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Negócio

Com alta do petróleo, nem congelamento de ICMS deve conter reajuste de combustíveis


O Globo - 28 jan 2022 - 10:53

A escalada da cotação do petróleo no mercado internacional deve pressionar a Petrobras a efetuar novos reajustes nos preços de combustíveis.

Com o barril do Brent cotado acima de US$ 88, a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) avalia que a Petrobras já tem defasagem de 9% na gasolina em relação ao mercado internacional, o que significaria a necessidade de um reajuste de R$ 0,29, em média, por litro na refinaria.

Para os especialistas, nem mesmo a iniciativa dos governadores, que decidiram congelar por mais dois meses o valor de referência do ICMS, será capaz de impedir novo aumento do valor cobrado nas bombas.

Depois que a Petrobras anunciou um reajuste de preços que entrou em vigor no último dia 12, os estados haviam decidido descongelar o ICMS, o que acabaria tendo impacto no valor ao consumidor.

Pesou para a mudança de avaliação o temor de um desgaste político em ano eleitoral, motivado pela discussão de preços de gasolina e diesel.

Além disso, o governo indicou planos de aprovar uma PEC dos Combustíveis que permitiria zerar em caráter temporário os impostos federais, e o presidente Jair Bolsonaro disse que os estados poderiam optar por aderir ou não a esse movimento.

Cai proposta dos estados

Em nota divulgada após a decisão, o Comitê dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) reiterou que a iniciativa por si só não resolve: “só o congelamento do ICMS não é suficiente para impedir os reajustes dos combustíveis, visto que os elementos centrais dos aumentos são a variação do dólar e a política da Petrobras de paridade com o mercado internacional do petróleo”.

O governador do Piauí, Wellington Dias, um dos coordenadores do Fórum de Governadores, diz que a prorrogação é uma “demonstração de boa-fé” e de interesse dos estados em encontrar uma solução:

— Estamos abertos ao entendimento e esperamos que o governo não perca a janela de oportunidade, com Petrobras, governo federal, mais municípios, sob a coordenação do Congresso, de encontrarmos solução para a elevação dos preços de combustíveis.

Tendência de alta do petróleo

20220128 Preco GRAFICOO Comsefaz defende uma mudança estrutural, com a criação de um fundo de equalização de preços para amortecer a flutuação do petróleo no mercado internacional. A criação de um fundo nestes moldes chegou a ser levantada no debate da PEC dos Combustíveis, mas o governo abandonou a ideia.

PEC só para diesel

Enquanto o Congresso não volta do recesso, o governo tenta formatar um modelo para a proposta. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem defendido que a PEC que permitiria zerar combustíveis seja voltada somente para o diesel, produto que é alvo de pressão dos caminhoneiros, que integram a base eleitoral do presidente, e para o gás de cozinha (GLP).

O motivo é o custo fiscal da medida. Zerar impostos federais para o diesel e o GLP custaria R$ 20 bilhões. Para a gasolina, a fatura sai por R$ 75 bilhões.

Segundo Sergio Araujo, presidente da Abicom, em todos os portos de operação analisados pela associação, os preços vendidos pela Petrobras estão menores em relação ao exterior em razão do comportamento do câmbio e do Brent. No caso do diesel, a defasagem chega a R$ 0,34 por litro, em média, ou 8%.

— Mesmo zerando os impostos federais e congelando o ICMS, se o valor do petróleo continuar subindo, o preços dos combustíveis terão alta. Petróleo e câmbio são as bases da precificação. Assim, a Petrobras deverá receber pressão dos acionistas minoritários para um reajuste — disse Araujo.

O mercado de petróleo tem refletido o aumento da demanda com a recuperação da atividade econômica após dois anos de pandemia. Nos últimos dias, o acirramento das tensões entre Rússia e Ucrânia aumentou a turbulência. Depois de alcançar na véspera o maior patamar em sete anos, o barril do Brent fechou em leve baixa, a US$ 88,51, com investidores reagindo ao sinal de aumento dos juros no mercado americano a partir de março.

Alta de 77,04%

Neste mês, a Petrobras já reajustou a gasolina para as distribuidoras em 4,85%, para R$ 3,24 por litro. O valor que o consumidor encontra na bomba é influenciado também por outros aspectos, como impostos, margem do distribuidor e o preço do etanol. Mesmo assim, desde janeiro do ano passado, o preço da gasolina acumula alta de 77,04% na refinaria. No mesmo período, o diesel subiu 78,71%.

O aumento dos combustíveis foi, junto com a energia elétrica, um dos fatores de pressão no orçamento das famílias ao longo de 2021 e contribuiu para que a inflação encerrasse o ano passado com alta de 10,06%, acima da meta.

O último aumento da Petrobras teve um intervalo de 77 dias em relação ao anterior. Mas, segundo um executivo do mercado, a escalada do barril no começo do ano surpreendeu e deve provocar correção em prazo mais curto.

— A tendência é de pressão nos preços dos combustíveis, independentemente de iniciativas de congelamento de ICMS ou de zerar tributos federais, já que a maior parte do preço decorre do barril de petróleo — afirmou o advogado Carlos Eduardo Almeida.

Bancos de investimento já avaliam que o barril pode chegar a US$ 100 este ano. Para Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, a defasagem com um barril próximo de US$ 90 seria ainda maior do que o patamar estimado pelos importadores e chegaria a 16%.

O economista ressalta que os impostos federais e o estadual representam pouco mais de um terço do preço na bomba. Para ele, é preciso cautela ao zerar impostos nos combustíveis:

— Zerar impostos federais, sem contrapartida, já é por si só irresponsabilidade fiscal. Traz um grau maior de insustentabilidade para as contas nacionais. Zerar o ICMS seria ainda pior em razão da situação fiscal de vários estados.

Bruno Rosa, Vitor da Costa, Fernanda Trisotto e Manoel Ventura – O Globo