Coluna: Biodieseis não convencionais
Muito se tem discutido sobre
os problemas inerentes às
tecnologias convencionais
de produção de biodiesel,
como a intolerância à acidez e ao
teor de umidade das matérias-primas,
as perdas de rendimento
devidas à saponificação, o alto
consumo de águas de lavagem
e o índice de contaminação dos
co-produtos. Além disso, outras
importantes propriedades desses
produtos, como a estabilidade à
oxidação e o comportamento reológico
em baixas temperaturas,
também vêm sendo apresentadas
como absolutamente críticas à sua
aceitação e viabilidade comercial.
Nesse sentido, há que se fazer uma
breve distinção entre os problemas
inerentes às matérias-primas
e aqueles oriundos do processo
de produção, ou seja, os que poderiam
ser perfeitamente evitados
caso medidas corretivas estivessem
sendo seguidas no processo
de produção. Dentre as propriedades
inerentes à matéria-prima,
vale realmente destacar as de fluxo
em baixas temperaturas, que
se traduzem em parâmetros como
os pontos de névoa, de fluidez e de
entupimento de filtro a frio.
Como
a natureza não nos brindou com a
oferta de uma matéria-prima ideal
para a produção de biodiesel, que
corresponderia a uma fonte lipídica
com altos teores dos ácidos oléico
e palmitoléico, várias iniciativas
vêm sendo empreendidas para
resolver a questão, de modo a produzir,
oxalá de modo sustentável,
um biodiesel que esteja absolutamente
de acordo com as especificações.
Naturalmente, muitas dessas
iniciativas, ainda distantes da
engenharia genética, têm se pautado
pela mistura de matérias-primas
de diferentes origens que, na
composição, permitam um ajuste
fino nas especificações do produto.
E foi a partir dessas ações que surgiram
as blendas de óleo de soja e
sebo bovino, dos óleos de babaçu
e de mamona e dos óleos de dendê
e de soja, dentre tantas outras possibilidades.
Além disso, o afã pela
expansão do uso de etanol para
a produção de biodiesel também
tem levado a soluções paliativas,
como o emprego de metilato de
sódio em reações de alcoólise de
óleos neutros com etanol anidro,
ou até mesmo ao uso de misturas
binárias (etanol/(bio)diesel) e
ternárias (etanol/diesel/biodiesel)
que já se mostraram instáveis em
um passado não muito distante.
O problema crucial dessas iniciativas
está em que muitas delas geram
um (bio)combustível novo, de
propriedades únicas, cuja especificação
não está regida pelas normas
da resolução vigente. A realidade
é a de que muitos dos métodos
listados nas especificações internacionais
não estão preparados
para analisar amostras complexas
de ésteres graxos cuja composição
química não seja compatível com
fontes oleaginosas convencionais.
Na verdade, já existem problemas
o suficiente nesses procedimentos
analíticos quando se muda a matéria-
prima de uma para outra, que
dirá quando o produto for fruto
de uma combinação de diferentes
matérias-primas, envolvendo inclusive
algumas consideradas não
convencionais (mamona, babaçu,
nabo forrageiro, óleos de peixe e,
por que não dizer, óleos de algas).
Sabe-se que órgãos certificadores
como a ASTM e a própria ABNT
estão preocupados com essas questões,
cujas soluções analíticas representam
um grande desafio. No
entanto, enquanto esses métodos
alternativos não estão disponíveis,
falar sobre esses tipos de “biodieseis
não-convencionais” chega a
ser um ato de irresponsabilidade
perante a legislação.
Luiz Pereira Ramos: Professor do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e doutor pelo Instituto de Biologia Ottawa-Carleton da Universidade de Ottawa, no Canadá.