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Outros desafios para o desenvolvimento do biodiesel no Brasil


BiodieselBR.com - 09 jun 2010 - 15:47 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:13

A seguir são destacados temas que pressionam ou tendem a pressionar o redesenho das políticas e dos mecanismos de incentivos ao desenvolvimento do biodiesel, as quais se somam aos destaques anteriormente discutidos. Os desafios indicam a necessidade da busca por um equilíbrio entre o desenvolvimento das cadeias de produção com agregação de valor, desde a fase agrícola da produção do biodiesel até os subprodutos. Não se referem somente à produção do combustível, mas também ao incentivo para a obtenção de patentes e para o domínio do mercado tecnológico, desde insumos agrícolas até plantas industriais para o mercado interno e externo.


O excesso de farelo produzido a partir de oleaginosas como a soja, colza, girassol, tende a desencadear reações na cadeia soja/agroindústria de alimentos, pois os 80% de farelo extraído – no caso da soja – são usados essencialmente como ração. A demanda por ração não se expande tão rapidamente, o que seguramente terá reflexo em preços nais abaixo dos custos, e outros desequilíbrios no mercado. O aproveitamento de todo este farelo, se fosse possível, reduziria demasiadamente os preços da soja e também dos produtos seguintes na cadeia – carne suína, aves e outros, para uma produção próxima do B20. É certo que os produtores de óleo vegetal, mesmo com capacidade de produção ociosa, tendem a tomar medidas de manutenção da margem de lucro, questão que pode propiciar modicações nas cadeias para frente. Isto se aplica tanto ao farelo da soja como também de outras oleaginosas, mesmo na oportunidade de desenvolver indústrias na cadeia a jusante. A instabilidade deve ser evitada.

O sistema de leilões e releilões é questionado por parte das indústrias que produzem somente o biodiesel – e não óleo e farelo em cadeias estabelecidas. Elas são naturalmente frágeis em um contexto de leilões – que exige entrega em grandes lotes – e diante da capacidade ociosa dos produtores de óleo vegetal, caso a ajuda financeira do governo seja reduzida ou retirada. Também se questiona o monopólio de fato do sistema de comercialização do biodiesel, que se verica na seguinte sequência: o produtor vende à Petrobras e à Renaria Alberto Pasqualini, em leilões da ANP; os releilões repassam o biodiesel (ainda B100) das usinas aos distribuidores, que levam (B5) até os postos. Por outro lado, os leilões são ainda importantes, entre outros motivos, para a padronização, a garantia de qualidade e por viabilizar a fiscalização da mistura. Para as indústrias que operam tanto com óleo comestível quanto com biodiesel, os leilões são funcionais, pois dão previsibilidade e poder de escolha entre uma ou outra opção. As alterações possíveis deverão ser combinadas com outras políticas, inclusive regras em relação à responsabilidade pelo armazenamento e entrega do biodiesel – indústria ou distribuidoras?

A regulação econômica é outro fator que naturalmente atua em resposta à dinâmica de mercado. Subordinada a um marco legal em redefinição e também com problemas em relação aos vários desafios aqui discutidos, a regulação enfrenta resistência ao estabelecer, por exemplo, limites para a produção para consumo próprio de biodiesel e a vedação de venda que não seja para a rede autorizada. Apesar de compreenderem a necessidade de padrões e normas de segurança, pesquisadores, empresários e produtores agrícolas observam que esse é um monopólio de fato e um dos fatores pelos quais a autoprodução contava com apenas quatro usinas autorizadas e duas em processo de autorização pela ANP até outubro de 2009. Esta forma de incorporação de um sistema pelo outro é uma quase captura da atividade de produção do biodiesel pelo já estabelecido sistema da rede petróleo/etanol, conforme alertam os pesquisadores e parte dos produtores. Deve-se estudar a opção de que o armazenamento, a distribuição e o consumo possam ser feitos de forma regionalizada e com renúncia fiscal, o que poderá reduzir o custo final.

Aliar o foco no desenvolvimento setorial ou regional é uma questão que precisa ser enfrentada pelo PNPB. No momento, o programa tem por base o desenvolvimento setorial e espera como consequência a inserção social, não podendo, contudo, prescindir de arranjos produtivos locais. O setor de biocombustíveis, conforme se consolida, torna-se mais um provedor de bens de mercado em busca de condições de competitividade e lucro. Neste sentido, a formação do preço para consolidação de uma commodity pressupõe ganhos de escala, padronização e redução do custo agrícola para a indústria, que é mais concentradora de capital e lucro. Isto diverge do ponto de partida das políticas de desenvolvimento regional, cujo foco é a relação entre o conjunto de atividades possíveis e reais e as características culturais, regionais e do mercado. Por outro lado, é contraditório um desenvolvimento regional a partir da redução de preço de insumos e do aumento da produtividade por intensidade de capital e de tecnologias industriais desenhadas para monoculturas, em se tratando de produtos que já alcançam maior valor no mercado. É ilustrativo o caso da mamona, mais lucrativa no mercado de cerca de 800 milhões de toneladas/ano no mundo, com remuneração superior a 100% em relação ao biodiesel.

No bojo da revisão de medidas de inserção social por meio do biodiesel, políticas de garantia de preços, aplicáveis diretamente aos agricultores, não devem ser descartadas, sob pena de não alcance de sustentabilidade econômica e social em comunidades pobres, como é intenção expressa nas políticas públicas. Este aspecto pode ser mais bem estudado a partir das experiências das agriculturas de outros países, atentando-se para lições positivas e negativas. Além disso, a renda adicional para as comunidades agrícolas, conforme prevê o PNA, embora significativa para determinadas regiões, demanda serviços contínuos e assistência ao agricultor. Mesmo após as alterações no Selo Combustível Social, há de se ampliar o debate no sentido de responder a uma questão teórica fundamental que aqui se considerou muito rapidamente: é possível inserção social significativa sem enfrentar as regras do livre mercado? Que políticas estatais podem induzir e direcionar a inserção social?

A ampliação do uso do carro a diesel e a liberação do óleo vegetal como combustível, temas da pauta do Congresso Nacional9, são pontos que exemplicam a complexidade da dinâmica do mercado de energia. O debate sobre outros usos do biodiesel segue a mesma lógica: as definições não têm de ser puramente técnicas. A permanência ou não de medidas restritivas à expansão do uso do diesel se deve à disponibilidade de tecnologia capaz de reduzir a níveis aceitáveis e, em alguns parâmetros, melhores do que a gasolina, como já ocorre em mais de 50% da frota europeia de automóveis. Proibida em 1976 no Brasil, para viabilizar o álcool, pode agora se tornar um empecilho ao desenvolvimento tecnológico, tornando o país mais dependente, inclusive para a frota de grandes veículos. O diesel competiria com a mistura gasolina-etanol em preços e níveis de emissões ambientais, embora o etanol, sozinho, seja o menos poluente de todos. Outros referenciais que devem ser objeto de maior agilidade de regulação para que o país possa competir com outros são: novas tecnologias de produção; vínculo de alcance de metas do PNPB para autorizar maior parcela do biodiesel na mistura; e possibilidade de preços mais baixos.

O equacionamento da sazonalidade da produção é outro importante desafio a ser abordado de forma objetiva, demandando regulamentação e definição de responsabilidades institucionais, diante do consumo contínuo do biodiesel frente à produção sazonal – o que traz a exigência de logística de armazenamento e distribuição. A pressão exercida no sentido de aumentar a mistura, bem como a superação de desafios tecnológicos têm garantido que o abastecimento interno se realize com certa estabilidade para B4 e B5, mas o armazenamento, para o futuro, é uma das questões a serem resolvidas.

Outros aspectos que formam um misto de oportunidades e desafios e que necessitam de igual atenção são: financiamento robusto das atividades agrícolas, industriais e da pesquisa combinado com a viabilização econômica do aumento da mistura do biodiesel ao diesel; desenvolvimento de novas tecnologias nacionais, agregadoras de valor na indústria e no campo, combinando a conquista de novos mercados para os biocombustíveis e para a indústria de equipamentos e tecnologias ligadas a eles; alcance da sustentabilidade ambiental em uma perspectiva de grande aumento da escala de produção; aumento do número de patentes no Brasil.

9. Projeto de 2008 no Senado Federal propõe a venda de veículos de passeio, de até 1 mil kg, movido a diesel no país. O Brasil fabrica e exporta carros a diesel para o Uruguai, a Argentina e o Chile, a partir de projetos e motores com tecnologia europeia. Segundo dados da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), a redução das emissões de CO2 em carros de passeio no motor a diesel em relação à gasolina varia de 17% a 52%, dependendo da marca e do modelo. Com as exigências do padrão europeu, o carro a diesel emite menos poluente que à gasolina. Entretanto, no Brasil, o diesel é um dos mais poluentes do mundo.

Fonte: Ipea - Série Eixos do Desenvolvimento Brasileiro - Biocombustíveis no Brasil: Etanol e Biodiesel
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