BiodieselBR.com 10 nov 2025 - 19:16

Entre os maiores fabricantes de biodiesel do país, a Caramuru, quer avançar em seus compromissos socioambientais. Para isso ela uniu forças com a Fundação Eco+ para conduzir um grande diagnóstico que somou a análise de ciclo de vida para medir as emissões de gás carbônico geradas durante seus processos produtivos e um estudo pormenorizado dos impactos sociais de suas atividades. O trabalho, que durou um pouco mais de um ano, indica possibilidades de melhoria para a empresa.

Para entender melhor como foi esse processo e o que ele revelou, BiodieselBR.com conversou com a analista de Sustentabilidade Aplicada da Fundação Eco+, Rebeca Venâncio, e com a supervisora de Sustentabilidade da Caramuru, Thais Ribeiro.

BiodieselBR.com – De que forma se desenvolveu essa parceria entre Caramuru e Fundação Eco+? De quem partiu a iniciativa e quais eram os objetivos logo no começo das conversas?

Thais Ribeiro – A Caramuru conheceu a Fundação Eco+ em 2020, quando ela nos apoiou na implementação do RenovaBio e em nossa primeira pegada de carbono. Já em 2024, quando a equipe de monômeros da BASF citou novamente o nome da Fundação, entendemos que era o momento para ampliar o nível de detalhamento e precisão dos nossos estudos, inclusive para mapear impactos sociais relevantes.

Rebeca Venâncio – Nosso papel foi o de ampliar o entendimento sobre o desempenho socioambiental da cadeia de valor do biodiesel, indo além da análise interna e incorporando o conceito de Ciclo de Vida. Esse projeto buscou mensurar a pegada de carbono do biodiesel da Caramuru no escopo “do berço ao portão” e aprofundar a análise dos impactos sociais criando uma base sólida para decisões estratégicas que unam ganhos ambientais e sociais com viabilidade econômica.

BiodieselBR.com – Quanto tempo foi necessário da ideia inicial até o relatório final?

Thais Ribeiro – O projeto teve início em maio de 2024, com o primeiro contato para definição de escopos, atualização das metodologias e alinhamento dos objetivos. Os resultados começaram a ser apresentados entre julho e agosto de 2025. Nesse processo, ampliamos o estudo para incluir todos nossos produtos de commodities diferenciadas, o que tornou o projeto mais robusto e exigiu um planejamento cuidadoso ao longo de mais um ano.

Rebeca Venâncio – Como foi um projeto sofisticado em termos de análise e mensuração, o trabalho durou mais de um ano, desde a concepção até a entrega. Combinamos metodologias distintas, como a avaliação do ciclo de vida e o Hotspot Analysis, o que exigiu um período considerável de preparação e execução. O projeto passou por fases de alinhamento de objetivos, coleta e análise de dados, elaboração do relatório e apresentação dos resultados entre julho e agosto de 2025. A etapa final de revisão crítica por uma terceira ainda está em andamento, garantindo a robustez necessária dos resultados.

BiodieselBR.com – Quais foram os principais desafios enfrentados?

Thais Ribeiro – A coleta de dados agrícolas sempre representa o maior desafio. É uma etapa que exige profissionais dedicados e preparação cuidadosa para garantir que os dados levantados sejam consistentes e representativos da realidade do campo. Esse processo é essencial para assegurar a qualidade das informações que embasam o estudo.

Rebeca Venâncio – Além da coleta de dados agrícolas, que de fato é uma etapa crítica, o projeto também enfrentou desafios na integração de metodologias distintas, como a Avaliação do Ciclo de Vida para o aspecto ambiental e a Hotspot Analysis para o aspecto social, o que exigiu atenção para garantir consistência entre indicadores. Também foi necessário engajar diversos stakeholders, incluindo agricultores familiares, cooperativas, associações do setor e representantes do governo, para obter percepções representativas. No campo técnico, o mapeamento detalhado da etapa industrial, responsável por 88% das emissões de carbono da Caramuru, demandou levantamento preciso sobre consumo de energia, uso de insumos e processos de tratamento de efluentes. Por fim, abordar temas sociais como condições de trabalho, inclusão de mulheres e jovens e fortalecimento da agricultura familiar exigiu sensibilidade e equilíbrio para manter o rigor técnico sem perder a dimensão humana do estudo.

BiodieselBR.com – As emissões de carbono do biodiesel da Caramuru estão bastante concentradas da porta para dentro da usina. O mapeamento que vocês fizeram já permite a busca por melhorias nos processos?

Rebeca Venâncio – O mapeamento realizado permite identificar com precisão onde estão as maiores oportunidades de melhoria ambiental. O estudo mostra que, por quilo de biodiesel produzido, são emitidas cerca de 670 gramas de CO₂, sendo 88% dessas emissões concentradas na etapa industrial. O maior potencial de redução está na otimização do processo de transesterificação para diminuir o consumo de vapor e energia, na redução – ou substituição completa – do uso de hexano no esmagamento de soja e na melhoria do tratamento de efluentes. A adoção de fontes renováveis de energia poderia contribuir significativamente para a redução da pegada de carbono. Embora a etapa agrícola tenha menor peso neste caso, ainda há oportunidades de
melhoria, como a redução do uso de fertilizantes nitrogenados e de diesel.

Thais Ribeiro – É importante destacar que o estudo foi realizado em uma planta localizada em Goiás, onde o uso da terra está consolidado. Nosso time de originação vem ampliando esse olhar, considerando as características de cada área produtiva. Em outras regiões, onde há mudanças de uso da terra, a fase agrícola pode ter um peso maior nas emissões. Fatores como a localização e o perfil dos produtores influenciam significativamente os resultados, e por isso é essencial adaptar as estratégias de melhoria às realidades locais.

BiodieselBR.com – Surpreendeu vocês que a etapa agrícola tenha um peso relativamente pequeno na intensidade de carbono do biodiesel?

Thais Ribeiro – Neste caso específico, não. A concentração das emissões na fase industrial está alinhada com o trabalho que já vínhamos desenvolvendo para identificar oportunidades de descarbonização dos escopos 1 e 2. Os estudos de Avaliação do Ciclo de Vida com Pegada de Carbono e o Inventário de Emissões Corporativa e Plano de Descarbonização se complementam e reforçam ações que já estão em andamento.

Rebeca Venâncio – Concordo com a Thais – realmente, nesse caso, não foi uma surpresa. Embora em muitos estudos de biocombustíveis a etapa agrícola costume ter um peso significativo, devido ao uso de insumos e às emissões diretas no campo, o estudo da Caramuru, revelou impacto relativamente baixo nessa fase. Isso indica eficiência nas práticas adotadas e um manejo racional de insumos. O resultado reforça que, para este caso específico, a complexidade e a intensidade energética do processamento industrial da soja em biodiesel são os principais responsáveis pelas emissões, deslocando o foco das melhorias para dentro da usina.

BiodieselBR.com – Para além dos ganhos puramente ambientais, essas melhorias poderiam gerar também ganhos financeiros?

Rebeca Venâncio – Acredito que, dependendo do custo das intervenções necessárias, as melhorias ambientais identificadas podem até tornar o processo custo-positivo, especialmente se forem combinadas com incentivos e valorização de mercado para produtos com menor impacto ambiental. No caso dos biocombustíveis, por exemplo, estudos de pegada de carbono ou avaliação do ciclo de vida, ajudam a direcionar essas estratégias de melhoria, que podem, posteriormente, refletir em indicadores reconhecidos por instrumentos de mercado, como o RenovaBio, ampliando de forma indireta o potencial de retorno financeiro

Thais Ribeiro – Sim, há potencial para ganhos financeiros, especialmente quando conseguimos associar melhorias ambientais a maior eficiência operacional. Reduções de consumo de energia, insumos e água, por exemplo, podem gerar economia direta. Além disso, práticas mais sustentáveis tendem a fortalecer a reputação da empresa, abrir portas para novos mercados e atender a exigências de clientes que valorizam produtos com menor impacto ambiental. Esses fatores contribuem para competitividade e podem gerar retorno financeiro no médio e longo prazo. Embora Avaliação de Ciclo de Vida ou Pegada de Carbono, por exemplo, não influenciem diretamente na emissão de CBIOs, podem fornecer informações valiosas para identificar oportunidades de redução das emissões ao longo do ciclo de vida do produto. Essas melhorias, quando efetivamente implementadas e refletidas no cálculo oficial da RenovaCalc, podem levar a uma melhor eficiência energético-ambiental e, indiretamente, a maior geração de créditos.

BiodieselBR.com – As emissões de GEEs são importantes, mas não esgotam o assunto. Que outros aprimoramentos da performance ambiental puderam ser identificados?

Rebeca Venâncio – O estudo aponta que há diversas áreas que podem ser aprimoradas para melhorar a performance ambiental da operação. Entre elas estão o consumo de água na etapa industrial, a gestão de resíduos sólidos e efluentes, a redução de emissões para o solo e para o ar que não estão diretamente relacionadas aos gases de efeito estufa e a eficiência no uso de energia, com possibilidade de transição para fontes renováveis. Esses aspectos também impactam a sustentabilidade da operação e podem gerar benefícios adicionais, como melhor reputação e conformidade com exigências regulatórias.

Thais Ribeiro – Além desses pontos, o trabalho do Programa Sustentar, iniciativa da Caramuru Alimentos voltada à promoção de práticas agrícolas mais sustentáveis e à regularização socioambiental das propriedades fornecedoras, foi fundamental para aprofundar o estudo sobre a mudança do uso da terra. A partir das ações do programa, que envolvem o monitoramento de áreas produtivas, o apoio técnico aos produtores e a integração de informações ambientais, foi possível ampliar nossa compreensão sobre os impactos ambientais associados à cadeia de originação. Esse olhar mais detalhado fortalece o monitoramento das áreas produtivas e contribui para decisões mais assertivas em relação à sustentabilidade do negócio como um todo.

BiodieselBR.com – E por que abordar também os impactos sociais do biodiesel?

Thais Ribeiro – O biodiesel tem uma vocação social muito forte. O Selo Combustível Social é um dos diferenciais do programa, por estar diretamente vinculado à agricultura familiar. Queríamos, com esse estudo, reforçar a relevância desse aspecto e evidenciar a importância do aumento da mistura obrigatória, que amplia a inclusão produtiva e o alcance das nossas ações de assistência técnica.

Rebeca Venâncio – Abordar os impactos sociais é fundamental porque a sustentabilidade não se limita ao meio ambiente, mas envolve também o bem-estar das pessoas que participam da cadeia de valor. O biodiesel no Brasil está fortemente ligado à agricultura familiar, à inclusão social e ao desenvolvimento regional. Ao mapear os impactos sociais, a Caramuru e a BASF conseguem identificar oportunidades de melhoria que fortalecem comunidades, aumentam a produtividade e geram benefícios socioeconômicos, criando um ciclo virtuoso entre produção e desenvolvimento local.

BiodieselBR.com – É meio automático que, quando a conversa deriva para os impactos sociais do biodiesel, comecemos a falar de agricultura familiar e Selo Social. Que outros impactos vocês identificaram?

Rebeca Venâncio – Realmente, o estudo identificou que os impactos sociais vão muito além da agricultura familiar e do Selo Social. Foram observados programas de capacitação e preparo profissional que melhoram as condições de trabalho e a produtividade dos agricultores, iniciativas voltadas para saúde e segurança por meio de orientações sobre práticas agrícolas sustentáveis, e um engajamento significativo de mulheres e jovens. Também foi constatado que o programa de biodiesel trouxe uma nova perspectiva de vida para os produtores, melhorando a autoestima e a condição de vida das famílias. A diversificação da produção nas cooperativas, incluindo lavoura, hortaliças e leite, promove sustentabilidade econômica e inclusão social, reforçando o papel do biodiesel como vetor de desenvolvimento humano.

Thais Ribeiro – Sim e a metodologia social da Fundação Eco+ é própria e estruturada em seis Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: Erradicação da Pobreza, Fome Zero e Agricultura Sustentável, Saúde e Bem-Estar, Educação de Qualidade, Igualdade de Gênero e Redução das Desigualdades. O estudo destacou aspectos como geração de emprego e renda, capacitação e qualificação profissional, condições de trabalho e segurança, engajamento de mulheres e jovens, escalabilidade de projetos, qualidade e padrões de mercado, além da rastreabilidade – todos pilares fundamentais para o fortalecimento do setor.

BiodieselBR.com – Que aprimoramentos nas práticas sociais da Caramuru os resultados do estudo sugerem?

Thais Ribeiro – O estudo trouxe uma análise detalhada dos principais riscos e desafios sociais, acompanhada de recomendações e caminhos possíveis para evolução. A Caramuru tem um compromisso contínuo com a melhoria de seus processos, e os resultados apresentados servirão como base importante para a definição de novas ações e decisões estratégicas nessa agenda.

Fábio Rodrigues – BiodieselBR.com