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2007

Setor de biodiesel em compasso de espera


BiodieselBR.com - 25 out 2007 - 17:16 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

A revolução verde anunciada pelo governo federal, e ancorada nos investimentos de multinacionais e companhias de capital nacional, está em compasso de espera. O dinheiro veio. Foram mais de 440 milhões de reais em 2007 e a previsão é e mais 760 milhões em 2008, segundo dados do MME, Ministério das Minas e Energia. O BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico, colaborou financiando parte dos investimentos das empresas brasileiras. A carteira do banco para projetos em biodiesel soma hoje 466 milhões de reais, 146 milhões de reais foram desembolsados este ano, até o último mês de agosto. Unidades fabris foram erguidas pelos quatro cantos do país, são 42 usinas autorizadas pela ANP, Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 15 produziram biodiesel no último mês. Mas erros de percurso pedem uma pausa e a revisão de alguns pontos, se o Brasil quiser, realmente, fazer brotar biodiesel da terra.

O primeiro ponto diz respeito ao volume que o país precisa ter estocado para dar início à obrigatoriedade do uso do B2, em janeiro do próximo ano. Do volume arrematado pela ANP nos cinco leilões realizados – 885 milhões de litros – apenas 161,5 milhões de litros foram entregues até agora. Segundo Marcos Merlin Boff, diretor da Oleoplan, usina de biodiesel de Veranópolis, no Rio Grande do Sul, dois fatores colaboraram para o impasse: o preço atual da saca da soja – principal matéria-prima para a produção de biodiesel no Brasil, por, justamente, ser cultivada em grandes áreas – e o atraso na retirada do produto pronto.

No caso do preço da soja, o valor da saca saltou de cerca de 14 dólares, na época dos leilões da ANP, para 19 dólares. “Os leilões, é claro, não levam em conta essa variação. Então, empresas que não estavam cobertas, ou seja, sem estoque de soja para produzir biodiesel, e ganharam os leilões, agora estão fazendo corpo mole para entregar o biodiesel, pois poderão ter prejuízos”, afirma Boff. Um estudo de uma consultoria nacional, realizado no início do ano, já apontava que a soja só seria interessante para a produção de biodiesel com a saca na casa de 12 dólares, valor que, segundo consultores, a saca não volta tão cedo por causa da pressão da China. “O Brasil até influencia no preço, por ser um grande player, mas não interfere”, diz o consultor de agronegócio Newton Roda, de Campinas, em São Paulo.

Funcionário da Petrobras na Usina experimental de Guamaré
 Funcionário da Petrobras na
Usina experimental de Guamaré
A solução imediata para quem vendeu é entregar com prejuízo ou empatar no zero a zero. “No longo prazo, o empresário terá de aprender a navegar melhor no negócio dos biocombustíveis”, afirma Roda. O uso de outra matéria-prima com escala similar à soja, como o algodão, por exemplo, já está na pauta. “Mas as usinas, preparadas para operar com soja, terão de ser adaptadas para o trabalho com algodão. E isso custa”, completa. O cenário, segundo o consultor, favorece grandes esmagadoras de soja, que têm contratos futuros de soja, negociam no mundo inteiro, como as estrangeiras ADM, com sede nos Estados Unidos, e Agrenco, com sede na Holanda. As duas companhias investiram cerca de 200 milhões de reais em unidades produtoras de biodiesel nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A unidade da ADM já foi autorizada pela ANP e tem capacidade para produzir 169 milhões litros de biodiesel por ano. As usinas da Agrenco devem ser concluídas em breve, mas aguardam o veredicto da ANP para posicionamento no mercado.

O sebo bovino também aparece como alternativa à soja e ao imbróglio por causa do preço da oleaginosa. O grupo Bertin, por exemplo, é um dos que já percebeu essa oportunidade. Segundo César Abreu, diretor da divisão de biodiesel, o grupo, que investiu 42 milhões de reais na usina de Lins, unidade que produzirá 110 milhões de litros de biodiesel, já prevê mais aportes em empreendimentos de biodiesel. “Temos projetos de implantação de duas novas fábricas, uma em Diamantino (Mato Grosso), e outra em Campo Grande (Mato Grosso do Sul)”, diz Abreu. A previsão de investimento é de 100 milhões de reais nas duas unidades. Cada uma produzirá cerca 100 milhões de litros de biodiesel por ano.

Leilões

O governo federal através da ANP informou que serão realizados mais dois leilões em novembro e outros dois em dezembro, adiando o livre mercado e garantindo a mistura obrigatória para 2008.

O anúncio dos novos leilões levantou o ânimo do setor, mas trouxe junto novas preocupações. Para as empresas que possuem o selo social é um mercado garantido, no entanto apenas 21 das 42 usinas autorizadas pela ANP possuem este selo. Os novos leilões garantem a mistura para 2008, mas diminuem o mercado para as empresas que não conseguirem vender sua produção nos leilões. “Com estes leilões ficaríamos com nossa produção comprometida, sem demanda por todo o próximo ano, e só podendo vender em 2009” diz o diretor comercial do grupo Bertin, Rogério Barros.

Na bomba

A distribuição do biodiesel é outro ponto que, segundo os empresários, contribuiu para o atraso na entrega do produto. Como a mistura B2 ainda não é obrigatória, praticamente só a rede BR, da Petrobrás, e a Ale, de Minas Gerais, fizeram aquisições. Sem ter data para entregar, nem espaço disponível para estocagem, algumas empresas dizem que não produziram. No caso da Oleoplan, por exemplo, a companhia entregou 30% dos 10 milhões de litros que vendeu nos leilões da ANP. O restante, os outros 70%, ainda não foram processados. “Estamos aguardando um sinal verde, quando tivermos a data, produziremos”, afirma Boff. A empresa, uma esmagadora com mais de 30 anos no mercado, está entre as que têm soja estocada para produzir biodiesel. “Não vamos ganhar, mas vamos empatar por termos soja guardada”, diz. Para montar a usina, foram investidos 21 milhões de reais, a capacidade é de 100 milhões de litros de biodiesel por ano.

O governo reage e diz que o problema está superado. “Há uma dificuldade muito grande porque os produtores estão espalhados no Brasil, é diferente do petróleo. A logística do biocombustível é muito mais complicada. No começo deste ano, por exemplo, faltava planta para fazer o biodiesel. Há dois meses, estava sobrando planta de biodiesel”, avalia o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, um entusiasta da produção do biodiesel na região Nordeste.

Para Sérgio Beltrão, diretor da Ubrabio, União Brasileira do Biodiesel, só o início da obrigatoriedade é que vai regularizar o mercado e, conseqüentemente, as retiradas do biodiesel das usinas. “Em janeiro, todos os postos, de todas as bandeiras, terão de ter o B2 e isso vai criar um fluxo de consumo do produto, característico dos combustíveis, que são, praticamente, bens de primeira necessidade”, afirma. Fluxo de consumo que abre espaço para uma outra reivindicação do segmento: a antecipação das metas de mistura de biodiesel no diesel – o programa determina o uso de B2 a partir de 2008 e B5 a partir de 2013. “Orquestrando as mudanças necessárias, teremos capacidade instalada para produzir o B5 já no ano que vem”, afirma Beltrão. A intenção é, pelo menos, antecipar para 2010 o uso do B5. O governo diz estar estudando a proposta e com os leilões de dezembro pretende adquirir porcentagem suficiente para o B3 já em 2008. “Se houver antecipação, o número de negócios com certeza vai aumentar”, afirma Ricardo Cunha da Costa, gerente da área de Infra-Estrutura do BNDES. Para 2008, o banco financiará mais três projetos – hoje são sete –, um deles para produzir 200 milhões de litros de biodiesel, será o maior empreendimento a receber aporte do BNDES.

Os números do banco somados ao do MME e da ANP mostram que, para um setor que partiu do zero e foi criado por um plano governamental, o segmento das usinas de biodiesel respondeu aos apelos do Planalto em alto e bom tom. Em 2005 eram apenas cinco unidades, que juntas produziram 736 mil litros de biodiesel. Para 2008, serão 61 usinas e a produção nacional deve chegar perto dos dois bilhões de litros. “O governo subestimou o interesse em produzir biodiesel, pensou um programa para a agricultura familiar, só que o quadro mudou, será preciso fortalecer o mercado consumidor, se não quisermos noticiar, em meados do ano que vem, o fechamento de usinas de biodiesel”, completa Beltrão.

Além da antecipação das metas, outra medida para estimular o consumo e escoar toda a superprodução que está por vir é tirar do enquadramento “caráter experimental” misturas de B2 até B20, por exemplo, que já têm testes de desempenho comprovado, e transformá-las em “autorizativas”. Segundo Beltrão, o “caráter experimental” é muito burocrático, o que não incentiva empresas a entrarem com o pedido para uso de biodiesel nessa condição.  “Se facilitarmos o ingresso de empresas que querem usar uma mistura maior, teremos, com certeza mais consumo”, diz Beltrão. Para o executivo, nem o preço mais elevado do biodiesel em comparação com o diesel – 20% mais caro – interferiria nessa decisão. “Tem companhia querendo investir na imagem usando biodiesel, combustível limpo na sua frota”, afirma. Como exemplo, Beltrão citou a CVRD, Companhia Vale do Rio Doce, a maior consumidora de diesel do país, que está usando B20 nas suas locomotivas.  As barcas que fazem a ligação Rio-Niterói e os tratores da marca Valtra também estão usando mistura acima do B2.

Mercado externo

Se no mercado interno são necessários acertos, no mercado externo será preciso empenho de leão. As empresas, até mesmo as de capital nacional, mostram, por meio dos seus investimentos, que estão interessadas nessa parte do bolo. A Granol já investiu cerca de 140 milhões de reais na produção de biodiesel, segundo a diretora financeira da empresa, Paula Regina Gomes Cadette Ferreira. São três usinas: Anápolis, em Goiás, Campinas, em São Paulo, e Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul, mas só a de Anápolis produziu biodiesel em 2007 – a de Campinas está parada aguardando definição de rumo e a de Cachoeira será inaugurada em novembro. A capacidade das três plantas é de 245 milhões de litros. “No momento, o destino preferencial é o mercado interno. Porém, com a consolidação do biodiesel como commodity internacional, poderemos vir a exportá-lo também”, afirma Paula Regina. A Granol exporta aproximadamente 40 por cento do seu faturamento – 609 milhões de reais em 2006. As vendas externas são principalmente de farelo e óleo de soja degomado.

Marcos Boff, presidente da Oleoplan
 Marcos Boff, presidente da Oleoplan
A briga por terras estrangeiras passa pelas barreiras dos países produtores e consumidores, como as nações da União Européia e os Estados Unidos e a concorrência com a vizinha Argentina. Explica-se: desde 2006 o país conta com uma lei de promoção de biocombustíveis que abre as portas para novos investimentos no setor. Os impostos argentinos também favorecem a exportação do biodiesel. A Argentina taxa em 24% as vendas externas de soja em grãos ou farelo e em 5% biodiesel. “No Brasil é o contrário, a legislação tributária incentiva a exportação do grão e não do biodiesel”, diz Marcos Boff. Uma solução proposta seria, além da reforma tributária, aumentar os incentivos do Selo Combustível Social para quem quer exportar, por exemplo. 

Sérgio Beltrão concorda e acrescenta que o selo é um excelente incentivador da distribuição de renda, mas precisa ser mais atrativo às empresas. Segundo o executivo, a redução tributária obtida ainda é insuficiente para a companhia comprar da agricultura familiar. “As empresas têm um custo alto com o treinamento do pessoal, acompanhamento de todo o desenvolvimento da lavoura etc”, lembra.  Nas regiões Sul e Sudeste, 30% da matéria-prima das empresas que têm o selo tem de ser comprada da agricultura familiar. A redução de PIS/PASEP e Cofins, nessa situação, é de 67,9% em comparação com a alíquota geral.

Quando o biodiesel chegar

A cena de petróleo jorrando de um buraco acidental, como mostram antigos filmes hollywoodianos ilustrando os tempos das descobertas do combustível fóssil em solo norte-americano, está longe do território brasileiro. Mas cidades como Caarapó, no Mato Grosso Sul, e Alto Araguaia, no Mato Grosso, ainda pouco conhecidas dos brasileiros, em breve, serão importantes no mapa do biodiesel que se desenha no país. Nos dois municípios estão sendo construídas as usinas de processamento de soja da multinacional européia Agrenco. As unidades terão capacidade para produzir cerca de 280 mil toneladas do biocombustível por ano.  

Na cidade de Caarapó, onde a soja e a pecuária giram a economia, os sinais da instalação da usina de biodiesel já podem ser medidos – e sentidos no bolso. “A fábrica deverá ser inaugurada só em março do ano que vem, mas os preços de aluguel dos imóveis estão subindo desde o anúncio da construção da usina. E agora está difícil até conseguir uma casa”, diz Chirato Alves Vieira, chefe de gabinete da prefeitura de Caarapó. O anúncio da usina da Agrenco, a primeira de grande porte do estado, foi feito há dois anos, em 2005, meses depois que o governo brasileiro lançou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), em dezembro de 2004.

Segundo Vieira, outro termômetro da chegada dos investimentos é o número de habitantes que em 2004 era 19.500 e agora são 22.700 pessoas. “A construção da usina atraiu mão-de-obra para a cidade, serão gerados cerca de 200 empregos”, diz ele, que calcula que mais seis mil pessoas deverão se instalar no município nos próximos anos por causa dos investimentos da Agrenco e de outros projetos na área de biocombustível, como o da usina Nova América, de São Paulo. A companhia deverá produzir etanol a partir de cana-de-açúcar, a inauguração da fábrica está prevista para 2009. Estima-se que 1.200 novos postos de trabalho serão criados com o funcionamento da usina de álcool.

Bem localizado, com um terminal da Ferronorte instalado – o que facilita o escoamento da produção –, o município de Alto Araguaia também pegou carona na atual onda de otimismo com a fabricação de biodiesel. “Será um salto na economia local”, diz Romildo José de Oliveira, secretário de Finanças do município. A cidade de 15 mil habitantes espera para o mês de dezembro a inauguração da usina de biodiesel da Agrenco. O empreendimento já gerou 300 empregos diretos na região. A mão-de-obra, segundo Oliveira, está sendo treinada em São Paulo, na sede da companhia.

Os investimentos no Nordeste

O biodiesel tem, hoje, uma produção em larga escala feita a partir da soja no cerrado e também no Sul e no Centro-Sul, sendo de grande eficiência e muito mecanizada, com grandes grupos investindo.  Mas o Nordeste está pisando no acelerador e, em 2006, 445 mil hectares para o plantio de culturas destinadas ao biodiesel.  No quesito comercialização, 319 milhões de litros de biodiesel nordestino foram vendidos nos leilões realizados pela ANP.

Para conseguir bons resultados com o biodiesel, o Nordeste tem o desafio de melhorar sua produtividade. A Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, está desenvolvendo pesquisas em mamona para ter mais óleo, com resultados interessantes no Centro de Pesquisa do Trópico Semi-Árido, em Petrolina. A produção média da mamona nativa é na ordem de 500 quilos por hectare. A Embrapa conseguiu, em caráter experimental, 1300 quilos, dobrando o rendimento.
 
A meta do governo federal é implantar em cada estado nordestino uma unidade de transesterificação da Petrobras com capacidade para processar 160 mil litros por dia de óleo vegetal. Cada estado terá também 20 unidades de esmagamento com capacidade de extração, cada, de 8 mil litros/dia de óleo para suprir a demanda da Petrobrás. Como o conceito é incentivar a produção familiar da matéria-prima, cerca de 540 mil pequenas propriedades serão envolvidas. A Petrobras está investindo 675 milhões de reais na produção de biodiesel no Nordeste. O governo federal entra com mais 108 milhões de reais nas unidades de esmagamento.

Cláudia Abreu, da Agência Meios
Especial para a BiodieselBR.com
* Colaborou: Marco Bahé, de Recife

Foto: Stéferson Faria