrenco deu entrada ontem com o pedido de recuperação judicial, na Comarca de São Paulo. A companhia, envolvida num escândalo de fraude por seus controladores, terá a partir de agora dois meses para apresentar um plano aos credores, que visa o restabelecimento dos negócios e o pagamento das dívidas.
A iniciativa foi solicitada por interessados em capitalizar a empresa e ficar com o controle das atividades, segundo o gerente de relações com investidores da Agrenco, Marco Antonio de Modesti. Ele contou que o processo de negociação continua. Há seis interessados em conversações com o banco JP Morgan, contratado para conduzir essa etapa — entre os quais o grupo francês Louis Dreyfus, o asiático Noble e a suiça Glencore. Segundo ele, a chance de sucesso na negociação cresceu após essa decisão.
Joel Bastos, advogado contratado pela companhia para conduzir o processo de recuperação, explicou que dessa forma a companhia ficará protegida por 180 dias contra ações de credores. “Nada mais é do que um acordo ordenado entre as partes, coordenado pelo Judiciário.” A companhia apresentará suas possibilidades e os credores aprovarão os termos em assembléia.
Já para os interessados em trazer dinheiro novo à empresa, é uma segurança. Os recursos que chegarem ao negócio são focados na continuidade e no restabelecimento do equilíbrio das operações. Além disso, tal dinheiro tem status diferenciado, na hipótese de falência. O pagamento desses recursos tem prioridade até mesmo sobre o Fisco.
Modesti, enfatizou, porém, que não é considerada a possibilidade de falência. “Todos os esforços estão voltados para a continuidade do negócio.” O executivo contou que um grupo de credores representantes de um terço dos débitos, entre os quais Bradesco BBI e Santander, apóiam a iniciativa. A companhia vem mantendo diálogo com os financiadores. Com a abertura oficial dos trabalhos de recuperação, todos os credores serão envolvidos na negociação.
A possibilidade de recuperação judicial foi considerada desde a prisão dos sócios controladores — Antonio Iafelice, Antônio Augusto Pires Jr. e Francisco Ramos. Eles foram presos na Operação Influenza, da Política Federal, em 20 de junho. Em julho, foram soltos depois de obterem habeas corpus.
Essa possibilidade foi aventada junto com a capitalização por um sócio estratégico ou ainda a venda de ativos. A companhia enfrentava dificuldades financeiras antes mesmo do estouro do escândalo. Desde o começo do ano, os administradores mantinham conversas com potenciais interessados em trazer recursos à empresa. O balanço de março apontava dívida de R$ 1,2 bilhão, com 80% do vencimento no curto prazo e apenas R$ 52 milhões em caixa.
Porém, antes da intensificação das conversas com as companhias interessadas, após a ação da PF, a alternativa da recuperação era tida como mais arriscada, pois poderia prejudicar o andamento dos negócios pela imagem da companhia. Mas a demora das negociações e o agravamento das dificuldades internas e também com credores e fornecedores tornou esse caminho o mais indicado.
De acordo com Modesti, a empresa perdeu cerca de 20% do seu quadro de 800 funcionários e as operações foram significativamente reduzidas após a atuação da PF. Além disso, o executivo explicou que boa parte dos estoques de grãos foram tomados por credores que tinham essa garantia nos contratos. Apesar disso, Fabio Russo, que assumiu a presidência no lugar de Iafelice, e o diretor financeiro Theodorus Antonius Zwijnenberg continuam nos seus cargos.
Contudo, as decisões estratégicas estão sendo tomadas pela nova formação do conselho, aprovada após a prisão dos controladores: José Guimarães Monforte, Cássio Casseb e James Wright.
O balanço do segundo trimestre ainda não foi entregue à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O prazo regulamentar para apresentação dos números terminou em 15 de março. De acordo com Modesti, ainda não há uma data prevista para divulgação das informações, pois depende da finalização dos trabalhos da auditoria externa, a KPMG, entre outros. Não é certeza, porém, que os dados virão acompanhados do relatório de revisão da auditoria, contratado pela empresa em função das denúncias da PF — de potencial fraude dos números e desvio de recursos por parte dos controladores. Desde sexta-feira, quando o Valor publicou que a companhia estudava o processo de recuperação judicial, as ações (BDRs) da empresa perderam mais da metade de seu valor. Na sexta-feira, fecharam o pregão valendo R$ 0,99 e ontem encerram o dia a R$ 0,44. Na abertura de capital, em outubro do ano passado, a Agrenco captou R$ 666 milhões, quando as ações foram oferecidas aos investidores por R$ 10,40. O escândalo gerou questionamento sobre o preparo das companhias que vieram à bolsa em meio a euforia de 2007. Além disso, acendeu a luz amarela sobre empresas com operação na Brasil, mas com sede em paraíso fiscal — Bermudas, no caso da Agrenco — e que optaram por listar BDRs na bolsa paulista.
Graziella Valenti, de São Paulo