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Algas: o limo como solução


Nature - 28 jun 2011 - 05:43 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:17
A substância verde que se forma em lagoas é uma eficiente fábrica de combustível a partir da luz solar, mas para cultivá-la em escala industrial será preciso muito trabalho e engenhosidade

Quando você em plantas para biocombustíveis, qual a primeira imagem que lhe vem à cabeça? Uma plantação de milho ou cana-de-açúcar? Talvez seja hora de visualizar uma camada de limo sobre a superfície da água.

As algas que pintam de verde a superfície de um lago ou de vermelho a maré do mar são uma matéria-prima de grande potencial para a produção de biocombustíveis. Cientistas estimam que as algas podem render 61 mil litros por hectare, contra 200 a 450 litros de óleo de culturas como a soja e a canola. Com o aumento do preço do petróleo, esse potencial vem atraindo a atenção de governos e empresas. No ano passado, o Departamento de Energia dos Estados Unidos destinou US$ 44 milhões para a pesquisa de tecnologias de transformação de algas em combustível.

A indústria também está se mobilizando. A Sapphire Energy, empresa de energia renovável de San Diego, na Califórnia, recebeu investimentos privados de mais de US$ 100 milhões para desenvolver “petróleo verde”, além de US$ 104 milhões do governo americano, provenientes do pacote de estímulo à economia de 2009. A petrolífera Exxon Mobil deu um voto de confiança para as algas no valor de US$ 300 milhões, unindo forças com a empresa de biotecnologia Synthetic Genomics em La Jolla, também na Califórnia. A Boeing, fabricante de aviões, ajudou a fundar a Algal Biomass Organization para promover o desenvolvimento do querosene de algas.

Que a pesquisa devote tamanha atenção às algas é prova de seu extraordinário potencial. Estes organismos podem ser criados em tanques artificiais construídos em áreas não cultiváveis, de forma que não briguem por espaço com plantios de gêneros agrícolas. O cultivo pode ser feito em superfícies de lagos, cursos de água litorâneos ou cisternas em áreas estéreis. As algas reproduzem-se com rapidez, tomando conta de uma massa de água em questão de horas. E podem fazer uso do que, de outra forma, seria considerado passivo ambiental – a água das estações de tratamento de esgoto e o gás carbônico lançado das chaminés de indústrias.

A maior parte das algas exploradas para a produção de biocombustíveis é composta de organismos unicelulares que transformam dióxido de carbono, hidrogênio e nitrogênio em carboidratos, lipídeos e proteínas. Quando os organismos são privados de nutrientes, seu mecanismo fotossintético é alterado, interrompendo a formação de novas algas e passando à produção de lipídeos. Alguns dias depois, usa-se uma centrífuga para separar as algas da água que as contém. A quebra de suas células permite então a extração de um óleo que pode ser transformado em combustível à base de hidrocarbonetos. As proteínas e carboidratos que sobram podem ser usados para a fabricação de farmacêuticos ou usados como ração animal.

Mas se é fácil descrever, difícil é executar o plano com eficiência. Pergunte para a GreenFuel Technologies, empresa fundada em Cambridge por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em 2001. A GreenFuel construiu uma série de plantas piloto, uma maior do que a outra, que usavam os gases de usinas elétricas como fonte de alimento para algas oleíferas; assinou ainda um contrato de US$ 92 milhões para construir mais plantas na Espanha. A empresa fechou por falta de recursos em 2009,  depois de aprender que o cultivo de algas saía mais caro do que calculara. Um estudo recente sobre produção de biocombustíveis de algas levado a cabo pelo Energy Biosciences Institute, da Universidade da Califórnia, e financiado pela petrolífera British Petroleum (BP), descobriu que ainda é preciso muito trabalho para que se possa alcançar viabilidade econômica. De acordo com Nigel Quinn, engenheiro agrícola que dirigiu o estudo no Lawrence Berkeley National Laboratory, fabricar combustível de algas usando a tecnologia existente hoje é uma receita para perder dinheiro se não houver conciliação com algum outro processo, como o tratamento de esgoto ou a produção de coprodutos rentáveis.

Para alcançar sucesso, a produção de óleo de algas precisa transpor vários obstáculos. Antes de qualquer coisa, há a questão do espaço: para que a fotossíntese aconteça, as algas precisam receber luz. Quando uma camada de algas atinge certa espessura, os organismos na superfície bloqueiam a luz solar para os que estão mais embaixo. Uma alternativa é espalhar o cultivo horizontalmente – por uma área ampla. Para atender a demanda de combustível de transporte anual da Europa, de 370 bilhões de litros, seria preciso cobrir com algas uma área de 9,25 milhões de hectares – quase o tamanho de Portugal. São dados de René Wijffels e Maria Barbosa, tecnólogos ambientais do Centro de Pesquisas Alimentares e Biológicas da Universidade de Wageningen, na Holanda.

Numa perspectiva realista, apenas 5,5% do território americano tem disponibilidade para receber tanques de produção de algas, estima Mark Wigmosta, hidrólogo do Laboratório Nacional do Pacífico Noroeste, em Richland, Washington. Com a atual tecnologia, essa área de terra poderia produzir 220 bilhões de litros de algas por ano – o equivalente a quase metade do volume de petróleo importado pelos Estados Unidos para fins de transporte anualmente. Além disso, com os processos de produção atuais, tal empreendimento de produção em larga escala precisaria de praticamente três vezes mais água do que o volume usado por todo o setor agrícola americano, diz Wigmosta. Para avaliar a possibilidade de redução no consumo de água, ele observou áreas onde os níveis médios de luminosidade, precipitação e umidade permitiriam o crescimento mais eficiente de algas: a Costa do Golfo do México, o litoral sudeste e os Grandes Lagos. Nestas regiões, ele averiguou que há terra suficiente para substituir 17% das importações de petróleo usando apenas um quarto da água usada na agricultura (praticamente o mesmo volume de água necessário para a produção de bioetanol). Wigmosta baseou sua análise num sistema que usa tanques abertos de 4 hectares de área e 30 centímetros de profundidade, partindo do pressuposto de que estas áreas são supridas por água doce. Variedades de alga que crescem em água salgada ou salobra poderiam tornar essa equação mais favorável. BiodieselBR.com

Talvez seja possível utilizar menos água substituindo os tanques abertos, que perdem água por evaporação, por fotobiorreatores fechados. Num reator convencional, uma série de tubos de vidro distribui CO2 através de uma mistura de algas e água; o objetivo é expor todos os organismos a quantias suficientes de luz solar. Mais tais sistemas – que, segundo Wigmosta, são comuns na China – apresentam suas próprias dificuldades. Por exemplo, como os reatores absorvem luz sol, eles frequentemente precisam ser resfriados por meio de duchas de água, possivelmente anulando a economia proveniente da menor evaporação.

Outro insumo de que as algas precisam, além de água, é gás carbônico – mas suas células não conseguem absorver o CO2 atmosférico com a eficiência necessária para a operação comercial. Portanto, as fazendas de alga precisariam estar situadas próximo a fontes artificiais de CO2, como usinas termoelétricas. “Se você tiver que canalizar o CO2 por 7 ou 8 quilômetros, os custos de tubulação vão te comer vivo", diz Quinn.

Algas melhoradas

A Solazyme, empresa de óleos renováveis de San Francisco, Califórnia, está tentando contornar os problemas de cultivo substituindo a fotossíntese pelo mesmo tipo de fermentação usado para produzir etanol. “A produtividade é incrivelmente baixa quando você cultiva algas por um processo de fotossíntese direta”, diz Harrison Dillon, presidente e CFO da Solazyme. A empresa conserva as algas no escuro e alimenta-as com açúcar, que pode ser obtido de qualquer fonte. Os organismos convertem o açúcar em óleo. Dillon prevê que, mesmo sem subsídios governamentais, o biocombustível obtido terá um preço competitivo com o da gasolina. A Solazyme está convertendo usinas antigas para fazer demonstrações de sua tecnologia e já conseguiu um contrato com o Departamento de Defesa para entregar 570 mil litros de combustível de algas por ano. A  empresa espera que até o fim de 2013 já esteja vendendo óleo de algas para refinarias comerciais, para a produção de combustíveis à base de hidrocarbonetos.

James Liao, engenheiro químico e biomolecular da Universidade da Califórnia, também que escapar das formas tradicionais de uso de algas. O maior problema em restringir nutrientes e forçar os organismos a fabricar óleo é que a produção ocorre em prejuízo da multiplicação das algas. Ao invés de retirar, Liao acrescenta mais nutrientes. O resultado é um florescimento artificial das algas, que geram pouco óleo mais muita proteína. As algas viram então matéria-prima para algum outro organismo, como a Escherichia coli, que digere as algas e produz álcoois como etanol e butanol. Estes, por sua vez, podem ser transformados em combustíveis à base de hidrocarbonetos por meio de processos químicos normais. Uma das vantagens do método proposto por Liao está em sua eficiência. “É provavelmente a maneira mais rápida de manipular CO2”, diz Liao. Outra é que ele evita um problema em potencial dos tanques abertos: a invasão de outros organismos. As variedades modificadas geneticamente para produzir mais óleo podem encontrar dificuldades para vencer a competição com outras variedades naturais que entram no sistema. Como bônus, o processo de conversão produz como coproduto a amônia, uma fonte de nitrogênio que pode ser usada para fertilizar a próxima etapa de multiplicação.

Outra fonte possível de combustível são as algas azuis, que não são propriamente algas, mas bactérias do gênero Cianobacterium. Enquanto as células das algas têm de ser destruídas para que o óleo seja extraído, as cianobactérias secretam seus produtos. Como resultado, não é preciso matar cada lote de algas e cultivar um novo, sendo possível produzir continuamente. George Church, geneticista da Escola de Medicina de Harvard, em Boston, modificou cianobactérias para que elas produzam moléculas de hidrocarbonetos do comprimento certo para vários tipos de combustível. “Não estamos fabricando óleos. Estamos fabricando algo muito mais próximo do petróleo”, diz Church, um dos fundadores da Joule Unlimited, em Cambridge, criada para comercializar a tecnologia. Além disso, diz Church, a manipulação dos genes da bactéria pode permitir que no futuro os organismos absorvam CO2 atmosférico com eficiência – um avanço que tornaria dispensável a necessidade de uma fonte artificial de CO2. A empresa está testando sua tecnologia numa planta piloto em Austin, no Texas, e o plano é começar a produzir comercialmente em 2012. A equipe da Joule diz que seu processo produzirá 140 mil litros por hectare/ano.

Há bastante terreno para progresso. As atuais estimativas são de que a fotossíntese biológica consiga converter em energia química no máximo 10% da luz solar que chega à superfície da Terra; segundo Wigmosta, as algas existentes convertem cerca de 1,1%.  Com engenharia genética, pode ser possível criar algas que produzam mais óleo e sejam mais eficientes na conversão de energia solar em biomassa. Há engenheiros trabalhando em projetos aprimorados de sistemas de cultivo, com estruturas que acomodam as algas em camadas para melhorar a exposição à luz solar, e sistemas de coleta que utilizam micro-ondas ou ondas sonoras para a extração de óleo.

Quinn afirma que pode levar dez anos de pesquisa para alcançar a viabilidade econômica dos biocombustíveis de alga, mas que é certamente possível substituir uma parte do petróleo usado agora. “Nós não sabemos necessariamente qual será o caminho”, diz ele. Mas “estamos otimistas”.

Neil Savage
Fonte: Nature
Tradução e adaptação BiodieselBR.com