Nos últimos três anos a BSBIOS consolidou sua posição de liderança sobre o mercado brasileiro de biodiesel. Se nada de mais sério acontecer, ela deve confirmar o quarto ano seguido no topo do ranking nacional de produtores. Mas a empresa não está simplesmente deitada sobre seus louros. Conquistado do mercado de biodiesel, a BSBios agora está mirando o segmento de diesel verde. Em abril passado, o grupo empresarial encampou oficialmente o projeto para a construção de uma biorrefinaria no Paraguai.
Sobre os planos da empresa, BiodieselBR.com conversou com Erasmo Carlos Battistella, fundador e presidente do ECB Group e da BSBIOS.
BiodieselBR.com – Por que vocês decidiram colocar o projeto Omega Green sob o guarda-chuva corporativo da BSBIOS?
Erasmo Carlos Battistella – De fato, o Omega Green começou sob a nossa holding de investimentos, o ECB Group. Em abril, nós decidimos incorporar o projeto à BSBIOS. Isso aconteceu em função do planejamento estratégico de 10 anos que prevê a expansão da atuação da BSBIOS para outros biocombustíveis. Obviamente, temos grande apreço e vamos continuar investindo no biodiesel, mas queremos nos abrir para outras oportunidades. Por isso, achamos por bem trazer o Omega Green para baixo da BSBIOS o que nos permitiria capturar as sinergias que esse a biorrefinaria no Paraguai teria com o que já fazemos hoje.
BiodieselBR.com – E como está caminhando a construção da biorrefinaria?
Erasmo Carlos Battistella – Houve uma mudança importante. Nós mudamos a localização da planta para uma área que fica cerca de 45 quilômetros ao sul de Assunção. A gente já tinha um terreno de 70 hectares definido, mas com a evolução da engenharia acabamos percebendo que essa área seria um pouco pequena. Então a gente adquiriu uma nova área de 384 hectares que fica de frente para o Rio Paraguai. Teremos espaço de sobra para implantarmos um hub industrial. Mas, por causa dessa alteração, nós tivemos que refazer parte do licenciamento ambiental do projeto o que vai atrasar o começo das operações em 6 meses. Vamos começar a produzir no primeiro semestre de 2025.
BiodieselBR.com – A capacidade do projeto foi impactada?
Erasmo Carlos Battistella – Não. A capacidade instalada continua a mesma. Vamos processar 20 mil barris por dia, o que equivale a uma produção anual em torno de 900 mil toneladas de biocombustíveis avançados.
BiodieselBR.com – E como ficam os contratos com a BP e a Shell?
Erasmo Carlos Battistella – Os contratos continuam vigentes. Evidentemente que estamos fazendo as devidas interlocuções internas entre a nossa equipe comercial e as deles.
BiodieselBR.com – Nos últimos meses temos visto a intensificação da tendência de players do setor de petróleo anunciando projetos em biocombustíveis, especialmente em diesel verde. Temos um boom acontecendo?
Erasmo Carlos Battistella – Eu sempre tenho um pouco de receio em usar termos como boom ou bolha. O que temos é um processo de investimento na formação de cadeias produtivas que vai da produção de matérias-primas até a organização do mercado consumidor. Esses investimentos precisam ser cadenciados. Quer seja no mercado de biodiesel, quer seja no de biocombustíveis avançados. Na minha humilde opinião, os projetos que tenho visto são muito bem estruturados e podem, em quatro ou cinco anos, deixar o diesel verde e o SAF [sigla, em inglês, para Combustíveis de Aviação Sustentáveis] em um bom posicionamento no mercado compondo, junto com os biocombustíveis de primeira geração, uma cesta de biocombustíveis que consegue entregar uma solução mais completa para os transportes de pessoas e cargas. É importante ressaltar que os projetos de biocombustíveis avançados têm um CAPEX e uma complexidade industrial muito maiores dos projetos de etanol e biodiesel.
BiodieselBR.com – Com a eletrificação se consolidando, há espaço para estes novos investimentos?
Erasmo Carlos Battistella – Não posso deixar de concordar que a eletrificação está ganhando espaço e, provavelmente, vai ter uma fatia importante na matriz energética de transportes a partir de 2030. Mas eu não sei se a eletrificação vai ser a solução para tudo. Na minha opinião e na opinião da BSBIOS, a eletrificação será importante para a mobilidade urbana, porém os combustíveis líquidos vão continuar sendo fundamentais no transporte de cargas. Além disso, temos visto um aumento contínuo na demanda total por energia. Também não posso deixar de comentar que, quando olhamos a eletrificação, estamos olhando principalmente para países ricos. Só que eles são apenas parte do mundo. Em outros mercados a gente ainda não vê a eletrificação com a intensidade que estamos vendo na Europa. Por isso a BSBIOS está trabalhando com uma cesta de biocombustíveis que podem solucionar parcialmente ou totalmente a necessidade de combustíveis verdes para o segmento de transportes de pessoas e cargas.
BiodieselBR.com – Como o desembarque de grandes players como Neste, Eni, Total ou Chevron impacta o mercado de renováveis?
Erasmo Carlos Battistella – De forma muito positiva! Isso confirma que o mercado de energia líquida renovável tem um futuro interessante. Mais do que isso, a vinda das gigantes do petróleo mostra, sem sombra de dúvida, que os biocombustíveis estão atingindo um novo patamar de maturidade.
BiodieselBR.com – Ao contrário dos “novos” players, a BSBIOS tem sua origem no mercado de biocombustíveis. Ser nativo é uma vantagem?
Erasmo Carlos Battistella – Essa uma bela discussão. Obviamente eu tenho muito respeito a todas as empresas do ramo, independente de sua origem e de como elas estão se posicionando. Mas nós somos uma das poucas empresas que nasceram para produzir biocombustíveis de primeira geração e estão indo na direção dos biocombustíveis avançados. Somos puro-sangue e temos ESG [sigla em inglês para ambiental, social e de governança]. Eu acredito que nascer com a cabeça formatada para o negócio é uma vantagem.
BiodieselBR.com – Um mapeamento da Administração de Energia Renovável dos EUA mostra 19,3 milhões de m³ em projetos de diesel verde a caminho do mercado. Existe o risco de estarmos vendo a formação de uma bolha?
Erasmo Carlos Battistella – Eu tenho dificuldade em falar em bolha porque tenho visto projetos muito bem formatados. São projetos com investimentos de US$ 1 bilhão ou mais. Se for mesmo uma bolha, vai ser uma bolha bem estruturada. Mas, quando olhamos para esses projetos, temos que colocar seus números em contexto. O fato é que precisamos somar uns quatro ou cinco projetos de biocombustíveis avançados para chegar perto da capacidade instalada de uma refinaria convencional. O Omega Green vai processar cerca de 20 mil barris dia. A Repar aqui no Paraná tem capacidade para mais de 200 mil barris dia. Digo isso para ressaltar que os volumes no mercado de energia líquida são astronômicos e, se quisermos mesmo zerar as emissões de carbono até 2050, vamos precisar de todas as fontes de energia limpa que tivermos.
BiodieselBR.com – O crescimento do diesel renovável parece estar tornando o acesso à matéria-prima um gargalo importante. Tanto que a Chevron vai investir US$ 600 mi em uma parceria com a Bunge para o esmagamento de soja. Essa é uma preocupação para a BSBIOS?
Erasmo Carlos Battistella – No quesito das matérias-primas, temos que trabalhar muito porque elas não são infinitas. Assim como o petróleo também não é, e nem a capacidade de geração de eletricidade é infinita. O ponto chave é organizar muito bem a cadeia produtiva. A BSBIOS tem sua estratégia. Estamos na América do Sul, que é um local que acreditamos que tem potencial para a produção de mais matérias-primas. Também somos verticalizados e já produzimos internamente boa parte do nosso próprio óleo. Dentro dos próximos 10 anos, queremos estar ainda mais perto da cadeia com parcerias que nos garantam acesso à matéria-prima que precisarmos.
BiodieselBR.com – Falando em parcerias relacionadas às matérias-primas, como está a parceria para a produção de pongâmia no Paraguai?
Erasmo Carlos Battistella – A gente fez uma parceria com uma empresa chamada Investancia, que está ampliando sua capacidade de produção de mudas e analisando as rotas tecnológicas para a extração do óleo da pongâmia. O modelo deles prevê integração lavoura-pecuária-floresta, o que permite aproveitar áreas que estão produzindo alimentos para produzir também matérias-primas para biocombustíveis.
BiodieselBR.com – Falando em biodiesel tradicional, temos cortes na mistura obrigatória no Brasil e na Argentina e os EUA titubeando para anunciar as novas metas. Este não está sendo o ano mais favorável para o setor, não?
Erasmo Carlos Battistella – Apesar dos percalços, este ano o mundo vai usar em torno de 8% a mais de biocombustíveis do que no ano passado. No nosso caso da redução da mistura, o que houve foi uma má interpretação do cenário por parte de governo. Com todo respeito, mas o governo federal não tomou as decisões mais acertadas sobre o biodiesel. Tudo que conseguiu [com os cortes da mistura obrigatório] foi trazer uma insegurança desnecessária para os investidores e deixar de gerar emprego, PIB e renda dentro do Brasil porque não teve sucesso nem em controlar os preços do diesel e nem em reduzir a inflação. Nós estamos vendo as altas dos combustíveis fósseis, que são completamente desvinculadas dos preços dos biocombustíveis. Eu tenho dito isso há muitos anos: o preço dos biocombustíveis não pode ser comparado com o preço dos combustíveis fósseis porque estamos falando de uma energia limpa. Os biocombustíveis geram externalidades e ajudam muito a economia brasileira, especialmente o setor agroindustrial, que representa mais de um terço do PIB do Brasil.
BiodieselBR.com – E quanto ao fim dos leilões prometido para a virada do ano? É mais um ponto de atrito?
Erasmo Carlos Battistella – Nesse momento é difícil responder essa pergunta porque nós não temos a clareza de como [o novo modelo de comercialização] vai acontecer. Particularmente, eu tenho falado muito para os meus colegas e para representantes do governo que as diretrizes do novo modelo precisam ser publicadas claramente. Temos desafios tributários que estão há mais de um ano e meio sem solução e muitos desafios comerciais que precisariam ser solucionados antes do fim dos leilões. São questões que impactam os custos do biodiesel. Eu espero que o governo aja efetivamente dar uma diretriz certa sobre o que vai acontecer em janeiro para que o setor possa se organizar. E não é só o leilão. Independente de qual vai ser o modelo de comercialização, temos que voltar ao B13 e cumprir o cronograma de novos aumentos da mistura obrigatória porque isso está em lei. Temos que cumprir a lei. De forma muito respeitosa: a minha opinião é que a decisão de reduzir a mistura criou uma insegurança jurídica desnecessária nesse momento.
Fábio Rodrigues – BiodieselBR.com