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2010

Cinco plantas alternativas a soja ganharam destaque no governo


BiodieselBR.com - 31 mar 2010 - 06:37 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:12

O clima tropical e os solos bem irrigados fazem brotar em quase toda a parte do país uma invejável diversidade de espécies com alto rendimento em óleo. Mais de 15 palmeiras e oleaginosas foram identificadas em sete Estados e agora são alvo de pesquisas no Brasil. Algumas delas mostram-se com níveis de produtividade entre sete a oito vezes maiores que os da soja, grão mais produzido no país e mais utilizado pela indústria de biodiesel. Apesar dos escassos recursos, que redundam em laboratórios pouco equipados e quadro de pessoal aquém do necessário, esses pesquisadores conseguiram apresentar perspectivas para uma saída mais breve às indústrias brasileiras de biodiesel. Já é possível, inclusive, fazer previsões mais de curto prazo. A Embrapa Agroenergia, por exemplo, estima que entre dois a cinco anos, a primeira cultivar comercial de pinhão-manso será lançada. Outra boa notícia é que foram recuperados os estudos feitos na década de 80 com outras palmeiras, que estão ajudando a encurtar o caminho dos estudos e driblar as dificuldades estruturais da pesquisa no Brasil.
 
Apesar de toda diversidade natural, o país tem o domínio tecnológico de apenas seis espécies de oleaginosas – soja, girassol, dendê, mamona, algodão e gergelim. Destas, apenas o dendê produz quantidade elevada de óleo. Segundo a Embrapa, cultivos de qualidade no Pará vêm atingindo produtividades de 6 mil quilos de óleo por hectare ao ano. Por esse desempenho, a cultura recebeu um programa de melhoramento genético e de biologia molecular dentro do projeto “Fontes alternativas potenciais para produção de agroenergia”, liderado pela Embrapa Agroenergia.

Ainda foram identificadas, principalmente no Norte do país, dezenas de espécies produtoras de óleos, das quais cinco foram escolhidas para serem foco da pesquisa, justamente por terem potencial de produtividade superior a mil quilos de óleo por hectare. O pinhão-manso é a estrela do projeto, não só pelo rendimento de óleo, mas por seu programa de melhoramento estar à frente das outras.

O chefe-geral da Embrapa Agroenergia, Frederico Durães, estima que até 2012 o Brasil terá uma cultivar de pinhão-manso pronta para o uso comercial, ou seja, com distingüibilidade, homogeneidade e estabilidade de produção (DHE). “Apesar de ainda ser prematuro especificar teores, a expectativa é que essa primeira cultivar produza próximo de 1,5 mil quilos de óleo por hectare, quase o dobro da produtividade da soja”, antecipa.

Contribuiu para essa agilidade o fato de terem sido recuperados resultados de estudos feitos por pesquisadores brasileiros na década de 80. Durães conta que foi possível reaver alguns desses esforços, sobretudo informações importantes sobre sistemas de produção do pinhão-manso, como métodos de adubação, resposta da planta à água, entre outros dados. “Mas, infelizmente, não conseguimos resgatar informações sobre avanços genéticos feitos. Há indícios de que tinham sido mapeados uma centena de genótipos de pinhão-manso e criado um banco de germoplasma”, lamenta Durães. Apesar de o primeiro pool de cultivar de pinhão-manso ainda não ter sido lançado, a oleaginosa, da família da mandioca, já vem sendo cultivada comercialmente. “Estimamos que já exista 30 mil hectares plantados com pinhão-manso no Brasil”, diz Durães.

Mas até o lançamento desse primeiro material genético, há gargalos técnicos a serem resolvidos. Entre eles, a limitação da cultura à colheita mecânica e a perda rápida da capacidade de germinação. “Três meses após a colheita, o pinhão-manso perde a possibilidade de germinar. Isso, por enquanto, impede a estocagem da semente”, acrescenta Durães.
 

Diversidade

As outras quatro culturas estudadas dentro do projeto são a macaúba, o inajá, o tucumã e o babaçu. Somente de macaúba, uma espécie de palmeira típica do Norte, os pesquisadores identificaram ocorrências naturais em cerca de 10 milhões de hectares em sete Estados brasileiros. Trata-se de quase duas vezes a área plantada de soja em Mato Grosso, o maior produtor nacional desse grão, e metade da área total plantada no país. O que surpreende nessa palmeira é o elevado nível de óleo, acima inclusive do pinhão-manso. Em alguns maciços, a produtividade da macaúba pode atingir até 5 mil quilos por hectare.

Depois do pinhão-manso, é a pesquisa com macaúba que deve trazer os primeiros resultados. Adeliano Cargnin, pesquisador da Embrapa Cerrados e à frente dos estudos dessa oleaginosa, diz que maciços estão sendo estudados em Minas Gerais, Goiás e São Paulo. Alguns experimentos feitos, explica Cargnin, já permitem à pesquisa apresentar avaliações relevantes, por exemplo, em relação à adubação da macaúba. “Com boa umidade, temos encontrado material genético com produtividade muito alta, de cerca de 5 mil quilos de óleo por hectare. Inclusive em solos bem degradados, em beira de estrada, onde não existe muita presença de fósforo, por exemplo. Temos observado que o elemento comum dessas altas produtividades é o potássio. Digamos que a macaúba desenvolve-se bem com fósforo e outros nutrientes. Mas, o elementar é o potássio”, constata Cargnin.

Além de o óleo ser abundante, ele também é de muito boa qualidade. O produto é usado pelas populações locais para alimentação no lugar dos similares de soja e girassol. “Mas, ambos podem ser usados com eficiência na produção de biodiesel, tanto o da polpa, onde se concentra a maior parte, como o da amêndoa, onde está esse óleo de maior qualidade”, afirma Cargnin.

No entanto, a cultura também tem limitações ao uso industrial, que precisam ser solucionados pela pesquisa. Entre eles o baixo índice de germinação, de cerca de 5%. Os estudos, acrescenta Cargnin, já mostram desempenhos bem melhores. Na técnica convencional de germinação, na areia, foi possível alcançar um percentual mais alto (30%) e em um ou dois meses. Na propagação via resgate de embrião (uso de tubo de ensaio, nutrientes e hormônios) os avanços mostram índices ainda mais altos: de 50% a 60%, em menos de um mês.
 
Outro problema a resolver é a dificuldade de colheita e armazenamento da macaúba. Nas ocorrências naturais, essa colheita, na realidade, é feita por meio de extrativismo, ou seja, coleta do fruto que cai no chão, o que já traz um complicador à indústria. Ainda, as análises detectaram que quanto mais tempo o fruto fica sem ser processado, a partir de sua queda no chão, mais o óleo perde qualidade. “Ocorrem algumas reações químicas e degradação biológica do óleo. Assim, o processamento dos frutos teria de ser imediato, sem armazenamento. Caso contrário, a perda de qualidade teria que ser compensada no processo industrial, gerando mais custos às usinas”, afirma Cargnin.

Exploração racional

Essas ocorrências naturais gigantescas de palmeiras ricas em óleo também se estendem por 8 milhões de hectares de inajá (mais presente nos Estados de Roraima e em parte do Amapá), tucumã (mais comum no Amapá e no Pará) e em mais de 18 milhões de hectares de babaçu, conforme explica Durães. Por isso, diante dessas dimensões, o projeto da Embrapa Agroenergia também considera, além da “domesticação” dessas espécies, sua exploração racional. “Em algumas das regiões onde há o tucumã, por exemplo, a população utiliza apenas diesel como combustível e energia. Além de poder usar esse óleo na produção de biocombustíveis, também há possibilidade de utilizar o bagaço na co-geração de energia e na alimentação animal”, explica.

Em curto prazo já se vislumbra a exploração comercial de parte dessas áreas naturais que, na realidade, já são fonte de renda de comunidades locais, que devem continuar sendo as principais beneficiadas dessas ocorrências.

O projeto de exploração sustentável será desenvolvido em áreas cujos maciços naturais têm alta produtividade de óleo e não estão em áreas de restrição, como em reservas indígenas, por exemplo. “O objetivo é levar benefícios às comunidades locais. É preciso manter o balanço energético. Não tem sentido transportar uma matéria-prima daqui para outros Estados”, diz Durães. Esses cuidados visam evitar a ‘erosão genética’ que, em algumas áreas de palmeiras, já ocorre. “Há relatos de áreas de macaúba em Minas Gerais que foram dizimadas”, lamenta.

De acordo com ele, já há maciços naturais explorados em pequenas fábricas de óleos. Entre as grandes usinas, Durães cita a planta da Petrobras de Montes Claros (MG), inaugurada em abril, que também vai usar a macaúba.

Também com elevada ocorrência natural está o babaçu. Estima-se que essa área seja de 18,4 milhões de hectares que vão desde o Estado do Maranhão, até o norte do Piauí, parte do Pará, Mato Grosso, Rondônia e ao norte de Minas Gerais. Mas, o fruto possui pouco óleo, apenas 3,5%, e o coco, de onde poderia se extrair grandes  teores de óleo da amêndoa (65 a 68%), é resistente, o que demandaria muita energia para explorá-lo para uso na produção de biodiesel. Apesar disso, Durães não descarta a exploração sustentável dessas áreas para produção de óleos finos, carvão especial, calor e eletricidade, sobretudo para atender a região Norte do Brasil.

Infra-estrutura

Há cerca de dois anos e meio, pesquisadores da Embrapa iniciaram estudos em busca das melhores matérias-primas para produção de biodiesel, gargalo já conhecido pelo setor no Brasil. Foram mapeadas pesquisas em andamento, dentro e fora da Embrapa, para consolidar o projeto. “Não sei ao certo quanto de recurso foi aplicado nesses últimos dois anos. Foi gradativo”. Mas a estimativa é que em 2009 a Embrapa Agroenergia tenha recebido R$ 100 milhões. O valor inclui recursos do Tesouro Nacional, assim como os captados em outras fontes de financiamento, tanto nacionais quanto internacionais. Este orçamento, detalha Durães, é para atender todas as despesas da Embrapa Agroenergia (biodiesel, co-geração, etc), desde o pagamento de pesquisadores, assim como compra de equipamentos e reagentes, até o repasse de fomento de pesquisa em outras instituições. “A expectativa é que esse orçamento total cresça em mais R$ 50 milhões nos próximos três a cinco anos”, diz Durães.

Apesar de volumoso, nem todo recurso vai para o dia-a-dia da pesquisa. Os recursos aprovados são suficientes, por exemplo, para aquisição de reagentes, pagamento de diárias de viagem e material de consumo de forma geral, segundo Cargnin. “Mas mão-de-obra para montar esses experimentos, maquinários de laboratório e veículos para fazer as avaliações em campo, ainda são escassos”, lamenta o pesquisador da Embrapa Cerrados, à frente das pesquisas sobre macaúba.

Ele conta que, do volume aprovado para as palmeiras, R$ 2 milhões foram direcionados para macaúba. “O montante é suficiente para material de consumo, diárias e aquisição de reagentes. Mas ainda há defasagem de mão-de-obra. Falta muita gente de laboratório, de campo, e pesquisadores de forma geral. Avalio que necessitamos de 50% mais pessoas para esse projeto”, avalia Cargnin.

Ele detalha que a Embrapa Cerrados tem de seis a oito pesquisadores atuando com macaúba. Há outras instituições de pesquisa, três na região Norte e Nordeste, mas cada uma tem um quadro de uma a duas pessoas. Soma-se à equipe também pesquisadores de universidades, como a Federal de Viçosa, e a de Lavras. 

“Infelizmente, não há uma política efetiva de investimento em pesquisas no setor. O anúncio, em setembro passado, de um repasse de R$ 22 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico para pesquisas em biodiesel foi bastante bem vindo. Mas ainda é muito pouco”, avaliou o senador João Tenório (PSDB/AL), presidente da Subcomissão de Biocombustíveis do Senado Federal, instalada em 2008. Além disso, segundo ele, há a necessidade de descentralizar os investimentos em pesquisas. “As regiões Norte e Nordeste precisam receber uma fatia mais generosa de recursos”.

Investimento privado

O envolvimento da iniciativa privada nas pesquisas não é privilégio do setor de biodiesel no Brasil. Na época em que o Programa Brasileiro do Álcool (Proalcool) foi instituído, o envolvimento do setor alcooleiro nas pesquisas é que foi determinante para transformar a cana-de-açúcar na matéria-prima mais competitiva do mundo para produção de etanol. “Há relatos de que a produção de etanol data da Segunda Guerra Mundial, quando o combustível foi produzido para atender à escassez do petróleo. “Mas é evidente que os principais avanços vieram nos últimos 30 anos, sobretudo com o envolvimento da iniciativa privada”, conta Marcos Landell, pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas e diretor do Centro de Cana do instituto. Até então, explica o pesquisador, a produtividade da cana em São Paulo era de 70 toneladas por hectare e o canavial produzia em apenas três anos. “Atualmente, essa produtividade é de 85 a 90 toneladas e um canavial rende de cinco a seis cortes”. Também no início do Proalcool, o rendimento da cana era bem menor. Com uma tonelada da matéria-prima, era possível produzir de 70 a 75 litros de etanol, nível que atualmente é de 90 litros por tonelada. “Sem esses ganhos do melhoramento genético, e também dos avanços agronômicos, o negócio não seria sustentável”, constata Landell.

Ana Pécora - BiodieselBR