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analise

Em busca da sustentabilidade socioeconômica


BiodieselBR - 09 jun 2010 - 15:51 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:13

Estudos iniciais dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário, da Agricultura, da Integração Nacional e das Cidades calcularam que em cada 1% de substituição de óleo diesel por biodiesel, a partir da agricultura familiar, poderiam ser gerados até 45 mil empregos no campo. A renda seria de R$ 4,9 mil por emprego/ano – valores médios –, a cada 10-15 hectares plantados. Em cálculos recentes, utilizados pela EPE (BRASIL, 2009b), o MDA estima em R$ 2,5 mil a R$ 3,5 mil a possibilidade de renda familiar anual com a produção de mamona no Semiárido, a cada cinco hectares plantados. Porém, com o predomínio da soja – que oscila de 80% em 2005 até 95% em 2009 do biodiesel de origem vegetal –, a inserção social não alcança as metas das políticas públicas aqui mencionadas. Segundo o MDA, até o fim de 2008 mais de 38 mil pequenos agricultores foram beneciados com o biodiesel.


Embora as estimativas de inserção social tenham sido superestimadas ao se prever mais de 1 milhão de postos de trabalho em toda a cadeia (BRASIL, 2005), esta busca deve ainda ser um referencial do programa. A hipótese de que a cadeia conseguiria criar este volume de postos com o B5 se mostrou inconsistente por dois motivos, basicamente: primeiro, porque o biodiesel se ergueu em um mercado estruturado, não tendo como criar três empregos na cadeia para cada emprego criado no campo, conforme se imaginou na projeção de um milhão de empregos; em segundo lugar, a produção de oleaginosas intensivas em mão de obra, como seria o caso do dendê e da mamona, tem sido insignificante.

A se manterem os objetivos e as diretrizes do PNA e do PNPB, as regras relacionadas com a sustentabilidade socioeconômica devem ser aprimoradas. As atuais regras levam ao que já alertava a Comissão Interministerial encarregada do marco regulatório inicial da agroenergia, em 2003 (BRASIL, 2003); no contexto de livre mercado, atender a diretrizes sociais com o biodiesel é improvável, principalmente na etapa agrícola. O exemplo da mamona é ilustrativo. Segundo o MDA (BRASIL, 2009c), ela representou, em 2008, 49% da produção do biodiesel oriundo de agricultura familiar. Soja, girassol e dendê participam com 29%, 14% e 7% (BRASIL, 2009b). A soma de todos estes cultivos provenientes da agricultura familiar chega apenas a 1% do total de biodiesel produzido. Assim, prevalece a soja de monoculturas, mesmo com um baixo rendimento de óleo por área plantada ou por peso dos grãos desta oleaginosa, a qual gera 81% de farelo e apenas 18% a 19% de óleo.

A tentativa do PNPB de apoio à agricultura familiar é justificada pela possibilidade de diversificação de matérias-primas com boa produtividade, entre elas a mamona e o dendê, conforme ressalta a EPE (BRASIL, 2009b), nos comparativos mostrados na tabela 2. Porém, embora o cultivo da mamona seja uma das que mais emprega no campo, a sua produtividade no Norte/Nordeste (400 a 600 kg/ha) é inferior à metade do Centro – Sul (1 mil a 1,4 mil kg/ha), pelos dados do Anuário Estatístico da Agroenergia (BRASIL, 2009a). Na tabela 2 não aparecem promissoras oleaginosas como a macaúba, o pinhão-manso e o crambe, cujos desempenhos esperados, para diferentes regiões, são bastante positivos.

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O mecanismo central de inclusão social por meio dos biocombustíveis é o Selo Combustível Social. Contudo, as fragilidades na sistemática ocorrem exatamente por não atingir os objetivos desta inserção no Norte/Nordeste, onde há problemas operacionais e estruturais com quebra de contratos de fornecimento, de assistência técnica e de aquisição da matéria-prima. Quebras de safras também têm dificultado um melhor funcionamento do selo, juntamente com a baixa remuneração da mamona destinada ao biodiesel, se comparado a outros usos industriais. Há de se ressaltar ainda a falta de afinidade dos agricultores com tal atividade, em larga escala, além do baixo rendimento médio por hectare, no Nordeste.

Embora importante para viabilizar o sistema de produção, o Selo Combustível Social tem significado um mecanismo de incentivo para a indústria, mas não de suporte dos objetivos de inclusão com o PNPB. Isto porque, em vez de alcançar o pequeno agricultor, que era o alvo inicial, o selo se torna uma credencial que permite acesso aos incentivos fiscais para as indústrias, além de facilitar o acesso delas ao mercado. Em 2009, 92% das indústrias contavam com o selo, segundo o Brasil (2009c) o que se tornou possível por meio da compra de soja de agricultores do Centro-Oeste, classicados como familiares e que plantavam soja antes mesmo do biodiesel.

Para uma grande escala de produção, a redução de encargos em 89,6% (soma do PIS/PASEP e Cons) para o uso da soja como oleaginosa (ver tabela 3, após o box 4 sobre o Selo Combustível Social) é um grande estímulo. Por outro lado, pode não ser vantajoso para as indústrias terem de levar assistência técnica a sistemas familiares no Nordeste, para alcançarem uma redução dos 100%, conforme objetiva o sistema do selo. Nesse sentido, outros mecanismos mais eficientes devem ser repensados, inclusive a forma de se repassar tecnologia de cultivos, atualmente centrada na indústria e desta para a agricultura.

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Incentivos ao biodiesel em outros países
A título de comparação, o quadro 4 apresenta um breve resumo do tipo de medidas adotadas por alguns dos 20 maiores produtores de biodiesel no mundo para viabilizarem a sua produção.

QUADRO 4
Tipos de incentivos dados ao biodiesel – países selecionados

País Tipo de incentivo Forma de usos do biodiesel Matéria-prima
Alemanha Isenção total de impostos; proteção da agricultura e restrição à importação B100 e mistura com diesel Colza
Estados Unidos Há incentivos federais (US$ 0,50/galão para o combustível renovável usado no transporte e US$ 1,00/galão para uso na agricultura, além de subsídios à aquisição de matérias-primas, e normas de obrigatoriedade de uso por órgãos públicos e frotas comerciais) e estaduais; há outros incentivos estaduais B2, B20 (mais usado) e B100. Há estados com obrigatoriedade de B2; nova legislação prevê expansão da produção e tipos de usos do biodiesel Soja e óleo de fritura
França Até 317 mil toneladas/ano, isenção de impostos, acima disso, redução variável B5 transporte normal e B30 para frotas Colza e girassol
Brasil Selo Combustível Social, renúncia fiscal à indústria e custos aproximados de R$ 0,25 a R$ 0,30 por litro de biodiesel Iniciado com B2, em 2008, B4 em 2009 e B5 antecipado de 2013 para 2010 Soja 76% a 90%, gordura animal 6% a 17% e demais fontes até 8%
Itália Até 200 mil toneladas/ano, isenção de impostos e facilidades maiores de aumento da produção B100 para indústria e residências; B5 e B25 para transporte Colza e Girassol
Malásia Taxas reduzidas para plantas e processos para exportação; Selo Biodiesel ao produtor; US$ 0,25 por litro ao produtor Produção direcionada para exportação de B100; Previsão de B5 interno; é o maior exportador mundial Palma
China Cota por hectare plantado (em torno de US$ 430/ha.ano) para agricultores e US$ 0,41/litro de biodiesel produzido Mistura em definição. Algumas localidades com B5 em implantação Colza, óleo de fritura e palma (importado)
Austrália Subsídios de A$ 0,16 (dólar australiano) por litro, desde 2005, até produção máxima de 350 mil litros/anos, aplicados em diferentes etapas da cadeia, além de outros incentivos à cadeia de produção B5 predomina na maioria dos estados; B20 em vários locais; crescente em ônibus urbanos Canola e gordura animal
Fontes: Quirke, Steenblik e Warner (2009), USDA (2009), Biodiesel (2009), PNPB (BRASIL, 2009). Elaboração própria.

Em todos os países listados no quadro 4, os mecanismos adotados têm por objetivo o desenvolvimento da competitividade do biodiesel no médio prazo, todos eles praticando renúncia fiscal ou aplicando algum subsídio por unidade produzida. Há também preocupações com a proteção da agricultura nos países em que a matéria-prima vem de cultivos temporários, como é o caso do Brasil, dos Estados Unidos, da França e da Argentina.

A Malásia, apesar de ser o maior exportador e de ter na base o dendê, tem a produção concentrada em cinco indústrias e enfrenta dificuldades por voltar a produção demasiadamente para a exportação (abastece o mercado europeu) e pela alta concentração industrial. É estimado um aporte de US$ 0,25 por litro com o B5, o que se aproxima da estimativa brasileira de US$ 0,30 para o dendê, nas condições de 2007. O exemplo do sistema de regulação australiano tende a acompanhar a estrutura existente para o etanol no país com regras rígidas de contratos de produção, garantia de preços, controle da atividade agrícola, mediação e arbitragem do governo central e de estados para a efetivação dos biocombustíveis.

Fonte: Ipea - Série Eixos do Desenvolvimento Brasileiro - Biocombustíveis no Brasil: Etanol e Biodiesel
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