“A gente sempre apostou em parcerias duradouras”, afirma o CEO da MIlia, Vitor Berkowitz, na hora de explicar o que permitiu o sucesso da empresa mesmo em meio a um contexto desafiador.
Prestes de completar 5 anos de existência, a trading cresceu muito em pouco tempo, se consolidando no mercado. A empresa iniciou suas operações meses antes do mundo parar por causa da Covid-19, mas perseverou e teve sucesso em surfar a onda de preços altos causada pelo rebote da economia pós-pandêmica. Disposta a investir, a trading agora olha para outros mercados em busca de diversificação de seu portfólio. Esses foram os temas da conversa de BiodieselBR.com com o empresário.
BiodieselBR.com – A Milia ainda é uma empresa muito jovem. Tem só 5 anos. Qual a história por trás da empesa? O que levou você a apostar que haveria espaço para um novo player no mercado de glicerina?
Vitor Berkowitz – Na verdade, a Milia vai completar cinco anos no dia 14 de novembro. Eu trabalhei durante muitos anos na divisão de aviação da General Electric até que, em 2018, eu me transferi para uma empesa de importação e exportação que atuava com glicerina. Eram volumes pequenos, mas entrei de cabeça para desenvolver esse mercado. Naquela época percebi que o mercado de glicerina sempre foi um tanto fechado, com poucos players. Foi nessa época que um deles, justamente um dos maiores, passou a enfrentar dificuldades financeiras. E isso me fez perceber que os compradores e os fornecedores sentiam a necessidade de diversificar suas carteiras. Como eu já trazia uma experiência corporativa de muitos anos, sempre na área comercial, e sempre tive essa ânsia de empreender, resolvi focar inicialmente nesse mercado e abri a Milia.
BiodieselBR.com – Em sua opinião, qual o diferencial da Milia em relação aos concorrentes?
Vitor Berkowitz – Na minha percepção naquele momento, senti que esse mercado sofria de uma certa falta de transparência. Foi onde resolvi me diferenciar. Desde o começo da Milia, quando era somente eu, busquei estabelecer uma comunicação mais clara com os fornecedores. Quando os preços subiam, eu trazia essa informação para os contratos serem negociados e a remuneração dos fornecedores fosse melhor. E a mesma coisa quando o mercado está com viés de queda. A transparência em relação aos dados foi e continua sendo um diferencial. Mas também trouxemos uma logística integrada. Não nos colocamos só como um intermediário na negociação da glicerina, deixando todo o risco na mão dos fornecedores ou dos clientes. Nós trazemos parte desse risco da operação para dentro de casa o que também gera muito mais confiança.
BiodieselBR.com – Como vocês operacionalizam essa transparência da qual você estava falando? Vocês atuam mais como uma boutique, mantendo uma relação individualizada ou tentam criar canais de comunicação mais formais?
Vitor Berkowitz – As duas coisas. Realmente a gente atua muito com uma boutique. É um esforço de comunicação diário onde qualquer informação que o time acha importante trazer para o mercado é logo comunicada aos fornecedores e clientes, mesmo que fora da rotina. A gente está num mercado dinâmico ao extremo; se ficarmos esperando um ou dois dias para dividir qualquer informação por meio de uma reunião ou newsletter, tudo pode ter mudado. Então, a gente está sempre em contato com todo mundo de forma a nivelar a informação e estreitar nosso relacionamento.
BiodieselBR.com – Como uma empresa jovem, como foi que vocês construíram a rede logística da Milia. Vocês já estão no Brasil inteiro?
Vitor Berkowitz – Respondendo a última pergunta primeiro: sim, a gente está em todo o território nacional exportando em portos de Sul a Norte, nos permitindo oferecer a melhor solução para cada parceiro. Para montar a nossa rede de logística, a gente apostou em parcerias duradouras. É uma questão que eu trouxe comigo de minha experiência na indústria de aviação onde tudo precisa ser muito no detalhe. Você precisa de parceiros em que você confia e que confiem em você de volta. Por isso, não rifamos o mercado em busca de preço. Procuramos trabalhar com empresas de logística parceiras com as quais temos contratos mensais formalizados e times exclusivos. A gente tem alocação de navio dedicado para a Milia. Isso garante um serviço melhor, porque podemos cobrar coisas que não seriam possíveis exigir de parceiros com os quais você não tem uma relação.
BiodieselBR.com – Trabalhar dessa forma não limita um pouco a capacidade operacional de vocês?
Vitor Berkowitz – Lógico que nós também usamos parceiros mais pontuais para negócios do mercado spot. Assim temos mais flexibilidade. Mas sempre me incomodou como o mercado de glicerina operava, como um leilão gigante com vários players trabalhando com diversos prestadores de serviço logístico diferentes em busca de preço. Trabalhando dessa forma, você fica dependente da disponibilidade desses prestadores de serviço que também não dão garantia de atendimento porque você também não está trazendo negócios de forma estável para eles. Por isso, fizemos a opção por, em alguns casos. sacrificar um pouco da margem por acreditarmos que, no longo prazo, ganhamos muito mais com a perpetuidade das parcerias.
BiodieselBR.com – E como a participação de vocês no mercado de glicerina tem evoluído?
Vitor Berkowitz – Em agosto a Milia foi o segundo maior exportador do mercado brasileiro com mais de 300 containers de glicerina loira. Como a empresa foi aberta no final de 2019 tivemos uma operação muito pequena nesse mesmo ano, por isso eu realmente começo a contar o crescimento da Milia a partir de 2020 quando fizemos entre 20 e 30 containers por mês. No segundo ano já estávamos fazendo perto de 100; no terceiro ano rodamos entre 180 e 200; e, em 2024, estamos na faixa dos 250 a 320.
BiodieselBR.com – Uma coisa que me chamou a atenção é que vocês entraram no mercado às vésperas da pandemia da Covid-19. Como foi iniciar uma empresa nesse período?
Vitor Berkowitz – Uma pandemia é algo que não entra nem no melhor business plan do mundo; então, realmente passou pela minha cabeça algo como: ‘Putz! Abri a empresa na hora errada!’. Nos dois primeiros meses -- quando tivemos o confinamento mais restrito – passamos por um momento muito difícil com todo mundo tentando se ajustar aquela nova situação. Mas, como a glicerina é um produto com diversas utilidades, tivemos uma recuperação muito boa do nosso produto. Logo vimos um aumento muito grande na demanda e, consequentemente, uma disparada nos preços. Eu diria que essa alta foi um desafio até maior que a própria pandemia.
BiodieselBR.com – Por quê? Não é um tanto contraintuitivo que uma alta nos preços de seu principal produto seja um ‘desafio’?
Vitor Berkowitz – Se fosse hoje, com a empresa mais estruturada, eu, certamente, teria aproveitado ainda mais uma disparada de preços como aquela. Mas com meses de existência, não foi nada fácil surfar aquela onda. A alta dos preços nos pressionou num momento em que a gente estava aumentando o nosso volume físico de vendas. Onde eu tinha pensado que gastaria, digamos, 1.000 para comprar 100 toneladas de glicerina; eu estava gastando 100 mil pelo mesmo volume. Isso gerava uma necessidade de caixa muito maior do que a que tínhamos planejado inicialmente o que nos demandou uma capacidade de gestão financeira tremenda para conseguir fazer esse ajuste. Até concordo que, no final, acabou sendo bom para a gente, mas foi nosso maior desafio
BiodieselBR.com – E como vocês resolveram?
Vitor Berkowitz – A gente sempre teve uma gestão corporativa muito sólida que eu trouxe de minhas experiências em grandes empresas. Então, pude recorrer aos parceiros e ao mercado financeiro. Se você tiver um planejamento sólido e confiável, capaz de mostrar que o seu negócio gera resultado, o mercado acredita e investe. O mercado financeiro é outro ponto onde buscamos gerar parcerias duradouras. Nós não trabalhamos com 30 instituições financeiras diferentes. Isso ajuda a termos parceiros que realmente conheçam a nossa cultura.
BiodieselBR.com – Já que estamos falando sobre esse período. Eu queria entender melhor o que causou aquele pico de preços do período pós-pandemia?
Vitor Berkowitz – Sinceramente, a razão real, eu acho que ninguém sabe. A meu ver, acho que foram várias coisas alinhadas. Praticamente todos os governos do mundo injetaram dinheiro em suas economias para evitar uma grande recessão, isso fez com que alguns mercados passassem a girar suas economias com muito mais força. Ao mesmo tempo, havia muito medo de desabastecimento. Isso levou muitos compradores de glicerina a acreditarem que o melhor a se fazer naquele momento era se estocarem. E isso não aconteceu somente com a China, nosso maior comprador, a Rússia, Europa e outros mercados, também passaram a comprar tudo o que podiam. Fora isso, a glicerina é um insumo básico tanto para a produção de álcool em gel quanto de outros produtos de higiene e limpeza que tiveram um grande aumento de vendas nessa época. O resultado foi que a demanda subiu além da oferta e os preços acabaram explodindo.
BiodieselBR.com – E como a Milia vem se saindo depois que essa onda dos preços altos quebrou?
Vitor Berkowitz – Sinceramente, foi um ajuste até mais fácil. Lógico que, com o derretimento dos preços, temos um impacto direto no faturamento. Mas pudemos compensar essas perdas com o aumento dos volumes embarcados. E, com a aprovação da Lei do Combustível do Futuro, temos uma sinalização de que, no futuro, teremos ainda mais volume disponível de glicerina. Além disso, também atuamos com outros produtos que não foram tão afetados.
BiodieselBR.com – Que outros produtos fazem parte do portfólio da Milia além da glicerina?
Vitor Berkowitz – Depois da glicerina, nosso principal produto é o óleo de amendoim que é um óleo vegetal nobre de alto valor agregado. Embora a glicerina, de longe, seja nosso produto de maior volume. No faturamento temos 50% para a glicerina e 40% para o óleo de amendoim. Os outros 10% se dividem entre tocoferol, ácidos graxos, borra, lecitina que são produtos que exportamos e, também, trabalhamos no mercado doméstico.
BiodieselBR.com – E por que o óleo de amendoim?
Vitor Berkowitz – Foi uma história parecida com a da glicerina. Eu já conhecia o mercado, tinha acesso aos fornecedores e aos compradores... O amendoim ainda é uma cultura pequena no Brasil quando comparada à soja, ao milho ou ao algodão, por exemplo, mas vem recebendo muito investimento. O ano de 2024 não foi bom para o amendoim porque tivemos uma quebra de safra muito grande – estimada entre 40% e 50%. As condições meteorológicas não ajudaram. Mas as expectativas para a safra 2024/25 são positivas com um crescimento da área plantada em torno de 30%. É muita coisa! Se o clima ajudar, o óleo de amendoim vai representar uma fonte de crescimento muito importante para a Milia podendo até passar a glicerina como nosso maior faturamento.
BiodieselBR.com – Dois produtos representam 90% do faturamento da Milia. Não é um nível muito grande de dependência?
Vitor Berkowitz – Quando você está começando tem que estar focado no mercado no qual você quer se colocar. Se você diversifica demais logo de cara, você não se especializa em nenhum mercado. Então, nesses primeiros cinco anos, queríamos nos estabelecer como um grande player na glicerina e no óleo de amendoim, assim conquistando um market share importante. Hoje, a Milia está preparada para começar a desbravar novos produtos e mercados. Diversificar o nosso portfólio é nosso principal plano estratégico para 2025. A gente pretende ir ao mercado para buscar profissionais especializados em outros nichos que possamos agregar na empresa. Vejo muitas oportunidades não só na exportação, mas também na importação de produtos. Esse é um passo fundamental em termos de garantirmos bases sólidas para a perpetuidade à Milia.
BiodieselBR.com – Em relação à glicerina, vocês pensam em entrar em destilação? Ou que outras oportunidades vocês estão perseguindo.
Vitor Berkowitz – Essa ideia não faz parte do nosso planejamento estratégico. O que temos analisado com mais frequência é fazer um investimento em uma estrutura de tamboramento da glicerina refinada. É um mercado no qual ainda trabalhamos pouco, mas que tem muita chance de crescimento, porque nos permitiria fazer vendas mais pulverizadas. Para isso precisaríamos ter uma estrutura física com o estoque da glicerina e equipamento dedicado ao tamboramento. Por enquanto, não temos um plano de investimento aprovado ou uma área escolhida, mas é algo que estamos olhando e pode ser uma novidade para 2025.
Fábio Rodrigues – BiodieselBR.com