PUBLICIDADE
CREMER2024 CREMER2024
026

O gigante asiático e a queima de carvão


Edição de Dez 2011 / Jan 2012 - 15 dez 2011 - 16:04 - Última atualização em: 09 mar 2012 - 17:51

No início do ano fui convidado para participar como palestrante de um congresso na cidade de Dalian, na China. Fiquei bastante interessado com a programação, na qual estavam previstas seções temáticas abordando todas as formas possíveis de energia renovável: eólica, solar, biocombustíveis etc. Em outubro último, junto com uma meia dúzia de colegas brasileiros, viajei para o país asiático.

Distribuídas ao longo de seis dias, as palestras contaram com a participação de colegas pesquisadores de universidades e empresas do mundo todo. Obviamente, concentrei a minha participação nas sessões dedicadas aos óleos e gorduras. Foram apresentados nessas sessões trabalhos sobre processos de produção de biodiesel e diesel renovável, além de alguns estudos sobre fontes alternativas de matéria-prima.

Fora o fato de serem cada vez mais numerosas as palestras sobre diesel renovável (hidrocarbonetos produzidos por craqueamento ou hidrocraqueamento de óleos e gorduras) em congressos sobre o tema, nada realmente novo foi verificado. Na plateia, muitos europeus questionavam principalmente o “trilema” biocombustíveis, segurança alimentar e meio ambiente. Viu-se os velhos argumentos contra o uso de biocombustíveis, principalmente a questão do deslocamento de terras agriculturáveis para a agroenergia, que poderia impactar na produção de alimentos, e a das emissões de particulados de dimensões nanométricas que acompanha a queima de etanol e biodiesel, altamente tóxicos para a saúde humana. Ou seja, não houve durante as sessões dedicadas aos óleos e gorduras nenhuma surpresa, seja positiva ou negativa.

A grande novidade ficou por conta dos noticiários. A Air China, empresa aérea chinesa, estava realizando voos com bioquerosene de aviação. Foi difícil descobrir a tecnologia que os chineses estavam usando. Pelo que pude perceber, o bioquerosene estava sendo produzido com óleo de pinhão-manso, o qual era processado por craqueamento ou hidrocraqueamento e reforma, muito similar ao que se faz em refinarias de petróleo para produzir o querosene de aviação de origem fóssil. Além disso, parece que esta não é a única iniciativa chinesa na busca por combustíveis líquidos renováveis. Iniciativas como essas chamam a atenção quando levadas a cabo por um país populoso como a China, que não consegue alimentar o seu povo e está importando cada vez mais alimentos de países como o Brasil. Aliás, isso contraria totalmente os argumentos ouvidos nas sessões temáticas sobre o assunto.

Não foi difícil entender a motivação do gigante asiático. Caminhando pelas ruas de cidades como Pequim e Dalian, não é raro ver carrocinhas onde se cozinha todo tipo de alimento pela queima de carvão mineral. Mesmo o churrasquinho, muito parecido com o que vemos nas ruas das nossas metrópoles, é preparado com carvão mineral. Durante a viagem de trem que fiz de Pequim para Dalian avistei ainda diversas termoelétricas que produziam eletricidade a partir da mesma fonte. Obviamente, o ar perto dessas termoelétricas ou perto dos citados churrasquinhos é quase irrespirável. Além disso, a poluição no ar é algo muito perceptível: nos poucos dias em que fiquei em Pequim, não consegui ver o sol mesmo com o céu limpo. Era tão densa a camada de poluição que era possível olhar a qualquer hora do dia diretamente para o sol sem usar óculos de sol ou filtro.

Ou seja, parece que o gigante asiático tem uma dependência muito forte do carvão mineral, algo que me lembrou o início da revolução industrial. Talvez, ao contrário do que pensam os que na plateia questionavam a possível emissão de nanoparticulados pela queima de biocombustíveis, os chineses estejam na esperança de encontrar uma saída mais limpa para a situação crônica de dependência energética de carvão mineral a que estão submetidos.

Paulo Suarez é professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília (IQ-UnB) e foi vencedor do Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia em 2005.