Entrevista: Luiz Pereira Ramos - Ambientalmente correto
A adição de óleos vegetais ao diesel de petróleo já é uma realidade em vários países da Europa. O combustível chamado de “biodiesel” é menos poluente e não altera muito o clima do planeta, pois, ao ser queimado, produz uma quantidade baixa de gases.
O biodiesel é um combustível renovável que poderá trazer para cada país, entre outras vantagens, uma redução na poluição atmosférica e uma certa independência com relação aos países exportadores de petróleo. Somente esses dois motivos já seriam suficientes para apoiar as pesquisas nessa área. E, felizmente, elas estão acontecendo: “vários projetos vêm sendo desenvolvidos com o objetivo de melhorar a competitividade técnica, econômica e socioambiental deste que vem sendo considerado um substituto natural e ambientalmente correto para o diesel”, afirma um dos pesquisadores do biodiesel, o professor doutor Luiz Pereira Ramos.
A principal vantagem do biodiesel em relação ao diesel derivado do petróleo é ambiental: “o caráter renovável do biodiesel está apoiado no fato de as matérias-primas utilizadas para a sua produção serem oriundas de fontes renováveis, isto é, de derivados de práticas agrícolas”, diz Ramos.
Na Europa e nos EUA, o uso do biodiesel já é uma realidade. Segundo o pesquisador, países da União Européia têm desenvolvido programas nacionais de biocombustíveis e, como conseqüência, 493,9 mil toneladas de biodiesel foram produzidas em 1999, sendo a França responsável por aproximadamente 50% desse total.
Entenda mais sobre esse revolucionário biocombustível e sua utilização no Brasil. O professor doutor Luiz Pereira Ramos, em entrevista ao portal, falou sobre a pesquisa realizada nessa área.
1. Há quanto tempo você pesquisa esta área? Em que ela consiste? Ela já foi fomentada por órgãos federais?
Nossas atividades foram iniciadas em 1997, quando, em parceria com o Cefet (professor Pedro Ramos Costa Neto), a URBS e a Autoviação Marechal, promovemos alguns testes de curta duração com biodiesel de óleo de fritura em ônibus da frota urbana de Curitiba. Desde então, vários projetos vêm sendo desenvolvidos com o objetivo de melhorar a competitividade técnica, econômica e socioambiental deste que vem sendo considerado um substituto natural e ambientalmente correto para o diesel do petróleo. Nossa pesquisa tem recebido algum financiamento de órgãos federais (CNPq) e estaduais (Fundação Araucária), mas nossa maior fonte de recursos tem sido a iniciativa privada, por intermédio de convênios voltados ao desenvolvimento de produtos e processos relacionados à cadeia produtiva do biodiesel.
2. Atualmente quantas pessoas da sua equipe de pesquisa trabalham com biodiesel? Quais foram os principais resultados obtidos graças a esse estudo?
O biodiesel tem se desenvolvido de tal forma em nosso departamento que estamos atualmente considerando a possibilidade de criar um grupo de pesquisa especificamente voltado para esse tema. São ao todo sete professores pesquisadores e vários alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado. Nossos resultados têm se consolidado em relatórios, dissertações, teses e artigos científicos que se encontram disponíveis na literatura, além de uma série de comunicações orais e conferências realizadas em vários eventos nacionais e internacionais. Como exemplo de nossos resultados mais recentes, pode ser citada a otimização da etanólise (ou transesterificação etílica) dos óleos de soja, girassol, milho, nabo forrageiro e de frituras, bem como o desenvolvimento de aditivos que melhoram as propriedades do biodiesel, particularmente no que se refere a sua estabilidade à oxidação e à exposição a baixas temperaturas.
3. O que é o biodiesel?
Diferentemente do que pensa muita gente, biodiesel é exclusivamente definido como o produto da alcoólise (ou transesterificação) de óleos vegetais ou gordura animal. Dos triglicerídeos presentes nessas matérias graxas, ésteres monoalquílicos (como os ésteres de etila e de metila) são produzidos pela reação com um álcool primário (etanol ou metanol) em meio preferencialmente alcalino. Esses ésteres também podem ser obtidos a partir de ácidos graxos livres, mas, nesse caso, a reação é de esterificação, e sua condução deve se dar em meio preferencialmente ácido.
4. Qual é a composição química do biodiesel?
Dada a composição química dos diferentes tipos de óleos vegetais disponíveis na natureza, o biodiesel não pode ser classificado como uma substância pura, mas, sim, como uma mistura de ésteres derivados dos ácidos graxos presentes na matéria-prima. Assim, no caso do biodiesel de óleo de soja, estariam presentes o linolenato, o linoleato, o oleato, o palmitato e o estearato de etila ou metila, além de outros componentes minoritários. No Brasil, tem-se dado grande preferência aos éteres de natureza etílica, ou seja, derivados do etanol, pois esse insumo encontra-se disponível no mercado a um custo bastante competitivo e seu emprego oferece menos perigo à sociedade por não se tratar de um produto explosivo e de alta toxidez como o metanol.
5. Quais são as vantagens do biodiesel em relação ao diesel derivado do petróleo?
Elas são, principalmente, ambientais. O caráter renovável do biodiesel está apoiado no fato de as matérias-primas utilizadas para a sua produção serem oriundas de fontes renováveis, isto é, de derivados de práticas agrícolas. Uma exceção a essa regra diz respeito à utilização do metanol de origem petroquímica como agente de transesterificação, sendo essa a matéria-prima mais abundantemente utilizada na Europa e nos EUA. Isso significa que a prática adotada no Brasil, ou seja, a utilização do etanol derivado de biomassa, torna o biodiesel um produto verdadeiramente renovável. Assim, por envolver a participação de vários segmentos da sociedade, tais como as cadeias produtivas do etanol e das oleaginosas, a implementação do biodiesel de natureza etílica abre oportunidades para grandes benefícios sociais decorrentes da sua grande capacidade de geração de empregos, culminando com a valorização do homem no campo e a promoção do trabalhador rural. Além disso, há ainda as demandas por mão-de-obra qualificada para o processamento dos óleos vegetais, permitindo a integração, quando necessária, entre os pequenos produtores e as grandes empresas. Do ponto de vista econômico, a viabilidade do biodiesel está relacionada com o estabelecimento de um equilíbrio favorável na balança comercial brasileira, visto que o diesel é o derivado de petróleo mais consumido no Brasil e que uma quantidade considerável desse produto vem sendo importada anualmente. Dados atualizados da ANP indicam que o Brasil importa 9% do total de óleo diesel que consome. No entanto, esse percentual sobe para 15% quando as importações de petróleo são levadas em consideração, já que o diesel corresponde a aproximadamente 34% do volume total refinado a partir do óleo cru. Em termos ambientais, a adoção do biodiesel, mesmo que de forma progressiva, resultará em uma redução significativa no padrão de emissões de materiais particulados, óxidos de enxofre e gases que contribuem para o efeito estufa. Sendo assim, sua difusão, em longo prazo, proporcionará maiores expectativas de vida à população e, como conseqüência, um declínio nos gastos com saúde pública, possibilitando o redirecionamento de verbas para outros setores, como a educação e a previdência social. Cabe aqui ainda ressaltar que, em termos gerais, a adição de biodiesel ao petrodiesel pode melhorar as propriedades do combustível fóssil, corrigindo a viscosidade de óleo diesel com baixo teor de enxofre, permitindo uma redução dos níveis de ruído do motor e melhorando a eficiência da combustão pelo aumento do número de cetano.
6. Esse combustível já vem sendo utilizado nos dias atuais? Onde e de que maneira?
No Brasil, seu uso ainda é incipiente, mas, na Europa e EUA, já é uma realidade. Na Alemanha, por exemplo, existe uma frota significativa de veículos leves, coletivos e de carga que utilizam biodiesel derivado de plantações específicas para fins energéticos e distribuído por mais de mil postos de abastecimento. Outros países da União Européia também têm desenvolvido seus programas nacionais de biocombustíveis e, como conseqüência, 493,9 mil toneladas de biodiesel foram produzidas em 1999, sendo a França responsável por aproximadamente 50% desse total. Em 2000, a produção francesa subiu para 317,5 mil toneladas, e 300 mil hectares do cultivo de colza foram destinados à produção de biodiesel. A França utiliza o biodiesel de forma obrigatória em misturas do tipo B5, ou seja, todo o diesel consumido nacionalmente contém 5% de biodiesel de origem metílica. Já nos EUA, o governo editou em 1992 a Energy Policy Act (EPACT), que autorizou a utilização de biodiesel em misturas de até 20% (B20) nas frotas de veículos federais e estaduais, podendo ainda ser estendido às frotas municipais. A partir desse evento, grande parte dessas frotas passou a usar o biodiesel regularmente. Leis como a da província de Minnessota passaram a obrigar a adição de pelo menos 2% de biodiesel no óleo diesel mineral, sendo que a porcentagem adicionada pode ser maior de acordo com a disponibilidade do produto no mercado. Como conseqüência, cerca de 4 milhões de galões de biodiesel foram produzidos somente na Califórnia em 2002 para consumo em uma variedade de aplicações, como a geração de energia elétrica e o emprego em motores de embarcações marítimas e frotas de auto-estrada.
7. São necessários ajustes técnicos no veículo para a utilização do biodiesel?
Para o uso integral do biodiesel, ou seja, puro, são necessários ajustes técnicos no veículo, mas isso vai depender muito da tecnologia dos motores em questão. Naturalmente, os recentes avanços da tecnologia de motores do ciclo diesel vêm exigindo um aumento proporcional na qualidade do combustível nele consumido, e esse fato pode ser considerado um entrave para a aceitação do biodiesel pelas montadoras e demais fornecedores de peças e acessórios para o motor, como, por exemplo, os sistemas de injeção. No entanto, não sendo o motor de última geração, o biodiesel poderá ser empregado sem maiores problemas, particularmente em misturas de até 20% em diesel mineral (misturas B20).
8. Você vê um crescimento na quantidade de biodiesel adicionada ao diesel comum no Brasil? Quanto tempo foi necessário para a utilização do combustível?
O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel prevê um aumento gradativo da quantidade de biodiesel a ser adicionada ao diesel de petróleo. Inicialmente, foi regulamentado o uso opcional de B2 (ou 2% de biodiesel no óleo diesel) até 2005, quando automaticamente ele passará a ser obrigatório. Nessa mesma data, prevê-se a autorização de misturas B5 que, por sua vez, passarão a uso obrigatório a partir de 2013. É claro que, mesmo em percentuais tão pequenos, haverá necessidade da produção de grandes quantidades do biocombustível, pois o consumo nacional de óleo diesel beira os 40 bilhões de litros por ano. Portanto, mesmo para o B2, já estaríamos considerando produções anuais da ordem de 800 milhões de litros, que definitivamente não podem ser obtidas assim, da noite para o dia.
Luiz Pereira Ramos é Professor Adjunto IV do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná, onde leciona desde 1986. Bacharel e Licenciado em Química (1982) e Mestre em Bioquímica pela Universidade Federal do Paraná (1986), obteve o grau de Ph.D. sob a supervisão do Prof. Dr. J. N. Saddler na Universidade de Ottawa, Canadá, em 1992. Seu pós-doutorado foi efetuado em 1996 na Chair of Forest Products Biotechnology da Universidade de British Columbia, Vancouver, Canadá, e sua atuação científica, em nível nacional e internacional, tem se concentrado em áreas como química de fitobiomassa, análise instrumental em química orgânica, tecnologias enzimáticas em processos industriais e produção de combustíveis líquidos (biodiesel) e insumos químicos a partir de fontes renováveis. Dada a sua produção científica, detém bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq desde 1993, hoje em nível 1D.