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Bioquerosene

Querosene verde pode reduzir emissões


Valor Econômico - 21 jun 2012 - 09:29 - Última atualização em: 29 nov -1 - 20:53

Uma redução de até 82% na emissão de gases com a substituição do querosene proveniente do petróleo pelo processado a partir da cana de açúcar é o principal benefício apontado pelo estudo "O bioquerosene de aviação proveniente do açúcar da cana - pegada de carbono e padrões de sustentabilidade" apresentado durante o seminário sobre biocombustíveis para aviação realizado na segunda-feira, no Forte de Copacabana.

O trabalho feito pelo Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) foi financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pela Boeing e Embraer e serviu de base para o debate.

Hoje, segundo dados do Air Transport Action Group (Atag), em todo o mundo o setor de aviação gera cerca de 56,6 milhões de empregos, com um impacto econômico direto e indireto, na casa dos U$ 2,2 trilhões. São 34.756 cidades atendidas, com 3.846 aeroportos com voos comerciais e 1.568 empresas aéreas comerciais, que transportaram em 2011 mais de 2,8 bilhão de passageiros, ou 51% dos deslocamentos turísticos.

As emissões de CO2 pelo setor de aviação em 2011 foram estimadas em 676 milhões de toneladas, cerca de 2% do total de 34 bilhões de toneladas emitidas no mundo. Para chegar a esse total, as empresas de aviação consumiram 271 bilhões de litros de combustíveis.

André Nassar, diretor geral do Icone, explicou que a pegada de carbono do biocombustível foi estudada desde o plantio da cana até a entrega do produto às empresas de aviação nos aeroportos, e comparada à realidade atual do querosene de origem fóssil. Para tanto, foram utilizados parâmetros de processo desenvolvidos pela Amyris, uma empresa que atua com biologia sintética, com projeção de cenário para o ano de 2022.

Entre as conclusões está a de que o biocombustível apresenta riscos que devem ser considerados antes de ser adotado como uma opção competitiva, segundo Nassar. Um deles é a instabilidade da produção agrícola. Ele lembra que a cana é uma cultura de seis anos e no caso de algum problema de clima ou queda de investimentos, o impacto é grande. "Se, por exemplo, houver perda de 15% da produção, a recuperação só ocorre em três anos." Por isso, adverte, serão necessários contratos bem amarrados, para evitar oscilações como ocorrem hoje nos mercados de açúcar e álcool: "A cultura do setor terá que mudar."

Do ponto de vista da indústria, o principal desafio apontado é o da certificação de seus terceirizados. Outros problemas são a legislação brasileira, como, por exemplo, em relação ao código florestal e questões como segurança e saúde no trabalho. "São temas de difícil atendimento no Brasil, mas as empresas da cadeia produtiva estão se esforçando para se adequar, embora, hoje, se tentarmos certificar em 100% das exigências de cada padrão, nenhuma empresa será contemplada", afirma Nassar.

É justamente nesse aspecto que está uma das preocupações levantadas pelo representante do WWF Brasil nas áreas de agricultura e meio ambiente, Edegar de Oliveira Rosa. Ele apoia o projeto como alternativa para redução de emissões, mas apresenta condicionantes à adoção do biocombustível derivado da cana. "Temos que ter segurança de que impactos diretos resultantes do manejo do solo, de agroquímicos, do uso da água e da correta destinação dos resíduos sejam contemplados. Também devemos estar atentos à questão social, que envolve o direito de uso da terra por populações tradicionais e indígenas, além de estrito controle sobre questões trabalhistas", afirma ele.

Rosa sugere ainda que uma possível expansão do plantio de cana, para atender à demanda da aviação, aproveite áreas de pastagens hoje degradadas, que chegam a 30% do total: "Não podemos converter sistemas naturais para produzir biocombustíveis. Queremos que seja assumido um compromisso de desmatamento líquido zero até 2020", afirmou. Outra preocupação foi a de que seja assegurado por meio de políticas públicas que o plantio da cana não concorra com a produção de alimentos.

Adalberto Febeliano, diretor de relações institucionais da Azul Linhas Aéreas, é otimista quanto à possibilidade de utilização comercial do biocombustível em poucos anos, mas aponta os custos como um desafio e reivindica uma política tributária mais favorável junto aos governos federal e estaduais. "Hoje temos o combustível de aviação mais caro do mundo. Tenho consciência de que ninguém optará pelo voo mais caro porque o combustível é sustentável."

Arnaldo Vieira de Carvalho, especialista sênior da divisão de energia do BID, diz o biocombustível terá especificações técnicas da ASTM (órgão de normalização) únicas para todo o mundo e não ficará sujeito a políticas de subsídios como ocorre com os demais combustíveis. Além deste fator que considera positivo, aponta o interesse das empresas em utilizar o biocombustível sob o ponto de vista ambiental. "As empresas aéreas têm um compromisso que o consumidor individual não tem na hora de abastecer seu carro."
 
Ivan Accioly