BiodieselBR.com 10 nov 2020 - 14:43

Erasmo Carlos Battistella construiu um dos mais bem-sucedidos negócios do ramo de biodiesel: a BSBIOS. Por dois anos seguidos, sua empresa conquistou o posto de maior produtora do país e, ao que tudo indica, deve se manter na liderança também em 2020. Tendo conquistado o topo da montanha, Erasmo está a caminho da próxima.

Em fevereiro do ano passado, ele surpreendeu o mercado ao anunciar que iria investir US$ 800 milhões – cerca de R$ 4,5 bilhões – para instalar uma ambiciosa biorrefinaria no Paraguai. Batizado de Omega Green, a unidade será a primeira em todo o hemisfério sul com tecnologia para fabricar diesel verde e bioquerosene. Esse projeto e as perspectivas dos biocombustíveis de segunda onda foram o assunto desta conversa.

BiodieselBR.com – O que o levou a querer ir além do setor de biodiesel?

Erasmo Carlos Battistella – O setor de biodiesel é muito grande e pelo qual eu tenho muito respeito. Para a gente é motivo de muito orgulho ver a BSBIOS entre os maiores fabricantes nesses últimos anos. Nós não estamos abrindo mão do segmento de biodiesel para poder entrar nesse novo segmento do mercado que está chegando só agora na América do Sul. Estamos ampliando o leque de biocombustíveis, esse é o olhar que temos.

BiodieselBR.com – E quando começou esse namoro com o diesel verde?

Erasmo Carlos Battistella – Já são quase oito anos. Desde 2012, eu venho acompanhando as discussões em torno dos biocombustíveis avançados. Era algo muito embrionário naquela época, com coisas acontecendo apenas na Europa e nos Estados Unidos. Há cerca de 4 anos começamos a intensificar esse trabalho e, inclusive, chegamos a desenhar um primeiro projeto anterior ao do Omega Green. No final de 2018, fomos convidados pelo governo do Paraguai a fazer um investimento na área de biocombustíveis com o desafio de montarmos o primeiro projeto de biocombustíveis avançados de larga escala na América do Sul.

BiodieselBR.com – Não existe o risco de, no futuro, seus dois negócios passarem a competir entre si?

Erasmo Carlos Battistella – Acredito que não. São produtos complementares e bastante diferentes entre si. O biodiesel é um éster enquanto diesel verde é um hidrocarboneto renovável. Quando a gente olha para países onde já existe oferta de biodiesel e de diesel verde, estamos vendo os dois convirem bem e desenvolverem seus próprios nichos de mercado. É o que acontece tanto na Califórnia, nos Estados Unidos, quanto na União Europeia. Agora, obviamente, resolver o espaço entre ambos cabe às políticas que são de responsabilidade dos governos e não dos empresários.

BiodieselBR.com – A Omega Green pretende vender no mercado brasileiro?

Erasmo Carlos Battistella – Evidentemente que o mercado brasileiro é muito atraente para nós e, se surgirem compradores brasileiros que queiram adquirir nosso produto, temos todo interesse em vender. Mas, o foco do Omega Green vai ser mesmo o mercado internacional. A tendência é enviar o nosso produto para mercados do hemisfério norte. Já estamos fechando vendas e, até o fim do ano, devemos anunciar os primeiros compradores. De qualquer forma vamos manter uma reserva entre 10% a 15% de nossa capacidade que vai ser dedicada ao atendimento da demanda local. Como brasileiro, eu defendo que o Brasil desenvolva seu próprio projeto de biocombustíveis avançados. Há pronunciamentos do ministro [de Minas e Energia] indicando que, no ano que vem, teremos uma política para biocombustíveis avançados. Vai ser só a partir daí que saberemos se haverá espaço, e quanto, para o Brasil importar diesel verde.

BiodieselBR.com – Se o diesel verde é um produto mais caro do que o biodiesel e exige investimentos maiores, qual a racionalidade econômica por trás deste produto?

Erasmo Carlos Battistella – A pergunta não deveria ser essa, mas sim 'quanto esse produto vale?'. Esse é um movimento que precisa começar por nós que somos do setor. Trocar um combustível mais barato por outro mais caro já aconteceu antes. Cerca de 15 anos atrás, a gente ia no posto para abastecer com um diesel que tinha 1.800 ppm de enxofre e nenhum biodiesel. Hoje, abastecemos com diesel 10 ppm e 12% de biodiesel. Isso está acontecendo porque o mundo está literalmente queimando por causa da poluição. Então a resposta certa é que esse produto, na verdade, não é mais caro. Ele é um investimento que a sociedade está fazendo. Precisamos de novas atitudes e novas formas de consumo se quisermos evitar o pior das mudanças climáticas que já começaram.

BiodieselBR.com – E por que investir em biocombustíveis – seja biodiesel ou diesel verde – num momento em que parece que os veículos elétricos estão a caminho da consolidação?

Erasmo Carlos Battistella – E quantos anos vai demorar para renovar a frota de caminhões e ônibus do mundo inteiro? Se a gente não produzisse mais nenhum veículo à diesel novo, ainda ia demorar uns 20 anos para fazer a substituição da frota que já temos. Como esse é um mercado que ainda tem 20 a 30 anos pela frente, vale a pena investir nele. Outro ponto importante é que o Omega Green é um projeto flex que poderia fabricar apenas bioquerosene de aviação, se optássemos por isso. A eletrificação dos aviões vai demorar ainda mais. Sem falar que a cadeia de produção do biocombustível é toda certificada e sustentável. E se a anergia que alimenta o carro for obtida a partir da queima do carvão? Qual a origem das matérias-primas utilizadas nas baterias? São questionamentos que devem ser considerados nessa comparação.

BiodieselBR.com – A petroquímica verde também seria uma possibilidade?

Erasmo Carlos Battistella – O projeto do Ômega Green inclui a produção de nafta renovável e já temos indústrias interessadas em adquirir nosso produto para fazer plástico verde. Então, a gente não teria que entrar diretamente na petroquímica, mas poderíamos ser um fornecedor de matérias-primas para a indústria. Sem dúvida alguma isso é algo que vai acontecer. Esse é um ponto importante a favor da indústria de biocombustíveis avançados. São unidades que têm uma oportunidade de explorar uma gama maior de produtos – diesel verde, bioquerosene, nafta, biogás. Elas são, de fato, agrorrefinarias que podem ser customizadas para as matérias-primas disponíveis em cada local.

BiodieselBR.com – Quando você pensa no futuro do Omega Green, a biorrefinaria do Paraguai é única ou apenas a primeira?

Erasmo Carlos Battistella – Eu acho que esse é um grande projeto e nem um pouco simples para tirar do papel. Temos muita clareza do tamanho do desafio para fazer. Mas, se nosso planejamento der certo, a tendência é que seja a primeira de outras plantas que podemos vir a ter tanto na América do Sul quanto em outras partes do mundo que tenham disponibilidade de matéria-prima.

BiodieselBR.com – Alguma delas no Brasil?

Erasmo Carlos Battistella – Quem vai responder essa pergunta será a política pública que o Brasil vai desenhar a partir do próximo ano. Se o Brasil optar pela mesma rota que o resto do mundo, que é manter os biocombustíveis de primeira onda e criar novos incentivos para investimentos em biocombustíveis avançados, talvez o Brasil possa ser o segundo país a receber nossos investimentos.