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Paulo Anselmo Ziani Suarez

É possível utilizar qualquer óleo ou gordura para produzir Biodiesel?


Paulo Suarez - 20 nov 2007 - 18:33 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Já escutei diversas vezes, inclusive de técnicos do governo envolvidos no Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNBP), que qualquer óleo ou gordura pode ser usado como fonte para produção de biodiesel. Mas será isso verdade? Como já discuti nesta coluna, uma das ações de técnicos e políticos do governo foi fomentar e incentivar a produção de biodiesel a partir do óleo de mamona apesar de existirem diversos argumentos técnicos contrários ao uso dessa matéria-prima com fins energéticos. De fato, como escrevi anteriormente, tanto o processo produtivo de biodiesel de mamona é extremamente difícil quanto às propriedades do biocombustível obtido não são adequadas. Como resultado, houve o cultivo dessa oleaginosa em quase todo o território nacional, mas na hora de produzir biodiesel somente foi conseguido atingir a especificação de qualidade quando usada misturas mais de 70% de óleos convencionais, principalmente o de soja. Estou retomando este assunto devido a recente divulgação de artigos na imprensa, alguns reproduzidos neste portal, a respeito do desenvolvimento de cultivares de Tungue na Embrapa Clima Temperado (Pelotas, RS). Nesses artigos, o óleo de tungue é apontado como alternativa para produção de óleo no sul do país para ser usado como matéria-prima de biodiesel. Mas será mesmo possível usar esta matéria-prima no PNPB?

Como tem sido apontado com probidade nos artigos publicados recentemente na mídia, o óleo de tungue tem sido largamente utilizado, junto com os óleos de linhaça e oiticica, na indústria de tintas e vernizes. Esse uso é possível graças á presença majoritária do ácido graxo -eleoesteárico na sua composição, como pode ser conferido na Tabela abaixo. Esse ácido graxo é poli-insaturado, possuindo três duplas ligações nas suas cadeias. Ao entrar em contato com o oxigênio do ar, ou simplesmente quando aquecido, essas duplas ligações sofrem um processo oxidação que leva a polimerização (as cadeias vão se grudando uma nas outras), fazendo com que o óleo se solidifique. Essa característica pode ser medida pelo “índice de secagem”. Como pode ser visto na Tabela abaixo, comparando com os óleos de coco, soja e linhaça, o óleo de Tungue é o que possui o maior índice de secagem, evidenciando uma alta tendência a sofrer polimerização, o que nos leva a classificá-lo como um óleo secativo.

Mas qual a implicância dessa propriedade para o uso desse óleo como matéria-prima para a produção de biocombustíveis? Uma das propriedades especificadas em todas as normas de qualidade do biodiesel, seja a ANP 42 de 2004 ou qualquer norma internacional, é justamente a estabilidade à oxidação. Esse parâmetro de qualidade estabelece justamente o limite para a tendência de um óleo sofrer oxidação e polimerização. Mesmo o óleo de soja, que é um óleo semi-secativo e que tem índice de secagem bem inferior ao de tungue e ao de linhaça, não passa no teste de estabilidade à oxidação, sendo necessário adicionar aditivos para estabilizá-lo.

Mas porque é tão importante estabelecer limites para a estabilidade à oxidação? Em primeiro lugar, devemos considerar a dificuldade que seria armazenar um biodiesel feito com um óleo secativo, onde iria ocorrer certamente a sua solidificação. Caso o biodiesel não se solidifica durante a sua fabricação e armazenagem, a alta temperatura do sistema de injeção provocaria uma rápida secagem, ocorrendo depósitos que iriam formar piche em todos os componentes. No caso do óleo de tungue, o mais secativo descrito na literatura, seria difícil encontrar um aditivo que evitasse a sua solidificação durante a produção, armazenagem ou uso do biodiesel, o que o torna impensável para ser usado como matéria-prima para o PNPB.

Acredito que este seja mais um exemplo de sugestão de matéria-prima totalmente despropositado. Ao se pensar em propor uma nova fonte de oleaginosa, deve-se ter clareza que se deve atender três aspectos: (i) viabilidade técnica e econômica para a produção agrícola do óleo; (ii) viabilidade técnica e econômica para transformá-lo em biodiesel; e (iii) garantias de que a qualidade do biocombustível produzido será compatível com o seu uso em motores veiculares ou estacionários. Se um desses três aspectos não for contemplado, certamente não se deve considerar a fonte oleaginosa para o PNPB. No caso específico do tungue, vamos deixá-lo para a indústria de tintas e vernizes, onde é uma excelente matéria-prima!

 

 

Coco

Soja

Linhaça

Tungue

ÁCIDOS GRAXOS

ESTRUTURA

 

Ácido Caprílico

C8:0

8,0

 

 

 

Ácido Cáprico

C10:0

7,0

 

 

 

Ácido Láurico

C12:0

48,0

 

 

 

Ácido Mirístico

C14:0

18,0

 

 

 

Ácido Palmítico

C16:0

9,0

8,0

6,0

4,0

Ácido Esteárico

C18:0

2,0

6,0

4,0

1,0

Ácido Oléico

C18:1

6,0

28,0

20,0

5,0

Ácido Linoléico

C18:2

2,0

50,0

17,0

8,0

Ácido Linolênico

C18:3

 

8,0

53,0

 

Ácido a-Eleosteárico

C18:3

 

 

 

82

Propriedade

 

Índice de Iodo

8

130

185

165

Índice de secagem

2

66

123

>172

Classificação

Não-secativo

Semi-secativo

Secativo

Secativo

FONTE: Van de Mark, M. R.; Sandefur, K.; Vegetable Oils in Paint and Coatings. In: Industrial Uses of Vegetable Oils; Erham, S. Z. Ed. Champaingn, Il – EUA; pp 143-162 (2005).

Paulo Anselmo Ziani Suarez é engenheiro químico, colunista BiodieselBR.com, com pós-doutorado pelo National Center for Agricultural Utilization Research dos Estados Unidos.
E-mail: p[email protected] 
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Tags: Suarez