Zerar imposto de importação não deve reduzir combustível ou inflação, dizem especialistas
O Ministério da Economia anunciou na segunda-feira (21) que vai zerar, até o final do ano, o imposto sobre importação de etanol e de seis alimentos: café, margarina, queijo, macarrão, açúcar e óleo de soja. O objetivo, segundo o governo, é baratear o custo desses produtos para a população e, assim, conter a inflação, que já passa de 10% nos últimos 12 meses. Mas especialistas dizem que a medida, apesar de positiva, deve ter pouco impacto nos preços.
No caso do etanol, o efeito deve ser baixo porque o Brasil não é um grande importador do produto. Embora tenha comprado mais de 1 bilhão de litros do combustível do exterior em 2020, é pouco em relação à produção no país, que chegou a 32,6 bilhões de litros no mesmo ano, de acordo com dados da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), ligada ao Ministério de Minas e Energia.
"Isentar o etanol de imposto de importação não me parece ter grandes efeitos. Geralmente não importamos nada de etanol hidratado —o que é vendido na bomba. No caso do etanol anidro, que é misturado à gasolina, importamos só 12% do que consumimos nos últimos cinco anos. Além disso, o preço lá fora não está baixo", disse ao UOL Eric Gil Dantas, economista do Observatório Social da Petrobras e do Ibpes (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais).
Dantas afirma que a adição do etanol anidro equivale a R$ 0,90 do preço final da gasolina, que já se aproxima de R$ 7 no Brasil, em média.
“Isentar a parte importada de imposto não deve ter nenhum efeito relevante no preço final da gasolina. É irreal essa projeção do governo, de que isso [isenção do imposto] vai baratear a gasolina em R$ 0,20”, afirma Eric Gil Dantas, economista do Observatório Social da Petrobras e do Ibpes
No anúncio da isenção da tarifa, o secretário de Comércio Exterior, Lucas Ferraz, disse que estimativas apontam que a redução de 18% a zero da tarifa do etanol poderia reduzir em R$ 0,20 o preço do litro da gasolina na bomba.
Júlio Maria Borges, sócio-diretor da JOB Economia e Planejamento, concorda. À agência de notícias Reuters, ele afirmou que o etanol dos Estados Unidos —principal vendedor do produto ao Brasil em 2021— "está caro". "O imposto zerado não deve ter efeito no curto prazo", disse.
Para o presidente da consultoria agrícola Datagro, Plinio Nastari, o Brasil também teria dificuldades para importar etanol dos EUA. "Tem o início da demanda de verão nos EUA, quando aumenta o consumo de gasolina e os preços sobem, Com o aumento da gasolina, o preço do etanol também sobe", afirmou à Reuters.
Pouco efeito na inflação
O governo ainda zerou a taxa para café moído (de alíquota de 9%), margarina (10,8%), queijo (28%), macarrão (14,4%), açúcar (16%) e óleo de soja (9%), uma vez que considera que esses itens estão entre os componentes que mais pesam no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).
A avaliação dos especialistas é de que a medida terá pouco impacto na inflação, porque os alimentos representam uma parcela quase irrisória do total de importações do Brasil.
As compras de café torrado do exterior, por exemplo, somaram US$ 79,24 milhões no ano passado, segundo dados do Ministério da Economia, o que corresponde a apenas 0,04% do total de importações feitas em 2021. A participação do açúcar no período é ainda menor, de 0,03% (US$ 63,79 milhões).
Para Nastari, a isenção de tarifa para importação de açúcar não deve ter efeitos práticos, uma vez que o Brasil, maior exportador global, é o país com menor custo do mundo.
As compras de margarina e queijo também não passaram de 0,1% do total de importações em 2021: da primeira, foram US$ 105,77 milhões (0,05%); do segundo, US$ 136,63 milhões (0,06%).
"Como instrumento de combate à inflação, não vejo grande efetividade [na isenção]",disse ao UOL Guilherme Moreira, coordenador do IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). "E não quer dizer que sou contra, pelo contrário. Que bom que vai ter desconto nos impostos. Mas quanto o Brasil importa de açúcar, por exemplo? O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, então a gente importa muito pouco. Acho que [a medida] é bem-intencionada, mas em termos de inflação, não vai causar impacto."
“Se você pensar no peso que esses alimentos têm no orçamento mensal das famílias, é muito baixo. Pode ter algum item que deixe de subir um pouco e que haja um alívio momentâneo em outros produtos. Mas, no geral, acredito que o impacto [na inflação] é quase zero”, diz Guilherme Moreira.
Óleo de soja
No caso do óleo de soja, o impacto da tarifa zero para impulsionar importações parece ser "muito pequeno", disse o analista da Safras & Mercado, Luiz Fernando Roque, à Reuters.
Ele avaliou que não há um problema de oferta —embora os preços do óleo de soja estejam mais altos—, porque o Brasil está adotando uma mistura menor de biodiesel. "Já tem demanda menor por óleo e pode até diminuir exportação de óleo, se necessário."
"Não acredito que essa abertura vai trazer grande importação de óleo [de soja]", afirmou, lembrando que a Argentina, maior exportadora do produto no mundo, já negocia com o Brasil com tarifa zero por ser parceira do Mercosul. "Acho que a medida é mais política, porque o preço do óleo está subindo muito", disse.
Anaís Motta – UOL
Com informações Estadão Conteúdo e Reuters