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Décio Luiz Gazzoni

Biorefinarias, agregando valor na cadeia do biodiesel


Décio Luiz Gazzoni - 24 jan 2008 - 15:27 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Em maio passado participei do Congresso Europeu de Biomassa Energética, que se realizou em Berlin (Alemanha). As preocupações dos europeus eram as mesmas que as nossas: como garantir a oferta de matéria prima, pelo forte incremento da demanda e como compatibilizar custos de produção com cotações do óleo em patamares elevados. As discussões avançaram por duas vertentes: buscar matéria prima genérica e novos processos de produção – para superar o problema da oferta – e implementar o conceito de biorefinarias – para obter rentabilidade, mesmo com elevados custos da matéria prima. Hoje, não vamos entrar na discussão sobre novas matérias-primas e novos processos de obtenção de sucedâneos do petrodiesel, para nos concentrarmos nas biorefinarias.

O que significa uma biorefinaria? É uma refinaria que utiliza biomassa como matéria-prima. O conceito é importado das refinarias de petróleo (petroquímica), partindo de três princípios. O primeiro deles é que o petróleo é um derivado da biomassa, enterrado no subsolo há centenas de milhões de anos. Logo, tudo (ou quase tudo) o que puder ser extraído do petróleo, pode ser extraído da biomassa. O segundo, é que os combustíveis obtidos do petróleo (diesel, gasolina, querosene, GLP) são vendidos a preços relativamente baratos, quando comparados com a cotação de mercado dos insumos para a indústria química, especialmente a farmacêutica, vendidos a preços, dezenas de vezes superiores; terceiro, o petróleo vai acabar, por isso está ficando cada vez mais caro, o que, por um lado  viabiliza as matérias primas concorrentes; e, por outro, obriga a Humanidade a buscar novas alternativas, para que a mudança do petróleo para outras matérias primas seja feita naturalmente, sem sobressaltos.

Baseados nestes princípios, os europeus estão pensando em compor o mix de receitas financeiras, que precisam ser distribuídas a montante da cadeia, com substâncias de mais alto valor agregado, que possam compensar o valor mais baixo do biodiesel. Neste caso, o biodiesel passaria a ser o co-produto e as especiarias, o filé da receita do complexo empresarial. Para conferir uma dimensão ao tema, apresentamos, no Quadro 1, uma lista das aplicações da oleoquímica contemporânea, ou seja, os grupos de produtos comerciais derivados de óleos vegetais, que hoje estão no mercado

Quadro 1. Lista não esgotante de produtos derivados de óleos vegetais.
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Material de construção
Material de Limpeza
Cosméticos
Detergentes
Substâncias anti-incêndio
Emulsificantes e flotantes
Agrotóxicos
Couro artificial
Lubrificantes
Tintas
Papéis
Fármacos
Plásticos
Têxteis
Borracha sintética 
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No caso do biodiesel, a associação com refinarias ainda é uma proposta teórica, para os próximos cinco anos. Acredito que, para mostrar a forte conexão que existe entre biocombustíveis e biorefinarias, é melhor usar o exemplo do etanol, onde as coisas já estão acontecendo na prática. O forte aquecimento do mercado consumidor e a pressão nos custos das matérias-primas originadas do petróleo, têm levado as indústrias de plástico a buscar, em fontes renováveis, matérias-primas substitutas para seus produtos. Plásticos feitos a partir do etanol de cana-de-açúcar, que podem ser reutilizados num processo de reciclagem, além de polímeros biodegradáveis produzidos por bactérias alimentadas por sacarose e outras substâncias, estão na linha de frente de pesquisas e investimentos anunciados por gigantes petroquímicas, como a Dow Química, a Braskem e a Oxiteno, fabricantes de resinas plásticas feitas a partir da nafta e de outras matérias-primas derivadas do petróleo.

A Braskem, líder latino-americana em produção de resinas, investiu US$ 5 milhões em pesquisa e desenvolvimento para chegar a um polietileno certificado, a partir de álcool da cana, chamado de “polímero verde”. Escusamo-nos de demonstrar o apelo mercadológico de um plástico “verde”, em tempos de ecologicamente correto e de mudanças climáticas globais. No caso da Braskem, o processo, bastante eficiente, transforma 99% do carbono contido no álcool, em etileno, matéria-prima do polietileno. O subproduto é a água, que pode ser purificada e reaproveitada.

De etanol a etileno
Relembrando as aulas de química, se tirarmos uma molécula de água do etanol obtemos o etileno (CH2=CH2), conforme o esquema abaixo

CH3-CH2-OH > CH2=CH2 + H2O

O método pode ser catalisado por ácido sulfúrico ou alumina (Al2O3) extraída da bauxita. A baixa temperatura favorece a produção do éter etílico (C2H5OC2H5) e alta temperatura favorece o etileno. O éter etílico também é um produto de alto valor mercadológico, além de servir como insumo para a indústria de química fina. No caso da produção do éter etílico, a reação é a seguinte

2 CH3-CH2-OH > C2H5OC2H5 + H2O

Uma vez obtido o etileno, o processo de polimerização para fabricar o polietileno é igual ao empregado para o etileno obtido do petróleo. A polimerização é uma reação em que as moléculas menores (monômeros) se combinam quimicamente para formar moléculas longas e ramificadas. A estrutura lembra uma parede (polímero, no caso, polietileno) composta por tijolos exatamente iguais (etileno). Até este ponto já temos uma primeira etapa de agregação de valor, pois, enquanto o etanol vale cerca de US$600/t (CBOT), o etileno é cotado acima de US$1000/t.

O polietileno pode ser aplicado diretamente na produção de embalagens plásticas. Porém, seguindo na cadeia de agregação de valor, é possível produzir resinas de diferentes densidades, para aplicações rígidas e flexíveis em setores como o automotivo, empacotamento de alimentos, embalagem de cosméticos e artigos de higiene pessoal. O produto, que deverá custar entre 15% e 20% a mais do que os polímeros tradicionais, será destinado, principalmente, aos mercados asiático, europeu e norte-americano. Porém, este aumento no custo de produção não preocupa os fabricantes, pois o processo de aprendizagem e os ganhos de escala se encarregarão de reduzi-lo com o tempo. Além disto, o apelo à demanda por produtos “verdes” se encarrega de anular a diferença no custo de produção, embora o polietileno, especificamente, não seja biodegradável, apresentando exatamente as mesmas propriedades do produto obtido a partir do petróleo. A diferença em termos de ciclo de carbono é justamente esta: não entrou petróleo ou outra matéria prima fóssil na sua fabricação. No caso do polietileno do álcool, para cada quilo de polímero produzido, são absorvidos em torno de 2,5 quilos de gás carbônico da atmosfera, pela fotossíntese da cana.

Negócios em marcha acelerada
O mercado já capturou o filão. A Dow Química produzirá o polietileno de etanol, em associação com a Crystalsev, (empresa controlada pelas usinas Vale do Rosário e Santa Elisa). O plano é mais ambicioso e prevê a criação de um pólo alcoolquímico integrado, com capacidade para produzir 350 mil toneladas por ano de polietileno de baixa densidade. O empreendimento vai gerar 3.200 empregos diretos, além de centenas de indiretos nos setores agrícola, industrial e de manufatura. A fábrica de polietileno vai consumir 700 milhões de litros de álcool por ano, o que corresponde a 8 milhões de toneladas de cana-de-açúcar (cerca de 100.000 ha de cana). O pólo foi planejado para ser auto-suficiente em energia e gerar excedente de energia elétrica para atender a uma cidade de 500 mil habitantes. O pólo alcoolquímico integrado, como foi denominado pelos sócios, nada mais é que a biorefinaria de que trata este artigo!

Não é apenas de transposição da tecnologia da petroquímica que viverão as biorefinarias. A PHB Industrial, (Grupo Pedra Agroindustrial e Grupo Balbo) já fabrica, há 7 anos, em uma planta piloto, um plástico biodegradável produzido por bactérias naturais, que está sendo vendido em pequenas quantidades, com o nome comercial de Biocycle, para Estados Unidos, Japão e países da Europa. A matéria-prima tem sido empregada, principalmente na fabricação de plásticos rígidos, produzidos pelo processo de injeção e também em espumas para substituição do isopor. O Biocycle também se aplica à produção de substitutos de poliuretanos, além de chapas bioplásticas e produtos termoformados. Em dois anos estará em operação uma grande indústria, resultado do sucesso da planta piloto, que deverá produzir, até 30.000t/ano de plástico biodegradável.

O polímero base do plástico é produzido pela bactéria Alcaligenes eutrophus (sin. Cupriavidus necator), cultivada em meio que contém sacarose transformada em glicose. A partir desse açúcar, as bactérias produzem o polihidroxibutirato (PHB), que pertence ao grupo de polímeros denominados polihidroxialcanoatos (PHA), que são poliésteres acumulados por microorganismos na forma de grânulos intracelulares. A diferença para os polímeros constituem-se em um produto biodegradável, compostável e biocompatível. Existem mais de 150 bactérias que acumulam naturalmente o polímero em grânulos localizados em seu citoplasma. A vantagem da C. necator,  é acumular 80% e 90% do seu peso seco na forma de polímero. No entanto, já existem bactérias transgênicas (recombinadas em laboratórios de universidades brasileiras) que possuem a vantagem adicional de produzir o polímero PHB-V, que é ainda mais maleável, portanto, com melhores características comerciais.

Completado o ciclo da bactéria, os grânulos são extraídos e o polímero isolado e purificado. Eles podem ter aplicações como produção de filmes ou estruturas rígidas, além de usos médicos e veterinários, como confecção de suturas, suportes para cultura de tecidos, implantes, encapsulação de fármacos para liberação controlada e outras, utilizando-se da nanotecnologia.

Biotecnologia
Aqui entramos em um terreno que é tão rentável e futurístico quanto polêmico, por atrair a ira de algumas ONGs que, por motivos que ainda não estão claros, atuam no sentido de barrar o avanço científico e tecnológico da biotecnologia no Brasil. No caso referido acima, as bactérias encontradas na Natureza e selecionadas em laboratório, fabricam naturalmente o polímero, mas o melhoramento genético permite que ocorra um aumento considerável da produção. Existe um projeto de pesquisa e desenvolvimento que está sendo executado pela PHB e as instituições parceiras, que permitiu desenvolver e patentear bactérias geneticamente modificadas. Os pesquisadores, também, procuram bactérias que produzam polímeros a partir de outras fontes de carbono que não a sacarose, como os resíduos agrícolas ou agroindustriais, o que reduziria tremendamente o custo de produção. O mesmo grupo, também, estuda aplicações do biopolímero, depois de purificado, como substrato para o crescimento de células-tronco, outra aplicação biotecnológica na área de saúde. Na mesma linha, os cientistas estudam o uso do biopolímero para a imobilização de enzimas e fármacos, uma área de convergência entre biotecnologia e nanotecnologia.

Todo esse avanço é entusiasmante, mas, na situação em que se encontra a biotecnologia no Brasil, foi muito mais fácil e rápido obter a inovação, que conseguir transpô-la para a realidade industrial, devido à oposição ferrenha de algumas ONGs. O busílis da questão, quando se discute biorefinarias, é a impossibilidade de avanços concretos sem o uso da biotecnologia e da nanotecnologia, posto que a maioria dos processos envolve fermentação ou outros usos de microrganismos para transformar a biomassa em produtos que sejam úteis à sociedade. Existem microrganismos encontrados na Natureza, que podem atender a este propósito, porém, em geral, são muito ineficientes e necessitam de melhoramentos para serem utilizados industrialmente.

Logo, sem biotecnologia, as possibilidades das biorefinarias ficam muito restritas e podem não atender ao propósito de agregar valor na cadeia de biomassa-biocombustíveis. Ao menos no Brasil, porque em outros países este tema está avançando a passos largos, o que pode servir para referendar mais uma vez a máxima de que o Brasil é o país do futuro, que nunca chega. Aliás, uma das explicações possíveis para o interesse de ONGs estrangeiras em retardar o avanço da Ciência no Brasil pode ser justamente este. Já pensaram o Brasil com as vantagens comparativas naturais de produção de biomassa e a vantagem competitiva de agregação de valor, por deter tecnologia na fronteira da Ciência? Interessa a algum país rico dividir este filão de mercado com o Brasil?

Décio Luiz Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, membro do Painel Científico Internacional de Energia Renovável.
http://dlgazzoni.sites.uol.com.br


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