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Fecombustíveis: críticas ao biodiesel


Edição de Ago / Set de 2011 - 15 ago 2011 - 12:37 - Última atualização em: 19 jan 2012 - 16:15
Relatório da Fecombustíveis levanta uma série de problemas com a introdução do B5 e intensifica a divisão entre postos e usinas. Postura adotada pelos dois grupos tem sido mais de confronto que de conciliação

Fábio Rodrigues, de São Paulo

No começo de junho, a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis) publicou a edição 2011 de seu Relatório Anual de Revenda de Combustíveis. Nele, a entidade não economizou críticas ao biodiesel e afirmou que o produto está por trás de uma série de problemas que os postos de combustíveis vêm enfrentando.

De acordo com o documento, assim que o B5 foi oficializado vários donos de postos começaram a reclamar que “uma espécie de borra estava se formando em tanques e filtros, causando até mesmo entupimentos”. O relato típico era que um material “escuro, pegajoso, malcheiroso e de origem orgânica” estava entupindo tanques, tubulações e filtros. Mais do que uma chateação, isso estava aumentando os custos com manutenção e, pior ainda, obrigando alguns postos a lidar com consumidores irados.

O problema em si não chega a ser novo. Ele é causado pela proliferação de micro-organismos na água que se acumula no fundo dos tanques que armazenam óleo diesel. Mas, segundo especialistas, o aumento da mistura jogou mais lenha na fogueira. Como o biodiesel é mais higroscópico (absorve mais umidade do ar), sua adição ao diesel mineral acelera o processo.

Apesar de ninguém negar o problema, a falta de números consolidados tem levado produtores de biodiesel e varejistas a se estranharem toda vez que se encontram. Enquanto para os usineiros as dificuldades são pontuais, a Fecombustíveis bate o pé dizendo que não. O round mais recente aconteceu durante uma audiência pública realizada pela Câmara dos Deputados em 28 de junho, na qual o presidente do Conselho Superior da Ubrabio, Juan Diego Ferrés, e o presidente da Fecombustíveis, Paulo Miranda Soares, trocaram farpas.

O consultor da União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio), Donato Aranda, reflete a posição dos produtores ao dizer que os dados preliminares dos Grupos de Trabalho, criados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em julho do ano passado, indicam que o problema não é estatisticamente relevante e que a maioria das dificuldades poderia ser evitada seguindo as recomendações da norma da ABNT (a NBR 15512). “No escopo da norma atual existem recomendações para limpeza dos tanques, caminhões e tubulações. O que temos observado é que esses procedimentos não vinham sendo seguidos”, diz.

Já o diretor de Postos e Rodovias da Fecombustíveis, Ricardo Hashimoto, qualifica essa linha de raciocínio como “prepotente”. “Os produtores negam que o biodiesel seja o causador dos problemas apresentados, classificando os casos como pontuais e causados por descuidos dos postos”, protesta.

Para o pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia (INT) Eduardo Cavalcanti, este é um problema multidisciplinar em que não cabe ficar culpando um ou outro. Embora reconheça que muitos estabelecimentos tenham falhado em seguir as recomendações da ABNT, ele considera que houve falha em capilarizar melhor as informações para os 38 mil postos do Brasil. Por outro lado, Cavalcanti ressalta que embora o INT não tenha flagrado nenhum fabricante de biodiesel vendendo produto fora das normas, alguns deles chegavam perigosamente perto das margens. “Existem ‘fabricantes e fabricantes’ de biodiesel”, sintetiza, apontando que enquanto um grupo produz biodiesel com baixíssima umidade, outros entregam seu produto beirando os 500 ppm de água permitidos.

Guia

Enquanto a solução definitiva não vem, em março passado a ANP lançou uma versão atualizada do Guia de Procedimentos de Manuseio e Armazenagem de Óleo Diesel B – uma espécie de cartilha que explica o beabá dos cuidados a serem tomados para que o óleo diesel não se degrade.

Embora admitam que é um passo na direção certa, os representantes dos postos criticam o que consideram “recomendações inviáveis”. Para Hashimoto, há duas delas: manter os tanques de armazenamento de óleo diesel sempre no limite máximo – o que reduziria a exposição à umidade – e evitar que o combustível fique parado por mais de 30 dias. “O regime de entregas dos produtos faz com que isso não seja possível. O biodiesel deveria suportar as condições do mercado”, reclama.

Uma solução mais consistente talvez surja com a revisão da NBR 15512, mas isso ainda deve levar vários meses. “A norma está sendo totalmente revisada. Este é um estudo muito profundo e a responsabilidade é enorme”, explica o consultor da Fecombustíveis, Delfim Oliveira. Aranda, da Ubrabio, não acha que a norma precise de mudanças profundas. “Ela está sendo atualizada para incluir os blends de biodiesel, mas se você olhar as minutas vai perceber que pouca coisa está sendo acrescentada em termos de novos procedimentos”, diz, reforçando que o problema é muito mais de adesão às boas práticas do que de rigidez.

Oxidação

Além da formação de borras, o relatório da Fecombustíveis diz que a oxidação do biodiesel também tem causado dores de cabeça. Além de empurrar o produto para fora da especificação, há indícios de que o biodiesel oxidado pode distorcer os resultados dos testes que a ANP usa para medir o teor de mistura.

Segundo o professor da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Suarez, a oxidação acontece quando as moléculas do biodiesel se combinam com o oxigênio do ar. Em geral, o processo ocorre de forma consideravelmente lenta, mas a umidade e o cobre funcionam como catalisadores. Como os tanques nos quais o B5 é estocado nos postos costumam ter essas três coisas – cobre, oxigênio e água –, eles acabam se tornando um ambiente inóspito.

O problema com isso é que a oxidação do biodiesel forma substâncias que absorvem o infravermelho numa região que se sobrepõe parcialmente à região absorvida pelo biodiesel. Isso pode estar causando distorções no método usado pela ANP para determinar o teor de biodiesel. É mais ou menos como se estivéssemos tentando calcular o tamanho de um espelho acendendo uma lanterna sobre ele para medir seu reflexo, e de repente, alguém pintasse a moldura desse espelho de prateado.

Suarez faz questão de ressaltar que isso não é garantia de que não esteja havendo adulterações: “A oxidação é uma explicação possível, mas não é a única”.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a ANP refutou as alegações do relatório. Segundo a agência, o infravermelho é um método reconhecido e amplamente utilizado na Europa e nos Estados Unidos. “Para confirmar os resultados obtidos por infravermelho, o Centro de Pesquisas e Análises Tecnológicas da ANP desenvolveu um método de detecção de biodiesel em misturas de óleo diesel e biodiesel por cromatografia gasosa. Os resultados apresentados para as duas metodologias mostraram-se consistentes e compatíveis”, garante o comunicado enviado a BiodieselBR.

Não estamos sós

No começo de julho, a Associação para a Gestão da Qualidade do Biodiesel (AGQM) da Alemanha realizou uma reunião que discutiu como controlar o fenômeno da formação de borras de origem microbiana nas misturas entre diesel e biodiesel.

As conclusões dos alemães não parecem muito diferentes das nossas: melhorias nos procedimentos de manuseio e armazenagem e reduções no teor de água do biodiesel. No entanto, o assunto parece ter evoluído melhor lá fora. O setor produtivo, que estava sendo acusado de bater de frente, passou a trabalhar em conjunto com as distribuidoras e adotou uma postura mais conciliadora.