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Décio Luiz Gazzoni

Biomassa, catalisadores e biocombustíveis


Décio Luiz Gazzoni - 02 mai 2012 - 09:43 - Última atualização em: 03 mai 2012 - 17:31

Vivemos em uma sociedade baseada no petróleo. O petróleo que utilizamos é proveniente de biomassa que foi enterrada há milhares de anos e que, sob o efeito de alta pressão e temperatura gerou o líquido viscoso que responde por 33,6 % da energia do mundo (Figura 1).
 
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Figura 1. Matriz energética mundial em 2010.

Este valor varia entre o mímimo de 31% (Europa) a um máximo de 51,4% (Oriente Médio), conforme mostrado na Figura 2. Entre os países ricos da OCDE  o petróleo participa com 38% da matriz energética, sendo este valor de 30% para os países menos ricos do mundo.

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Figura 2. Matriz energética de regiões do mundo.


Conforme fica mais clara a finitude do petróleo (Figura 3) e se tornam evidentes os impactos ambientais e as dificuldades de processamento do xisto betuminoso, o cidadão comum sempre pergunta: existe uma forma mais ecológica para prover energia para as futuras gerações?

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Figura 3. . Número de anos para esgotamento das reservas provadas considerando o consumo em 2010, para as fontes fósseis de energia

A resposta sempre passa por energia renovável. Entretanto, para fazer frente ao quase monopólio das fontes fósseis, políticas públicas e inovações tecnológicas sempre são necessárias para alavancar o esforço de aumento da participação das energias renováveis na matriz energética, restrita a 1,3% no levantamento efetuado para o ano de 2010 (Figura 1). Esta participação das energias renováveis na matriz se deve, em grande parte, aos produtos da biomassa, como bioetanol, biodiesel e bioeletricidade.

Inovações nesta área são sempre bem vindas, em especial quando não há confronto com a atual infraestrutura de transporte, estocagem, distribuição e de postos de serviço dos combustíveis fósseis (gasolina e óleo diesel) e com os motores dos automóveis, ônibus, caminhões, navios, locomotivas, e das turbinas dos aviões.

Por este motivo achei muito interessante algumas pesquisas nessa área, que estão sendo desenvolvidas no National Renewable Energy Laboratory (NREL), para o aproveitamento energético da biomassa. Uma das pesquisas, que interessa diretamente ao setor de biocombustíveis no Brasil, é o tratamento termoquimico da biomassa, com o objetivo de obter um produto final semelhante ao petróleo – algo como fazer em algumas horas o que a Natureza demorou 200 milhões de anos para fazê-lo. Existem dois vídeos curtos do NREL para entendimento dos processos, podendo o vídeo referente à gaseificação ser acessado clicando aqui e o vídeo sobre pirólise clicando aqui.

Na gaseificação a biomassa é aquecida com vapor e ar para produzir gás de síntese, ou singas (syngas, em inglês). O singas é uma mistura de hidrogênio (H2) e monóxido de carbono (CO). Estas duas substâncias estão para os combustíveis como os tijolos e a argamassa estão para a construção civil pois, por meio através de arranjos moleculares, é possível obter qualquer combustível similar aos usados atualmente, uma vez que o Hidrogênio, o Carbono e o Oxigênio estão presentes em uma forma muito simples e facilmente reativa. Entretanto, para que isto seja possível, são necessários catalisadores, responsáveis por ordenar esses átomos em moléculas que podem ser usadas como combustível.

Mas copiar a Natureza raramente é tarefa fácil. Durante o processo de obtenção do singas, alcatrão e outros compostos  indesejáveis , considerados contaminantes, também são produzidos . Estes contaminantes podem “sujar” tornando  o processo de refino mais longo e oneroso. Portanto, devem ser removidos do gás de síntese antes do início do  processo de síntese dos biocombustíveis. Recentemente, o NREL patenteou um catalisador fluidizável para atuar na modificação  do singas, que também degrada o alcatrão.

Conversando com a Dra. Kim Magrini (v. Figura 4), pesquisadora  do NREL que atua neste projeto, ela explicita o objetivo final, que é produzir sucedâneos de combustíveis fósseis, como gasolina e diesel, porém que sejam derivados de biomassa. O benefício ambiental é óbvio, pois as emissões de gás carbônico ao longo do ciclo de vida e, especialmente, aquelas resultantes da queima do biocombustível, são reabsorvidas no ciclo seguinte da biomassa, em mais de 90%, ao contrário do que ocorre com a queima da gasolina derivada de petróleo. Entretanto, o benefício “oculto” é a possibilidade de se utilizar  exatamente a mesma infraestrutura dos combustíveis fósseis, podendo o biocombustível ser utilizado  puro ou em mistura com o combustível fóssil. É o que os americanos chamam de “drop-in fuel”, conceito que já é utilizado com bioetanol e biodiesel.

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Figura 4. Pesquisadores Whitney Jablonski, Kim Magrini e Yves Parent na planta piloto, próximos aos barris contendo o catalisador desenvolvido no NREL (Foto D. Schroeder).

Ainda assim, restam algumas questões a considerar, em especial a adequação dos processos industriais e a sua competitividade financeira com os combustíveis fósseis, que já estão estabelecidos no mercado há mais de um século. A aposta dos pesquisadores do NREL está na flexibilidade de processos termoquímicos, tais como a gaseificação e a pirólise, que podem oferecer opções rentáveis para a fabricação de etanol de celulose e biocombustíveis avançados, incluindo sucedâneos do diesel – espaço hoje ocupado pelo biodiesel.
 
Hidrogênio e Pirólise
Os trabalhos sobre o catalisador fluidizável para modificação  do alcatrão começou no Programa de Hidrogênio, que também pertence ao NREL, onde os pesquisadores  desenvolveram tecnologias para produzir hidrogênio a partir das frações aquosas de hidrocarbonetos, obtidas a partir de óleo resultante da  pirólise, obtidos por processos termoquímicos a partir de biomassa. A pirólise é o processo de aquecimento da biomassa, na ausência de oxigênio, em temperaturas menores do que  aquelas utilizadas para gaseificação.

Com a decomposição da biomassa obtém-se um líquido denominado óleo de pirólise, o qual, por meio  de processos apropriados, pode ser refinado, produzindo biocombustíveis. No período 2006 a 2009 a Embrapa Soja estudou o processo de pirólise de óleos vegetais para obtenção de sucedâneos de combustíveis fósseis, concluindo pela necessidade de utilização de catalisadores específicos para viabilizar a produção comercial de biocombustíveis.

Por meio da modificação da fase aquosa do óleo de pirólise, é possível obter hidrogênio. Neste caso, há necessidade de um catalisador específico, para decompor as moléculas orgânicas até formar os “tijolos” básicos, que são o hidrogênio e o monóxido de carbono.

O problema enfrentado pelos pesquisadores do NREL eram os catalisadores comerciais, que ficavam bloqueados no decorrer do processo, por haverem sido desenvolvidos para reatores que utilizavam leito fixo (ver box). Os pesquisadores investiram na busca de um catalisador para operar em um reator de leito fluidizado, que proporciona um contato maior  entre o líquido reacional e o catalisador.

A equipe do Programa de Hidrogênio do NREL foi bem-sucedida no desenvolvimento de um catalisador que operasse com alta eficiência em leito fluidizado, permitindo decompor a fase aquosa do óleo de pirólise até seus componentes básicos (hidrogênio e monóxido de carbono). O passo seguinte foi testar esse catalisador, projetado para obter o hidrogênio, para modificar  o alcatrão resultante da gaseificação da biomassa.

O teste foi bem sucedido quanto à decomposição do alcatrão em hidrogênio e monóxido de carbono. Entretanto, apenas um dos problemas de contaminantes, o do alcatrão, estava resolvido. Compostos de enxofre, que se formam a partir de proteínas, também são produzidos na gaseificação da biomassa. Estes compostos deterioram o catalisador, que é um composto de níquel e alumínio, e o níquel é altamente reativo com compostos de enxofre.

A fórmula encontrada pelos pesquisadores do NREL foi colocar o catalisador em um suporte mais apropriado. Os materiais disponíveis no mercado não atendiam as especificações desejadas e se desafaziam no leito do reator. Na busca de soluções, o NREL montou um projeto em parceria com a CoorsTek, uma empresa especializada em desenvolver soluções para problemas similares. O projeto objetivou desenvolver materiais com composição química e granulometria adequadas, que permitissem a máxima superfície de contato com o material reacional e que minimizasse o desagaste do leito.

Catalisador e suporte
O suporte de catalisador resultante do projeto é obtido com diferentes matérias-primas, as quais são trituradas em água, para formar uma solução com partículas de, aproximadamente, um micron de diâmetro. A solução é seca pelo sistema de spray drier, atomizando-se o líquido em contracorrente com ar muito quente, que seca as gotículas formando pequenos grânulos de cerâmica. Em seguida, o material é aquecido a altas temperaturas o que confere resistência ao suporte, porém a superfície porosa da cerâmica é preservada, de modo que o catalisador possa ser colocado no interior do suporte.

Uma vez projetada, identificada e construída a estrutura de suporte, o catalisador também foi aprimorado, e passou a constituir-se de uma mistura de sais de níquel e magnésio. A solução do catalisador é adicionada ao suporte e quando o conjunto é aquecido, ocorre uma reação química, fazendo com que os componentes do catalisador fiquem aderidos firmemente à superfície do suporte.

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Figura 5. Catalisador sobre suporte para limpeza do singas. (Foto: D. Schroeder)

Desta forma, os pesquisadores do NREL viabilizaram tecnicamente o processo de limpeza do singas, o que permitiu prosseguir com o desenvolvimento do processo de produção de biocombustíveis. O conjunto foi objeto de uma patente, registrada nos EUA, que constituiu-se em uma inovação em âmbito mundial.

A patente foi licenciada para a empresa Rentech, que é especializada na produção de biocombustíveis, e que foi criada por pesquisadores egressos do próprio NREL. Um reator de leito fluidizado, específico para uso com o novo catalisador, já foi desenvolvido pelos engenheiros da Rentech. Entretanto, a cessão da patente não é exclusiva e está disponível para empresários brasileiros que venham a se interessar por este novo e promissor ramo de negócios em energia limpa.

Décio Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja.

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Reator de Leito Fixo
É um reator onde, normalmente, o meio reacional se encontra em uma fase líquida ou gasosa e o catalisador se encontra na fase sólida. É constituído de inúmeras e partículas pequenas, depositadas ao longo das paredes internas de um reator tipo tubular. Em inglês é conhecido como Packed-Bed Reactor (PBR).

Reator de leito fluidizado
O funcionamento deste reator é parecido com o PBR. Entretanto, na prática assemelha-se a um tubo vertical, em cujo interior pequenas partículas sólidas são suspensas em uma corrente de fluxo ascendente. A velocidade do fluxo é suficiente para “suspender“ as partículas, mas não é forte o suficiente para arrastá-las para fora do reator. Em função deste efeito, as partículas sólidas “dançam” no fluido permitindo que se forme uma excelente mistura entre o catalisador e os reagentes, devido a uma maior superfície de exposição dos reagentes ao catalisador.
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