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Biodiesel

Governo expandirá dendê na Amazônia


Folha de S. Paulo - 05 abr 2009 - 09:24 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:08

Uma área equivalente a quase sete vezes a cidade de São Paulo com plantações de dendê na Amazônia. Essa é a dimensão estimada da primeira etapa do programa de cultivo da palma em larga escala, que ganha os últimos retoques no governo, adiantou o ministro Reinhold Stephanes (Agricultura).

A área total projetada para a expansão do cultivo de dendê na floresta amazônica é dez vezes maior: ela equivale ao tamanho do Estado de Pernambuco. Segundo o ministro, 10 milhões de hectares poderão ser ocupados pela "prima-irmã das palmáceas amazônicas".

A denominação "prima-irmã" usada por Stephanes faz parte da estratégia contra o principal obstáculo ao projeto: a mudança no Código Florestal, lei que proíbe a recomposição de áreas desmatadas da Amazônia com espécies exóticas à floresta, como é o caso do dendê, originário da África.

A mudança é objeto de um lobby de quase quatro anos no Congresso e ganhou alento com o aval do ministro Carlos Minc (Meio Ambiente), dado no ano passado. Na ocasião, Minc ponderou que, por rígidas, as regras em vigor condenariam a Amazônia a não recompor imensas extensões de áreas já degradadas. E sentenciou: "Quem tudo quer, tudo perde", para espanto de parcela dos ambientalistas.

A ideia tem aval mais entusiasmado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sobretudo pela perspectiva de abertura de postos de trabalho. Para cultivar 1 milhão de hectares de dendê são necessários 100 mil trabalhadores, estima-se.

Biodiesel
O projeto do governo está diretamente ligado ao programa brasileiro de biodiesel. A legislação prevê que a adição de biodiesel ao diesel, hoje de 3%, será de 5% em 2013. A maior parte do fornecimento hoje é feito com óleo de soja subsidiado pelo governo. Defensores do projeto, como Stephanes, acrescentam dois senões à soja: seu cultivo demanda menos mão-de-obra e é menos vantajoso do ponto de vista de captura de carbono da atmosfera.

Os aspectos econômicos pesam mais: o Brasil importou no ano passado mais de 200 mil toneladas de óleo de dendê. A produção nacional está em torno de 170 mil toneladas de óleo por ano. A área plantada é estimada em 70 mil hectares, o que representa 7% da meta inicial do governo. "Com 1 milhão de hectares dá para deixarmos de importar e garantimos a produção de biodiesel até a fase do B-5. Isso é economicamente, socialmente e ambientalmente ótimo", sustenta o ministro.

Planta típica da zona tropical, o dendê hoje tem participação nula no programa brasileiro do biodiesel. E vice-versa. A maior parte da produção, liderada pela empresa Agropalma, assim como a maior parte do óleo de dendê importado, se destina à indústria de alimentos. Em segundo lugar vem a indústria de cosméticos.

Sem pancada
Instalada no Pará, onde produz 150 mil toneladas de óleo ao ano, a Agropalma mandou fazer estudos sobe o potencial de expansão do cultivo do dendê na região. As conclusões divergem das do governo. Em vez dos 10 milhões de hectares citados pelo ministro da Agricultura, a empresa fala em 6,2 milhões de hectares, o equivalente a quase três vezes o tamanho do Estado do Sergipe.

Marcello Brito, diretor da Agropalma, diz que o estudo leva em conta critérios ambientais internacionais: "Isso é fundamental para que o Brasil não tome pancada da sociedade internacional, como a Malásia e a Indonésia (os dois maiores produtores mundiais, que vêm sistematicamente arrasando suas florestas para plantar dendê)".

Segundo Britto, sem os devidos cuidados com o licenciamento ambiental, por exemplo, o cultivo pode fazer aumentar o desmatamento. O licenciamento também precisa considerar impactos sociais, já que o cultivo do dendê exige muita mão-de-obra. A falta de oferta de sementes no mundo é outro problema, adverte.

A proposta de um acordo de mudança no Código Florestal prevê o uso de espécies exóticas, como o dendê, em até 50% de áreas já desmatadas e que ultrapassem o limite de 20% de abate de florestas nas propriedades. O lobby em favor da mudança começou com projeto de lei apresentado pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) em 2005. "O dendê é o petróleo verde", insiste o senador.

A Petrobras também demonstra interesse na produção de óleo de dendê. Em outubro passado, assinou acordo com a portuguesa Galp Energia para desenvolver projeto de produção de biodiesel a partir de 2013. Apesar de ter recebido o nome de "Projeto Belém", o polo da Petrobras deverá ser instalado na Bahia.

MARTA SALOMON

Plano conflita com política para o clima

O governo quer mais biodiesel para substituir o diesel e conter o aquecimento global. Para isso, topa mudar a lei que limita o desmatamento, arriscando jogar a floresta na mão de gente que está louca para cortar árvores -e agravar o aquecimento.

Do ponto de vista do clima, é um mau negócio. O plano nacional do clima diz que o biodiesel evitará a emissão de 62 milhões de toneladas de CO2 em 9 anos. O desmate emite 700 milhões por ano.

Do ponto de vista de imagem, idem. Em dezembro, a conferência do clima de Copenhague verá Lula como o "presidente verde". Se o Código Florestal cair, Lula não terá ninguém lá para chamá-lo de "meu chapa".

CLAUDIO ANGELO